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Moyses Suzart
Publicado em 3 de maio de 2025 às 05:00
O sonho de todo CLT é chegar o dia da aposentadoria para finalmente ter o descanso dos justos, fazer o que quer e na hora que bem entender, além de gastar décadas de contribuição no INSS se mimando com utensílios e hobbies impensáveis nos tempos de uma escala 6x1. Sabe de nada, inocente. O idoso aposentado brasileiro ainda aguarda o dia desta bendita paz, mas é golpe em cima de golpe no seu dinheirinho suado e cobiçado por gatunos ao seu redor. >
“Zero surpresa, meu filho”. Essa foi a reação quando dona Maria foi perguntada sobre o que ela achava do recente escândalo do INSS, em que associações descontaram mensalidades de aposentados e pensionistas sem autorização. Os descontos entre 2019 e 2024 somam R$ 6,3 bilhões - mas a Polícia Federal não cravou quanto foi desviado. “Estou tão acostumada que minha reação foi apenas olhar se eu fui uma das ‘felizardas’”, disse. >
Dona Maria pediu para não ser identificada. Nem foi por medo, diga-se de passagem. O caos da aposentadoria de Dona Maria a fez voltar a ser CLT, mas na entoca. Era filho pedindo dinheiro para pagar pensão, vizinho querendo uma grana emprestada, plano de saúde aumentando e golpes, muitos golpes. “Se eu falo meu nome no jornal, o povo do trabalho descobre que sou aposentada, estou frita. Piora a situação”, explica. >
Maria já rodou em todo golpe possível. Já teve empréstimo consignado que não pediu, descontos indevidos e até um valor que ela tinha para receber e só precisava atualizar o cadastro através de um link que ela recebeu pelo Whatsapp. “Só não cliquei porque o texto tinha erros gramaticais como ‘atualise’. Se não fosse isso, nem sei o que seria de mim. O aposentado não tem um dia de paz”. >
Maria também já teve descontos na sua aposentadoria que, os menos atentos, não conseguiriam reparar. “Foi algo que não era nem R$ 10. Só que eu confiro tudo e vi que era uma contribuição para uma associação que nem me lembro mais. Reclamei e não veio mais”, completa. >
As artimanhas >
A menina dos olhos para os golpes e cobranças indevidas se chama ‘informação confidencial’. É meio caminho andado para as fraudes acontecerem. Os dados dos aposentados são coletados de diferentes maneiras, como o vazamento vindo diretamente de funcionários do INSS, do banco ou dos próprios aposentados, quando clicam em links ou dão informações aos criminosos que tentam ludibriar a vítima (veja ao lado). >
Aplicativos maliciosos conseguem obter dados valiosos com vírus dentro do celular e computador que são capazes até de capturar as teclas que você digita no seu notebook infectado, por exemplo. >
Uma bancária, que pediu anonimato, também explica que a fraude pode ocorrer dentro do próprio INSS. Um servidor sugere instalar o aplicativo ‘Meu INSS’ no celular do aposentado. Aparentemente, faz tudo certo. O problema é o que ele faz sem o aposentado ver.>
“Algo bem comum é a alteração do banco de recebimento do benefício e contratação de empréstimo consignado. Já vi cadastrarem senha do app ‘Meu INSS’ para cliente que não tinha [o aplicativo] para fazer essa alteração. Abrem uma conta digital com documento falso e jogam o benefício para lá. Contratam empréstimo e o cliente só sabe quando o salário não cai na conta e vai consultar o banco”, explica. >
Tentamos contato com algum representante do INSS para falar sobre o tema, mas, por conta da recente fraude, ninguém fala. “Não estando concedendo entrevistas sobre nenhum tema no momento. O que temos de posicionamento oficial está no site do INSS”, disse a assessoria de comunicação da sede baiana. >
Em nota, a autarquia não informou como vai resolver o vazamento de dados dos idosos. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) até tenta proteger os dados dos brasileiros, proibindo fornecimentos de informações sem autorização. Mas a realidade é outra. Caso sofra algum golpe ou empréstimo não autorizado, pelo menos um dado seu foi vazado, como contato ou CPF. Neste caso, é bom procurar ajuda.>
“Primeiramente, recomendo que busque o suporte de um advogado. O que a pessoa pode fazer sozinha é lavrar um boletim de ocorrência na delegacia de estelionatos e outras fraudes, promover uma denúncia no site da Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais e nos canais da ouvidoria da empresa em que tenha ocorrido o incidente”, recomenda.>
Foi exatamente o que fez Dinalva Pereira. Um belo dia, pediu para a filha verificar se tinha entrado um pix na conta dela. “Está rica, mãe!”, disse a filha, Natália Verena, quando viu R$ 20 mil na conta da mãe. “Tomei um susto, pois sabia que só tinha mil reais na conta. Só então meus filhos descobriram que o Banco Pan tinha liberado o empréstimo sem minha autorização. Fui na polícia, eles disseram para eu devolver o dinheiro. Ainda tive que pagar a taxa de transferência”, lembra. >
Depois disso, Dinalva tomou algumas medidas recomendadas por especialistas: bloqueou a opção de empréstimo consignado e só entra no seu aplicativo com autenticação em duas etapas e reconhecimento facial. >
O perigo na linha>
