Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Maria Raquel Brito
Publicado em 11 de setembro de 2025 às 06:00
Márcia Short é uma veterana do axé. A cantora, que marcou história no auge do gênero musical tanto na Bamdamel como na Bândabah e deu voz a sucessos como “Faraó” e “Prefixo de Verão”, voltou aos palcos com a primeira no fim de 2023, ao lado de Robson Morais, bem a tempo de celebrar as bodas de esmeralda da axé music. E ela garante que os planos estão a todo vapor. “A gente está muito contente, vamos na próxima semana para a Europa participar de um festival em em Barcelona e estamos fazendo os programas nacionais, já discutindo o que a gente vai fazer nesse verão”, conta. >
Antes da viagem internacional, porém, a comemoração continua em solo soteropolitano, na 7ª edição da Mostra Sesc de Música, em que ela se apresenta neste fim de semana. O festival, que começou hoje, segue até este sábado (13) no Teatro Sesc Casa do Comércio. Este ano, a mostra celebra os 40 anos do axé através de uma união entre gerações, com shows de artistas como Thiago Li, Márcia Castro e Gerônimo, frutos da curadoria da multiartista Manuela Rodrigues. Os ingressos variam de R$10 a R$60 e podem ser adquiridos na plataforma Sympla ou na bilheteria do teatro, de terça a domingo, das 13h às 19h.>
Em entrevista ao CORREIO, Márcia Short falou sobre a importância desses encontros musicais e o repertório que preparou para o show. A cantora falou ainda sobre a volta à Bamdamel e como percebe as mudanças no axé em 40 anos. Confira abaixo:>
Como a senhora descreveria sua relação com a axé music?>
Eu tenho uma relação de gratidão, de amor a essa cena. Foi a cena que me apresentou ao Brasil, junto com a Bamdamel. E o samba reggae é um elemento presente na minha vida, na minha infância e na minha adolescência, então é uma relação mesmo de carinho e de gratidão. Eu vejo esse marco de 40 anos e a gente com um repertório tão atual… Isso é realmente muito gratificante.>
No ano em que a axé music completa 40 anos, a Mostra Sesc de Música traz diferentes gerações para celebrar esse gênero tão emblemático para o povo baiano. Como a senhora vê esse encontro musical?>
Eu acho fundamental para que a gente consiga dialogar com essa nova geração que já faz um axé que não é mais aquele que eu vi começar. Hoje existem outros elementos, existem células rítmicas novas, que estão todas inseridas no mesmo pacote, porque tudo vem da nossa cultura afro-brasileira e diaspórica, então é muito importante. E ser eu uma das convidadas, como uma das precursoras de um recorte do axé, de uma ala que compõe-se de mulheres negras? Eu estou muito honrada, muito feliz que o SESC, vendo o futuro, aponta para uma formação que tem mais a cara dessa cidade, onde a grande maioria das mulheres pode olhar, me e se ver também lá. Dizer: ‘poxa, eu também posso’. >
O seu show fecha o festival, com uma apresentação solo no sábado. O que o público pode esperar? Quais músicas não poderiam faltar no repertório?>
Eu dou sorte de vir de uma banda que tem três músicas entre as 20 que não saem das playlists, das festas no Brasil há 20 anos. Então, o que a gente aponta como lindo dessa cena é mais a minha colaboração com meu repertório da Bamdamel, das que vieram antes. Eu gosto desse movimento de preservar a memória, de trazer o que parece esse antigo, mas que aos ouvidos de muitos é uma imensa novidade. Então, a gente vai vasculhar esse repertório e trazer o que tem de mais bonito. Eu garanto que a gente vai cantar do começo ao fim juntos.>
Por falar nos hits da Bamdamel, como foi ver o sucesso estrondoso que músicas como Prefixo de Verão fizeram na época e fazem até hoje? Vocês esperavam isso?>
Pois é! Na época, a gente não esperava. Nós sabíamos que detínhamos grandes hits, tanto Prefixo quanto Baianidade [Nagô], Crença e Fé, Faraó e outras dentro desse repertório da Bamdamel. Mas é uma grata surpresa permanecer no coração e na memória das pessoas como algo tido como referencial e bonito dentro de uma cena que vem do povo, porque a Bamdamel era uma banda que caminhava junto do povo mais simples da cidade.>
