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Moradores de São Lázaro recebem aviso de despejo de terreno da Ufba

Universidade informou nesta quarta-feira (15) que pediu à procuradoria que solicite a suspensão da decisão que pede reintegração de posse

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 15 de outubro de 2025 às 16:31

Luiz Fernando mora em São Lázaro há 51 anos e foi notificado
Luiz Fernando mora em São Lázaro há 51 anos e foi notificado Crédito: ARISSON

A primeira casa do vendedor Luiz Fernando Souza, 67 anos, na região da Estrada de São Lázaro, foi um ‘barraco’, nas palavras dele. No local, perto de onde antes ficava um lixão, construiu o local onde morou por seis anos - até conseguir construir a edificação de alvenaria. “Já são 51 anos aqui”, disse, na manhã desta quarta-feira (15).

Desde então, Luiz Fernando ergueu quatro casas, onde vivem seus filhos e netos. Agora, contudo, a morada da família - e de outras 13 - está ameaçada. Na manhã de segunda-feira (13), viaturas de agentes da Polícia Federal, que acompanhavam uma oficial de justiça, entregaram a todos um documento que exige a reintegração de posse do terreno que seria parte da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“Eles deram 30 dias para a defesa da gente. Se a gente não fizer, vão vir aqui com as máquinas. Eles alegam que a invasão é de 2023 para cá, quando é uma inverdade. Só eu tenho 51 anos aqui e tem pessoas que são herdeiros de seus avós, com cerca de 70 anos que chegaram”, diz Luiz Fernando.

As 14 famílias ficam em uma área específica - como se fosse o fim de um quarteirão - às margens da Igreja de São Lázaro. Engloba um perímetro que, além de casas, tem bares tradicionais, inclusive os que promovem o Samba de São Lázaro há três anos. A área da igreja não é afetada pela decisão judicial.

Thiago mora em São Lázaro desde que nasceu e recebeu a notificação por ARISSON

“A gente recebeu essa bomba que ninguém esperava. Nunca notificaram a gente, nunca vieram aqui conversar, nem nada”, diz o morador Thiago da Silva, 35, que gerencia o Bar Boneca Cobiçada com a família. Ele tem ajudado a organizar os moradores.

Segundo Thiago, os policiais federais informaram que há um prazo de 30 dias para que a comunidade apresente uma defesa. Se não houver defesa, terão que sair do local e podem ter que pagar até pelos custos dos equipamentos usados na demolição. A abordagem dos agentes durante a operação também foi criticada pelos moradores.

Com alguns dos policiais armados, eles afirmam que o trato foi agressivo. “Eles dizem que o bairro é perigoso. Mas, na verdade, a gente faz o evento do Samba de São Lázaro há três anos e nunca aconteceu nenhuma violência, nada. Em um evento de 2023 que aconteceu foi uma guerra que teve entre facções de locais rivais e a gente ficou no meio do fogo cruzado. A gente aqui não entra em nada”, reforça.

Processo

A ação movida pela Ufba teve início com uma investigação. A reportagem teve acesso ao processo e, segundo um dos documentos apresentados na petição inicial, de maio de 2023, uma denúncia havia sido recebida pelo sistema Fala.BR no ano anterior.

A ocorrência registrava uma invasão em duas regiões do terreno, onde haveria loteamentos, demarcações e pequenos barrotes de madeira. O processo anexa diversas fotos que mostram o que seriam as novas ocupações do terreno, inclusive uma parte onde hoje ficam baias de cavalo. Haveria duas novas áreas de invasão - as duas foram demarcadas nos documentos iniciais como ‘novas ocupações do terreno’.

A reportagem identificou que pelo menos uma das áreas é onde ficam baias de cavalo. A outra é apontada pelo processo como uma construção que funciona como uma pizzaria. Um despacho da Superintendência de Meio Ambiente (Sumai) da instituição destaca que a invasão era um "fato atual", mas tinha relação com um procedimento anterior.

O terreno de Ondina-São Lázaro foi comprado pela Ufba em 16 de novembro de 1976, de acordo com uma certificação anexada pela instituição. Era uma área que pertencia à Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e que havia sido desmembrada do antigo Parque de Exposições de Ondina, pertencente ao governo estadual. A área, segundo o documento, era de 5,6 mil m².

Havia um processo interno, movido em 2007, que também buscava investigar justamente invasões no campus. Esse procedimento, segundo a ação, está atualmente na Procuradoria da universidade.

Histórico

A partir de 2023, alguns episódios são importantes para entender as movimentações do processo. Em 26 de junho daquele ano, a oficial de justiça Tatiana Fogueira relatou ter ido à Ufba e que, lá, servidores da instituição a teriam advertido, de forma unânime, sobre a 'impossibilidade de realização da diligência de citação e intimação dos ocupantes do terreno' apenas por uma oficial de justiça e sem acompanhamento policial.

O motivo seria o 'grau de periculosidade dos invasores do terreno'. O documento menciona disputa entre facções rivais e o crescimento das invasões, que já se estenderiam à lateral da rua Professor Aristides Novis. A oficial cita que as construções de madeira já teriam sido substituídas por alvenaria com destinação comercial por parte dos imóveis, a exemplo de uma pizzaria.

