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Maria Raquel Brito
Publicado em 6 de dezembro de 2025 às 05:00
O relógio marcava 19h26 quando a atriz francesa Isabelle Huppert desceu as escadas da sala 1 do Cine Glauber Rocha, na Praça Castro Alves, nesta sexta-feira (5). Ao pegar o microfone, cumprimentou o público que a esperava ansiosamente com um “bom dia” tímido em português, recebido com divertimento pelos espectadores. Alguns minutos depois, a cena se repetiu na sala 2. Na terceira e última, ela tentou novamente: entrou, desceu os degraus e, desta vez, começou a sua fala com um confiante “boa noite”. >
O aceno ao público aconteceu antes da exibição de “A Mulher Mais Rica do Mundo”, trabalho mais recente de Huppert. Depois de apresentar o filme na abertura do Festival de Cinema Francês do Brasil 2025 no Rio de Janeiro, foi a vez da atriz desembarcar em Salvador para a mostra. Em terras soteropolitanas, ela participou de um bate-papo e respondeu perguntas dos espectadores após a exibição do longa. >
Isabelle Huppert no Cine Glauber Rocha
Com mais de 50 anos de carreira, Isabelle Huppert consagrou-se como uma das maiores atrizes do cinema francês atual. Em seu repertório, já acumula ao menos 163 filmes e 19 prêmios. Seu grande sucesso se deve à capacidade de conferir a profundidade necessária a personagens complexos, muitas vezes oferecendo contribuições pessoais às personagens que interpreta. Huppert já atuou com diferentes diretores, em filmes franceses e internacionais de gêneros diversos, como Elle (2016), A Professora de Piano (2001), A Sindicalista (2022) e Madame Bovary (1991).>
Visitar Salvador era, segundo a atriz, a realização de um sonho antigo. Na França, ouvia uma música que falava sobre a Bahia e imaginava o estado. Além da capital baiana, a vinda à Bahia teve também uma parada em Boipeba. Agora, ela torce para que os cinéfilos baianos gostem do filme.>
“É uma história muito francesa. É baseada em uma história real. E então, sim, espero que as pessoas aqui se conectem com a história, porque os diretores do filme se dispuseram a dar um passo atrás para realmente contá-la como se fosse ficção. Não é um documentário, embora seja baseado em dois fatos e duas pessoas”, disse Huppert ao CORREIO.>
Dirigido por Thierry Klifa, “A Mulher Mais Rica do Mundo” divide-se entre o thriller psicológico e o drama burguês. A trama segue Marianne Farrère (Isabelle Huppert), uma mulher rica e influente, e Pierre-Alain Fantin (Laurent Lafitte), um jovem escritor e fotógrafo. O que se inicia com uma singela amizade abre espaço para o romantismo e para um esquema de corrupção de grandes proporções. A história é inspirada na figura real de Françoise Bettencourt-Meyers, herdeira do império L’Oréal.>
Isabelle Huppert
O plano inicial no Cine Glauber Rocha era uma sessão única na sala 1 e o bate-papo logo depois. A demanda foi tanta que mais duas exibições foram adicionadas à programação. Para a sorte da acompanhante terapêutica Nathália Barbosa, de 30 anos. Pessoa do espectro autista, ela é fã de Isabelle Huppert desde os 17 anos e define a atriz como seu hiperfoco. Antes de entrar na sala, esperava animada pela atriz com três pôsteres em mãos. >
“Quando eu vi La Cérémonie [As Diabólicas, no título brasileiro], mudou minha vida. Quando soube que ela vinha, surtei. Aliás, ainda estou surtada, acho que estou vivendo um sonho. Eu acho que quando ela passar por aquela porta, vai dar um ‘bug’ na minha mente”, afirmou. Não demorou muito para que o momento que Nathália tanto imaginou acontecesse: quando a atriz chegou ao cinema, ela fez questão de levar seus pôsteres para que fossem autografados. “Estou tremendo”, disse depois, exibindo as assinaturas.>
Ela foi uma das muitas pessoas que chegaram cedo no Cine Glauber Rocha para assistir ao filme e conhecer a atriz. Antes das sessões, o hall estava repleto de pessoas de todas as idades, que aproveitaram a oportunidade de conhecer uma lenda do cinema. Foi o caso da aposentada Simone Melo. De Sergipe, ela veio para Salvador participar de outro evento, mas, ao saber da vinda da atriz, estendeu a viagem por mais uma semana. >
“Eu sou fãzona dela desde a época que ela fazia filme com Claude Chabrol, então eu disse: ‘não posso perder essa oportunidade’”, contou. “Eu assisto todos os filmes do Festival Francês. Quando eu me aposentei, defini como programa de vida assistir a todo cinema francês.”>
O Festival de Cinema Francês do Brasil 2025 teve início no dia 27 de novembro e segue até 10 de dezembro. Ao longo das três semanas, o evento exibe filmes do país europeu e trará alguns dos artistas e diretores para interagir com os espectadores brasileiros. Em Salvador, além do Cine Glauber Rocha, dois outros cinemas recebem as exibições dos 21 filmes do festival: Sala de Arte da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e Sala de Arte do Paseo.>
Para Christian Boudier, curador do festival, realizar mais uma edição e promover os filmes franceses no Brasil é motivo de celebração – e trazer Isabelle Huppert para essa iniciativa só potencializa isso. >
“Acho que demonstra a atratividade do Brasil e particularmente de Salvador, porque ela veio para defender o filme, que ela gosta muito, mas Salvador e Bahia remeteram um sonho que ela tinha. Desde o começo, quando falei: ‘Isabelle, você vem para o festival? A gente leva você em Salvador e você vai conhecer a Bahia’. E para nós, claro, é uma oportunidade incrível de ter mais visibilidade e também promover o filme, porque os filmes franceses não chegam muito ao circuito comercial e precisam de apoio”, disse.>
Diretor do Cine Glauber Rocha, Cláudio Marques concorda. Segundo ele, é essencial que haja esse diálogo entre as culturas. “A França é um país que realmente ama o cinema, eles cuidam do cinema. Eles cuidam da exibição, cuidam das salas de rua e entendem que quando você tem a exibição garantida, você tem todo o resto. No Brasil a gente produz sem saber se os filmes vão ser exibidos. Hoje a gente tem uma quantidade absurda de filmes sendo produzidos e que não são vistos por ninguém. (...) Então, no momento que a gente traz uma atriz tão apaixonada pelo cinema, que dedicou toda a vida ao cinema, de alguma maneira isso reafirma a importância de que os filmes sejam vistos”, afirmou.>