E foi muito bonito ver como isso continuou no retorno de vocês, que o povo continuou abraçando muito a banda.>
Muito bonito mesmo. A gente lançou agora a segunda parte do audiovisual, que tem um repertório lindo e que foi pensado em cima daquelas reações que nós vimos nas ruas com o repertório que a gente trouxe. Principalmente no primeiro ano, que foi uma das coisas mais lindas que eu presenciei nesses 35 anos de carreira, todo ele com referências. Não que eu tenha 35 anos só fazendo axé, mas por mais que eu faça outra coisa, é lá o meu berço e o meu nome está sempre atrelado a isso. Mas foi muito gratificante ver que a gente permaneceu com qualidade, que as pessoas estavam ali para nos receber e que elas também estavam com saudade da gente. >
Em 2023, a senhora e Robson Morais retornaram à Bamdamel. O que significou recuperar o direito ao nome da banda e estar junto com Robson na celebração de 40 anos da axé music? >
É importante esclarecer que não se trata exatamente de uma retomada de direito, é uma decisão da Justiça do Trabalho, da 21ª Vara do Trabalho do Estado da Bahia, onde tramitou durante mais de 30 anos uma ação trabalhista que nós nos vimos obrigados a mover lá atrás, quando a gente saiu, porque tentamos acordos e não conseguimos. Durante esses 30 anos nós atravessamos todo o processo, todo tipo de recurso que podia ser usado foi usado. E ao final, a Justiça, não encontrando recurso na parte ré, no caso a empresa, para quitar o débito, tomou a marca deles e mandou para nós a opção de leiloarmos e dali tirarmos um valor, porque a marca da banda estava com o seu valor defasado, não ia valer a pena a gente vender. E não queríamos ver um patrimônio cultural, um capítulo importante da história da cultura e da música da Bahia, indo para sei lá onde ou quem. Então, a gente resolveu se unir e realocar a marca, e nos encontramos com saudade desse povo. E que bom que quando a gente se encontrou estava todo mundo com saudade também. >
Nossa volta foi como parte do ressarcimento de uma dívida trabalhista que a gente esperou muito e que, na verdade, a expectativa era o ressarcimento financeiro. A gente queria era receber a nossa indenização e cada um seguir sua vida. Eu fiz muita coisa nesses anos todos, Robson também. E estar de volta na cena, de posse dessa marca, é acima de qualquer coisa uma vontade grande de estar perto do povo, dessa energia que o Carnaval da Bahia tem. A gente juntou uma coisa com a outra e está dando tudo muito certo. Voltar em meio às comemorações de 40 anos do axé foi está sendo o grande barato. A gente está muito contente, vamos na próxima semana para a Europa participar de um festival em em Barcelona e estamos fazendo os programas nacionais, já discutindo o que a gente vai fazer nesse verão. E vem muita coisa boa por aí.>
A senhora viveu o auge da axé music em dois momentos, como Bamdamel e como Bândabah. O que percebeu que mudou no gênero de lá para cá?>
Eu acho que a coisa mesmo se diluiu um pouco. Embora tenha muita gente produzindo samba reggae, trabalho de qualidade, acho que o que vai para o consumo das pessoas, os artistas que ficaram como representantes de tudo, com algumas raras exceções, migraram para outros estilos. E tem as misturas, os elementos novos que foram surgindo e, quando passa do limite Bahia, vira tudo axé. Então, tem muita diferença do axé que a gente fazia, que era à base dos galopes e dos samba reggaes. Hoje tem muitos elementos, de samba do Rio, de samba do Recôncavo, com o eletrônico, com o groove arrastado… E aqui a gente separa, a gente sabe o que é o quê, mas quando atravessa o limite do estado, é tudo chamado de axé.>