Em abril de 2024, a mesma oficial de justiça, Tatiana Fogueira, conta ter estado no local e visualizado dois cavalos. Ela cita outra reunião presencial em que recebeu um mapa cartográfico que aponta que outros imóveis na área, ainda que estivessem visualmente no terreno da Ufba, não seriam abrangidos pela ordem de remoção, "pois haviam sido objeto de transferência legal de propriedade ocorrida anteriormente ao presente processo judicial".

Em 19 de maio deste ano, o juiz federal Rodrigo Britto Pereira Lima, auxiliar na 16ª Vara, concedeu a reintegração de posse da área do terreno e fixou, em 30 dias, a desocupação. A multa diária, em caso de descumprimento, seria de R$ 500.

Já em 23 de setembro, a oficial de justiça do caso detalha outra reunião com a participação de servidores da Ufba e a Polícia Federal. Neste encontro, foi definido que o mandado de reintegração de posse seria executado justamente entre os dias 13 e 17 de outubro - o que de fato ocorreu. Ela cita uma suposta recusa da Ufba em identificar os ocupantes do terreno e que os representantes da instituição de ensino teriam manifestado "apenas verbalmente" uma redução do perímetro a ser reintegrado.

Tradição

Os moradores ouvidos pela reportagem afirmam que nunca foram consultados ou ficaram sabendo deste processo antes de segunda-feira. A família de Thiago da Silva cresceu ali. Seu avô, Saturnino, foi quem fundou o bar, há cerca de 70 anos. A nora, mãe de Thiago, deu sequência e, atualmente, ele é um dos responsáveis por tocar o empreendimento. Mas os pais vivem até hoje nos fundos do bar.

“Meu pai conta que era tudo de madeira. Isso aqui passou de geração. Eles querem que a gente saia, mas não dizem para onde a gente deve ir. Se não tem para onde ir, a pessoa vai morar na rua? Aqui é nossa morada e nossa fonte de renda”, explica. Ele contabilizou 52 pessoas afetadas caso a decisão judicial seja cumprida.

O vendedor Luiz Fernando, atualmente, é um dos moradores mais antigos. Na época em que chegou, morava de aluguel com a mãe em uma área que foi tomada pela especulação imobiliária. Se mudou para São Lázaro aos 16 anos e, desde então, vive no mesmo lugar. Lá, criou os quatro filhos - a mais nova hoje com 27 anos

Ele conta que, na área, não tem pagamento de IPTU, mas todos têm contas de água e energia elétrica individualizada. “Na ocasião em que vim para cá, não existia Ufba, que hoje se diz dona da área. Quando a Ufba comprou o terreno, nós já estávamos. Da forma como eles falam, que foi em 2023, é uma inverdade. Não sei em que estão se baseando para poder dizer que nós somos membros de facção e que estamos invadindo a área de 2023 para cá”.

Proprietário do Bar do Vivaldo, Vivaldo Santos, 65, também recebeu a mesma intimação. “Chegamos sem saber de nada. Saíram todos armados e a gente sem saber de nada. É complicado, numa crise dessas. Tem que pedir a Deu para saber o que vai acontecer com a gente”, diz ele, que conta ser morador do local há 45 anos.

Outro morador antigo é Manoelito Santos, dono do Bar do Bubu. Assim como os vizinhos, ele mora nos fundos do empreendimento com a família. Herdou a barraca de uma tia que, há cerca de 70 anos, começou a vender artigos religiosos. Há 45, transformou o espaço no bar. “É uma injustiça, porque é de onde a gente tira o nosso sustento e é a nossa moradia. Foi muito assustador para a gente aqui, muita polícia. Nunca tinha passado por isso”.

Também morador do local, André Mota, 36, é proprietário da pizzaria citada no documento da Ufba. No entanto, ele diz que a família mora no local há 74 anos. “Nasci e me criei aqui. A gente foi coagido, porque vieram com as forças especiais. Não tivemos informações nenhuma anteriormente, só no dia do ato. Ouvíamos falar de um processo em 2007. Da mesma forma que ouvimos falar, ouvimos por alto que eles perderam em 2007”.

A Ufba instituiu uma Comissão Especial para planejamento e acompanhamento da reintegração de posse do terreno da Ufba em São Lázaro. Através da assessoria, a universidade informou que solicitou à Procuradoria Federal que peça a suspensão da execução judicial até a conclusão dos trabalhos desta comissão.

"A Ufba entende que o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito social à moradia, elencados na Constituição Federal, impõem a observância de proporcionalidade e responsabilidade social na execução da reintegração de posse, especialmente diante de situações de vulnerabilidade", dizem.

De acordo com a instituição, os trabalhos tiveram início com reunião realizada no gabinete da reitoria, com a presença de oficiais de justiça e representantes da administração central. No encontro, foram discutidas medidas preliminares para a execução da decisão, considerando a necessidade de conciliar o direito de propriedade e posse do terreno em questão com a proteção de populações vulneráveis.