A aposentada Márcia Passo também tomava cuidados, mas caiu duas vezes em golpes. No primeiro, recebeu uma ligação, segundo a vítima, de uma instituição bancária sobre um empréstimo de R$ 15 mil. Ela negou, a atendente pediu seus dados para cancelar o empréstimo. Na época, seu INSS estava bloqueado para qualquer consignado. Depois de dar sua documentação, ela reparou que o status desbloqueou e o empréstimo entrou na sua conta. >
“Fiz boletim de ocorrência, entrei na justiça e fui ressarcida pelos danos morais. Estes golpistas eram de São Paulo, usaram meus dados, mas endereço e telefone errados”, lembra. >
Depois, Márcia começou a reparar descontos no extrato, no valor de R$ 35,30. A quantia estava destinada para a Amar Brasil Clube de Benefícios, situado em São Paulo, que inclusive está entre os investigados na fraude bilionária do INSS. Novamente entrou na justiça, apresentou provas como endereço errado e assinatura digital que não era dela, mas o juiz indeferiu seu processo. >
“Teve audiência, a Associação não compareceu, mas o juiz indeferiu meu pedido de ressarcimento e indenização, mandou apelar. Não apelei, pois o valor para advogado seria mais alto do que foi pago, de março a novembro de 2024”. >
Violência patrimonial>
O inferno astral do idoso aposentado não está apenas na fraude externa. Muito além do INSS e dos criminosos, idosos também podem sofrer no próprio seio familiar, em casos de violência patrimonial. >
Defensora pública especializada na pessoa Idosa, Laise Carvalho explica que este tipo de violência, assim como os golpes externos, pode ter diversas modalidades e é o que mais chega na Defensoria: realização de empréstimo em nome da pessoa Idosa, mas em benefício do familiar com a promessa de pagar as prestações (mas não paga); aquele familiar responsável por administrar a renda da pessoa Idosa que detém uma parcela sem o conhecimento, entre outros. Isso sem contar violência psicológica e física na própria família.>
“Um caso que marcou foi de uma Idosa, classe média, com um único filho, que praticava violência patrimonial e havia suspeita de violência psicológica e física. [após denúncia] A idosa foi encontrada desidratada, desnutrida, com a higiene pessoal e do imóvel em estado precário. Estava sem comida e com dejetos de animais pela casa. Já o filho, que não trabalhava, ostentava nas redes sociais celular de última geração, restaurantes caros, festas, recorda Laise. >
Em casos como este, é preciso procurar a Defensoria Pública e a Polícia. “A Defensoria promove mediação, com estabelecimento de responsabilidades, envolvendo todos os familiares no cuidado e sustento da pessoa Idosa em situação de vulnerabilidade”, completa Laise. O telefone da DPE/BA é o 129. >
Se você ainda é CLT e sonha com a glória eterna no dia da sua aposentadoria, reveja seu conceito ou se prepare para a segunda etapa de sua vida: a luta para proteger seu dinheiro de criminosos e, em algumas situações, de sua própria família. >
Sabe o golpe bilionário, capa de jornais? O dinheiro que era para dar sossego para o aposentado serviu apenas para que os investigados da fraude do INSS bancassem carros de luxo, viagens internacionais, jóias e mansões, como relatou a Polícia Federal na investigação. A verdade é que o descanso do guerreiro virou turno extra no jogo da sobrevivência. É como dizia Raul Seixas: “Durante a vida inteira eu trabalhei pra me aposentar, paguei seguro de vida para morrer sem me aporrinhar”. Mas se depender do Brasil, o aporrinhamento é vitalício.>
É golpe! - Saiba os principais meios de enganar o aposentado e como se proteger>
Criminosos geralmente se utilizam de malwares, que são programas maliciosos para aplicar golpes. O mais comum é o Phishing que engana as vítimas com mensagens falsas que parecem ser de fontes legítimas, seja por email ou Whatsapp, por exemplo. >
1. Golpe do Benefício Bloqueado>
O que é: Criminosos se passam por atendentes do INSS, alegando que o benefício será cancelado por desatualização do cadastro. Solicitam dados pessoais e bancários.>
Como evitar: O INSS não solicita dados por telefone, e-mail ou mensagens. Atualizações devem ser feitas exclusivamente pelo site, aplicativo ou 135.>
2. Golpe da Prova de Vida Online>
O que é: Golpistas pedem envio de documentos e fotos por WhatsApp ou e-mail, alegando ser para atualização cadastral.>
Como evitar: Realize a prova de vida apenas pelos canais oficiais do INSS. Desconfie de solicitações por aplicativos de mensagens ou e-mails não verificados.>
3. Golpe dos Valores Atrasados>
O que é: Estelionatários informam que o aposentado tem valores atrasados a receber, mas exigem o pagamento de uma taxa para liberação do montante.>
Como evitar: O INSS nunca cobra taxas para liberar valores devidos. >
4. Golpe da Antecipação do 13º Salário>
O que é: Criminosos oferecem antecipação do 13º salário mediante pagamento de uma taxa ou fornecimento de dados pessoais, que são usados para fraudes.>
Como evitar: O INSS não antecipa o 13º mediante pagamento de taxas. >
Golpe do Empréstimo>
O que é: Depósitos de empréstimos consignados são feitos na conta do aposentado sem solicitação prévia, gerando dívidas .>
Como evitar: Verifique regularmente o extrato de benefícios no Meu INSS. Em caso de empréstimo não autorizado, contacte imediatamente a instituição financeira e o INSS.>