A gente falou demoradamente sobre isso agora gravando o Caldeirão do do Hulk, em que eles também homenageiam os 40 anos de axé. Todo o programa foi com o repertório de 30, 40 anos atrás. Isso prova que não teve novidade que permanecesse. Acho que foi ficando mais entretenimento do que qualquer outra coisa e isso vai tornando as coisas mais descartáveis. Sem tanta preocupação com o que a letra vai dizer, com o efeito que ela vai causar. Porque essa música da Bahia vem dos reclames dos festivais dos blocos afro, eram as músicas que se destacavam lá nas quadras e que foram harmonizadas pelas bandas. A Bamdamel foi uma das precursoras nisso, pegou Faraó e harmonizou e já tocava. A partir daí, não se parou mais de fazer isso, enquanto foram protagonistas os blocos afro, era de lá que saíam as músicas. Muita coisa daquela época surgiu nas quadras, no movimento do povo.>
Acredita que o axé atualmente está “pasteurizado”, industrializado? E embranquecido também? >
Embranquecido, infelizmente, não é só o axé. Parece que brasileiro só vê belezas com uma pessoa branca fazendo. Estamos avançando, graças aos deuses, a Deus, aos orixás, à nossa luta ancestral por igualdade. Hoje temos alguns destaques, a gente pode falar mais sobre as questões e está tudo mais exposto, mas foi diluindo mesmo. E o movimento se inverteu, né? O que antigamente vinha das quadras passou a ser feito de uma outra forma. Antes, no processo da massificação através das rádios, só tocava quem tinha tinha dinheiro. Hoje a internet muda isso, é um outro momento. Mas a gente viu a coisa indo e a gente ficando. Principalmente quando você se aparta do sistema, como fizemos eu e Robson. Nós saímos da Bamdamel no auge. E a música daquela época da banda é o que toca até hoje. Depois da nossa formação não teve mais nada que tivesse o mesmo tamanho.>
A senhora sente que esse resgate da axé music este ano pelas quatro décadas de história foi apenas comemorativo, especialmente a nível nacional? >
É isso é o que a gente tem que observar. Depois que a gente passa a empreender, depois que eu deixei de ser funcionária do axé e passei a ser gestora da minha carreira, eu tive contato com outros movimentos para além do que a gente considera necessário para ter o tão desejado sucesso. O mercado mudou absurdamente, surgiram outros segmentos que se organizaram, se realimentam o tempo todo, se renovam o tempo todo. Existe hoje uma indústria, como o sertanejo, por exemplo, que deixa muito claro a maneira como eles se organizaram e como eles se realimentam: um lança o outro, um participa do negócio do outro, é tudo quase que uma coisa só. Tem horas que você não sabe quem é quem, porque são tantos. E existe uma máquina toda que impulsiona.>
Então, eu acho que é uma oportunidade da Bahia articular, porque entre o sucesso e a vida real tem um personagem no mundo moderno que quem não tem vai ter que aguardar um pouquinho o tão querido sucesso: o articulador. Eu acho que é a hora da Bahia se articular e partir para cima. Não é a melhor música do Brasil que vai resolver essa questão, porque nós temos. Só nós da Bamdamel temos três, quatro no repertório nacional que não saem das playlists. Então eles vão lá, tocam nossas músicas e a gente não vai. Isso é uma questão mesmo de bastidores, de articulação de palco, que aí não sei nem se as pessoas vão ficar à vontade de ter essa conversa na minha frente porque eu sou uma artista, ainda sou preta e sou mulher, então aí é que está fora mesmo do meu alcance e da minha vontade. Mas eu torço para que a gente consiga, sim, retomar o mercado de forma inteligente, pensada, planejada e articulada. Não para entrar de qualquer jeito, com o cacete amado. Para retomar a agenda nacional, né? Retomar os eventos, porque muitos não existem mais.>
O quê: 7ª edição da Mostra Sesc de Música - Ecos da Axé Music>
Quando: 11, 12 e 13 de setembro de 2025>
Onde: Teatro Sesc Casa do Comércio >
11/09 - 19h >
- Mirceia Jordana>
- Jalmy>
- Marcia Castro >
12/09 - 19h>
- Thiago Li>
- Jann Souza>
- Gerônimo >
13/09 - 20h>
- Marcia Short>