Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Dimitri Ganzelevitch: marroquino passou por quatro países antes de adotar a Bahia como lar

Nascido no Marrocos, o galerista passou por Portugal, Inglaterra, Espanha e França antes de se estabelecer em Salvador e neste mês festeja 50 anos da chegada à Bahia

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 10 de maio de 2025 às 05:00

Dimitri, na galeria que fica no Santo Antônio Além do Carmo
Dimitri, na galeria que fica no Santo Antônio Além do Carmo Crédito: Marina Silva/Correio

No próximo dia 21, Dimitri Ganzelevitch, de 89 anos, completa 50 anos vivendo em Salvador. Nestas cinco décadas de Bahia, revelou-se um importante galerista e entusiasta da arte local. Também foi produtor cultural, cronista e se arriscou até como ator. Nascido e criado em Rabat, capital do Marrocos, morou também na França, Portugal, Espanha e Inglaterra.

Já está bastante acostumado ao modo de viver de Salvador, inclusive à comida baiana. Mas só tem uma coisa que ainda não lhe apetece por aqui: o quiabo. Antes de se tornar residente soteropolitano, veio à cidade diversas vezes. Numa dessas visitas, foi a um restaurante do Mercado Modelo. “Fui com uma amiga francesa e um amigo inglês. Pedimos caruru, mas nunca tínhamos sequer visto quiabo. Ficamos apavorados com aquela baba! Comi com muito esforço, mas meus amigos se recusaram. Hoje, ainda não gosto. Gosto da comida baiana, mas quiabo…”, diz ele, sem disfarçar a cara de rejeição à iguaria baiana.

Mas, se por um lado, o quiabo não causou boa impressão a Dimitri, os primeiros anfitriões baianos o conquistaram imediatamente. Não é para menos: logo que chegou aqui, em 1971, ainda a turismo, foi almoçar na casa de Jorge Amado. Dimitri conhecia o escritor Orígenes Lessa, que o levou à casa do autor de Capitães da Areia.

“Na casa de Jorge Amado, conheci Dorival Caymmi. Na mesma viagem, conheci Carybé. Com Ildásio Tavares, fui a uma serenata na Lagoa do Abaeté. Tive muita sorte! Logo de entrada, conheci Jorge Amado, Carybé, Ildásio…”

Dimitri Ganzelevitch

galerista e imigrante nascido no Marrocos

O marroquino esteve também na reinauguração da Fonte Nova, quando um boato de que o estádio estava desmoronando causou pânico, deixando duas pessoas mortas e cerca de duas mil feridas. “Estávamos num camarote, mas o problema foi do outro lado. Não entendemos muito bem, apenas vimos uma confusão. Só no jornal, no outro dia, que vimos que a coisa era muito mais grave que pensávamos”.

Foi também conhecer a famosa feira livre de Feira de Santana. “Era uma segunda-feira e naquela época, só se falava disso: se vai estar em Salvador numa segunda, tem que ir a Feira de Santana”. Aproveitou para conhecer Itaparica, numa viagem de saveiro. Para sentir o frescor do mar, Dimitri pôs a perna para fora da embarcação, mas foi alertado pelo marinheiro: “Tira o pé da água, por causa do cação!”. “Mesmo sem ter a menor ideia do que era ‘cação’, porque em Portugal não havia essa palavra, eu tirei”, ri o galerista. “Na época, ainda tinha matadouro no Rio Paraguaçu, então os tubarões entravam pela Baía toda”, lembra.

Apesar da experiência tensa na Fonte Nova, do susto com o cação e da má impressão do quiabo, Dimitri saiu satisfeito da Bahia. Tanto que voltou nos anos seguintes, até que em 1975 decidiu se mudar para Salvador. Mas ele não é adepto dessa história de ser “encantado” pela Bahia, embora deixe claro que gosta daqui. “As pessoas falam em ‘encantamento’, mas não gosto dessas coisas de ‘maravilhoso’, ‘melhor do mundo’... relativizo muito essas coisas”.

Liberdade

Mas a conexão que existe entre Bahia e África foi um dos fatores que atraiu Dimitri.

