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Moyses Suzart
Publicado em 24 de agosto de 2025 às 05:00
Foi preciso adiar a entrevista com Beatriz Blesa. O motivo foi justamente o assunto que seria abordado. “Hoje eu vim pra UPA, porque tive crise de fibromialgia... Tô aqui tomando medicação. Assim que eu retornar pra casa te dou um ‘oi’ aqui e a gente bate esse papo, pode ser?”, dizia a mensagem da designer. Bia sofre de uma doença que, como ela mesma diz, “dói tudo”. Pior: a dor, além de ser inexplicável, não tem cura, chega sem avisar e ela ainda sofre preconceito na sociedade. Sequer é possível determinar se é uma síndrome, doença ou alguma outra patologia. O certo é que a doença pode causar limitações funcionais severas e duradouras e, por isso, aqueles que sofrem com a doença vão passar a ser considerados pessoas com deficiência (PcD), a partir de janeiro de 2026. >
Para Beatriz, falar da fibromialgia é tentar explicar o inexplicável. “É uma coisa assim que surge do nada. E até o próprio diagnóstico da fibromialgia é uma coisa que é somente clínico, porque não tem nenhum exame que faça o diagnóstico. É uma dor que a gente sente 24 horas por dia, mas com os medicamentos e os tratamentos, se torna uma dor suportável. Só que chega um momento que nem remédio dá conta”, conta Beatriz.>
Justamente por ser uma dor inexplicável, sem o diagnóstico, que os portadores da síndrome sofrem preconceitos, principalmente no lado profissional. Beatriz conta que as pessoas duvidam de sua condição no trabalho, principalmente em momentos de crise, quando é impossível desenvolver qualquer ação laboral. >
Beatriz retrata que vive um luto dela mesma. Com o surgimento da doença, ele precisou enterrar a pessoa que era antes da fibromialgia. Não dá mais para frequentar festas como curtia antes, foi preciso mudar seus hábitos alimentares, até um carinho da namorada pode ser sinônimo de dor. “Mesmo com rede de apoio, a fibromialgia é uma doença muito solitária. A gente sofre em silêncio. Já precisei de ajuda para tirar uma roupa ou pegar um copo d’água”, acrescenta. >
Segundo Ana Teresa Amoedo, médica reumatologista da Clínica Novaimuno, a fibromialgia é uma síndrome dolorosa crônica que não aparece em exames de imagem ou laboratoriais. A dor surge sem uma lesão específica no músculo ou na articulação, mas está relacionada a um desequilíbrio na forma como o cérebro e a medula processam os sinais de dor. “É como se o ‘volume’ da dor estivesse aumentado no sistema nervoso central”, explica a médica. É justamente este lado subjetivo que gera o preconceito em torno da fibromialgia.>
“O preconceito existe porque a dor não é visível. Muitas vezes, o paciente é julgado como preguiçoso, desmotivado ou instável. Combater esse preconceito exige educação, tanto para o paciente entender sua condição e saber se comunicar, quanto para os empregadores e colegas de trabalho. Campanhas de conscientização, laudos médicos bem fundamentados e o reconhecimento legal da fibromialgia como uma condição de saúde crônica são fundamentais nesse processo”, indica Ana. >
Diante de tantas questões, a lei que insere as pessoas com fibromialgia na relação de PcD será um avanço, principalmente para quem sofre não apenas da doença, mas do preconceito também, pois agora terão direitos assegurados onde antes era uma questão subjetiva e motivo de desconfiança (confira quadro ao lado). >
A jornalista Marilza Souza já teve muitas crises, hoje raras por conta de sua mudança de hábitos, agora mais saudáveis, cuidando do corpo e da mente. Mesmo assim, ela acredita que a nova lei vai proporcionar um olhar mais social para quem tem a fibromialgia. >
“É fundamental! A fibromialgia é debilitante. O cansaço, as dores, enjoos e o intestino irritável, são sintomas incapacitantes. Ou seja, uma deficiência. Cheguei a ficar internada por 15 dias no primeiro mês, as crises só pioravam. Tinha mês que toda semana baixava na emergência. Parei de trabalhar por não aguentar a dor e o cansaço, era muito criticada por isso”, lembra Marilza. >
Marilza, como qualquer outro paciente, chegou a tomar remédios e ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar. Os medicamentos são variados, a maioria antidepressivos fortes. Por isso, apesar de não ter cura, mudanças de hábitos são cruciais, como a vida saudável e sem estresse. >
Outra questão agora é como enquadrar uma pessoa dentro desta deficiência. Para ser portador da doença e ter seus direitos assegurados, será preciso passar por avaliação médica, seja ela do reumatologista, do psiquiatra, no médico da dor, onde será feita uma avaliação de exames físicos, laboratoriais e de imagem, como afirma a médica Emanuela Pimenta, vice presidenta da Sociedade Baiana de Reumatologia.>
“Os pacientes que realmente têm o diagnóstico dessa doença e que passam pelo acompanhamento multidisciplinar, que são avaliados do ponto de vista muito profissional, eles vão ter relatórios que encaminham esse paciente e que conferem a eles esse grau de deficiência, mas tem que ser uma coisa muito criteriosa, é uma doença silenciosa e que precisa de muito critério e muito cuidado para o diagnóstico”, aponta.>
Mesmo com todas as dificuldades, Beatriz Blesa ainda nutre um sonho que a fibromialgia ainda a impediu: ver um show de sua artista preferida, Lady Gaga, que também sofre do mesmo mal. No show em Copacabana, Blesa pensou em ir, mas o medo da dor ainda foi mais forte. O foco agora é a próxima turnê da atriz. >
“Quando tive o diagnóstico, a primeira coisa que lembrei foi do documentário dela. Lembrei que ela cancelou show no Brasil por causa da fibromialgia (em 2017). Ver uma pessoa que admiro tanto com a mesma condição e continua fazendo shows me dá força. Às vezes o médico diz que não é legal fazer tal esporte por conta da fibromialgia, e eu fico: ‘velho, o que é quê a Lady Gaga faz? Sou tão fã, que até fibromialgia eu tenho”, brinca. >
Motivos para pacientes com fibromialgia estarem no rol de PCD >
A condição pode causar limitações funcionais severas e duradouras>
Muitos pacientes enfrentam dificuldades para manter rotinas de trabalho e estudo>
Há preconceito e invisibilidade social, pois os sintomas não são visíveis>
O reconhecimento como PCD garante acesso a direitos, políticas públicas e proteção trabalhista, como vagas reservadas, aposentadoria especial e prioridade em serviços>
O que muda nos direitos para quem tem fibromialgia >
Isenção de alguns impostos, como na compra de veículos adaptados>
Em situação de vulnerabilidade social pode receber um salário mínimo mensal, mesmo sem nunca ter contribuído com o INSS>
Aposentadoria por invalidez ou especial>
Empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a reservar vagas para pessoas com deficiência>
Prioridade em concursos públicos, com cotas específicas e adaptação das provas. O mesmo pode valer para faculdades>
Direito ao transporte gratuito intermunicipal e interestadual>
Direito à matrícula escolar da rede pública próxima de casa e com acessibilidade>
Atendimento prioritário em estabelecimentos públicos e privados>