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Intolerância religiosa e comportamento de grupo: o que leva uma torcida organizada a pichar um terreiro?

No dia do Ba-Vi, integrantes da Bamor foram flagrados pichando os muros da Casa de Oxumarê

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 24 de maio de 2025 às 05:00

Terreiro Casa de Oxumarê foi pichado por integrantes de torcida organizada
Terreiro Casa de Oxumarê foi pichado por integrantes de torcida organizada Crédito: Reprodução TV Bahia

Com a camisa da torcida organizada Bamor, as imagens de um homem pichando o muro da Casa de Oxumarê correram as redes sociais na última semana. Outro homem, também com a mesma camisa, sai carregando outro spray de tinta. Um terceiro - descamisado, mas segurando o traje da Bamor - discute com um homem que veio reclamar com o primeiro pichador. Este, por sua vez, corre em direção a um grupo de integrantes da torcida que gritava no sentido contrário da Avenida Vasco da Gama.

O caso aconteceu no último domingo (18), dia em que Bahia e Vitória se enfrentaram na Arena Fonte Nova - ou seja, um clássico Ba-Vi. Naquele dia, além do vandalismo contra um dos terreiros mais antigos do Brasil, houve até prisão de integrantes de torcidas com explosivos improvisados. No entanto, o episódio contra a Casa de Oxumarê provocou um debate sobre intolerância religiosa, mas deixou pairar uma pergunta maior por que agremiações de torcedores se sentem confortáveis para vandalizar um terreiro?

"É jovem, né? A juventude tem outro jeito de se comportar, de se entender. Nós devemos sempre procurar entender e acolher, não também ser agressivo e pagar com a mesma moeda. Então, a gente acolheu eles. Vamos fazer um trabalho social para não fazerem isso de novo, nem aqui, nem em qualquer outro lugar", pondera a Ekedi Rose da Casa Oxumarê.

Segundo ela, desde o domingo, a Bamor se retratou oficialmente com o terreiro e se colocou à disposição e pintou o muro do espaço, cobrindo as pichações. A partir disso, ficou definido que membros da Casa de Oxumarê vão dar uma palestra aos integrantes da organizada sobre a religião.

"É preciso desmitificar essa questão do candomblé. Eles precisam conhecer o nosso sagrado, ver como é o nosso comportamento e ver o que são os orixás que a gente cultua e louva. Tudo precisa se ter a revelação, o conhecimento", acrescenta a Ekedi Rose.

Na ocasião, o ato foi interrompido depois que um irmão da casa que tem uma oficina na região percebeu o que tinha acontecido e foi até os envolvidos. No entanto, a ekedi explica que o terreiro decidiu não acionar a justiça. "Acho que, com essa lição, esse ato nunca mais vai acontecer em lugar nenhum", diz.

Reflexos

Para o antropólogo Fábio Lima, doutor em Estudos Étnicos e Africanos e ogã do Ilê Axé Opô Afonjá, atos como esse são o reflexo de uma era sem limites do respeito ao outro. Ele acredita que há uma perda de valores em uma sociedade já adoecida e que legitimou o desrespeito.

"Essa coisa da cultura do ódio tem se espalhado no país e terreiros de candomblé, a população negra e a população LGBT+ tem sofrido por conta de um estado que foi inoperante e abertamente contrário a políticas de igualdade. Analisar o fato com a Casa de Oxumarê é um ponto para entender o que vem acontecendo no Brasil em geral. Podia ser uma igreja de São Francisco, um templo budista, hindu. Além de tudo, é um patrimônio. As pessoas não têm noção do que público e do que é privado", reforça.

Na avaliação do antropólogo, a decisão da Casa de promover o diálogo é acertada, inclusive porque terreiros são espaços que promovem a educação. "A violência é estrutural como racismo. Temos que pensar que eles são irmãos siameses. O jovem que picha é violento porque vivencia várias formas de violência. Ele não tem filtro, não foi educado a ter filtro".

O advogado e presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da Ordem do Advogados do Brasil - Seccional Bahia, Alan Pitombo, expressou preocupação com o episódio, por entender que se tratou de mais um ataque a um templo de religião de matriz africana na Bahia. Para ele, esse tipo de violência e tem sido mais comum porque mostra que ainda há um largo caminho de discussão e conscientização.

"Na nossa concepção, o que explica isso é que o racismo religioso está estruturado, assim como o desrespeito às religiões de matriz africana, seus templos e seus espaços. Ver essas religiosidades de forma diminuída acaba dando salvo conduta a expressões como essa e um terreiro extremamente conhecido acaba sendo vítima de um crime de intolerância religiosa. A gente fica observando o que pode acontecer também com comunidades menores e menos conhecidas".

Ainda assim, ele destacou a atuação do terreiro com a postura de conscientização para a garantia do respeito à religião, que é um constitucional. "Acho que não podemos acusar diretamente a torcida, mas a torcida organizada acaba reproduzindo aspectos da sociedade. Quando o indivíduo é colocado para se comportar em multidão, essa reprodução de aspectos sociais acaba se fortalecendo. Acredito que esse componente tenha sido potencializado e encorajado a prática do crime", analisa.

A pichação de bens tombados se enquadra na lei federal que trata de crimes ambientais. A pena é de seis meses a um ano de prisão e multa.

Apesar de nenhuma denúncia ter sido protocolada no Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) quanto a essa situação, a entidade recomendou, desde 2018, a torcida única nos Ba-Vis. A reportagem solicitou uma entrevista com a promotora Thelma Leal, que é responsável por acompanhar o tema, mas o MP enviou uma nota em que diz que tem mantido diálogo com as instituições do poder público e com as responsáveis pelos jogos para tratar de medidas preventivas.

Segundo o órgão, o objetivo das ações é garantir a integridade dos torcedores, a fluidez no entorno dos estádios e o respeito aos direitos dos consumidores. "Diálogos também têm sido estabelecidos com as torcidas para tratar das questões", informaram.

A torcida organizada Bamor foi procurada pela reportagem, por meio de suas lideranças, mas a torcida não respondeu aos contatos. No entanto, o grupo já havia divulgado uma nota nas redes sociais em que repudiava o fato.

"A Bamor jamais será conivente com qualquer forma de intolerância religiosa ou desrespeito. Somos uma entidade composta por uma diversidade de membros, entre eles, muitos que professam a fé do Candomblé e de outras religiões de matriz africana, todas merecedoras de respeito e liberdade de culto", dizem.

O Esporte Clube Bahia também foi procurado, mas não atendeu aos pedidos de entrevista.