“E também a liberdade de comportamento aqui. Em Portugal, as pessoas eram muito convencionais até na maneira de se vestir. Tinha que andar de terno e gravata até pra ir ao cinema! Era tudo muito formal. Em qualquer restaurante de classe média, eu tinha que ir de terno e gravata”,

Dimitri Ganzelevitch

galerista e imigrante nascido no Marrocos

Na década de 1970, Portugal vivia uma situação política tensa e isso pesou na decisão de Dimitri de se mudar para a Bahia no ano seguinte. Em 25 de abril de 1974, estourou a Revolução dos Cravos, que resultou no fim de uma ditadura de mais de 40 anos. Dimitri morava em Cascais e foi a Lisboa acompanhar as manifestações e a libertação dos presos políticos. “Eu apoiava o movimento, mas quando há problemas políticos numa terra, geralmente os primeiros culpados são os estrangeiros”. Um ano depois, ele resolveu vir para Salvador. E desta vez era para ficar.

Chegou na cidade e foi se hospedar num hotel na Barra. Chovia muito, afinal era maio, como agora. Ao chegar, estabeleceu no Pelourinho a Galeria da Sereia. Começou trabalhando com obras de artistas como Carybé, Carlos Bastos, Floriano Teixeira e Mario Cravo. Mas Dimitri queria investir em novos artistas. Passou então a ficar de olho em nomes menos conhecidos na época, como Bel Borba, Vauluizo Bezerra e Reinaldo Eckenberger. “Todos eles deram os primeiros passos em minhas galerias”, lembra.

Dimitri chegou aqui com dinheiro suficiente para se sustentar por seis meses, economia feita com o faturamento de duas galerias e uma loja de roupas que teve em Portugal. Aos poucos, foi se firmando como galerista por aqui. Mas penou um pouco até entender o mercado local: “Tinha umas obras de Carybé, mas percebi que não ia conseguir vender Carybé aos baianos, porque os que podiam pagar pelos quadros compravam diretamente dele”. Foi aí que decidiu investir nos artistas que estavam começando.

A mudança de estratégia deu certo, tanto que se sustentou como galerista nestes 50 anos. Desde os anos 1970, vive no Santo Antônio Além do Carmo, onde, além de sua própria casa, tem uma galeria. “É galeria, mas, ao mesmo tempo, é um estúdio, porque serve para exibir as fotografias que fiz. Mas serve também para expor e dar vazão à minha coleção de arte. Tenho que vender muita coisa”, diz Dimitri, que, da última vez que contou, tinha cinco mil peças, com destaque para a arte popular, pela qual tem admiração especial.

Quando foi morar no Santo Antônio Além do Carmo, o bairro estava longe de ser badalado como hoje, transformado em reduto dos “descolados” e sede de um Carnaval alternativo. “Quando vim morar no Santo Antônio Além do Carmo, eu era ‘colunável’. Quando ia a um jantar ou coquetel, me perguntavam onde eu morava. Quando eu dizia ‘Centro Histórico’, vinha imediatamente o silêncio. Olhavam para mim da cabeça aos pés e viravam as costas. Havia preconceito gigantesco contra o Centro!”.

Graças a esse preconceito, Dimitri comprou, em 1989, uma casa de 670 metros quadrados por nove mil dólares. Considerando a inflação em dólar, seria equivalente hoje a pouco mais de vinte mil dólares, algo em torno de R$ 150 mil em valores atuais. Uma merreca, se considerarmos, os valores de hoje naquela região. Para se ter uma ideia, um imóvel de 75 metros quadrados (quase dez vezes menor que o de Dimitri) na Ladeira do Boqueirão, está anunciado por R$ 470 mil.

Dimitri vendeu a casa há pouco tempo e vai se mudar para o mesmo imóvel onde funciona a galeria, bem perto daquele outro. Uma nova mudança a essa altura da vida poderia ser um transtorno para outras pessoas. Mas, para alguém que já tinha vivido em quatro países antes de vir para o Brasil, esse deslocamento de alguns metros não é nada.

“Vivi em muitos lugares ainda jovem. Me sinto bem em qualquer lugar, mas sinto que minha casa é aqui, afinal são 50 anos na Bahia. E pretendo passar os próximos 50 aqui”

Dimitri Ganzelevitch

galerista