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“Salvador é meu patuá”: Marcelo D2 explica por que o Planet Hemp escolheu a cidade para abrir turnê de despedida

Banda volta ao lugar onde sofreu censura e perseguição policial nos anos 1990, mas desta vez para celebrar legado e resistência cultural

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 13 de setembro de 2025 às 05:00

Marcelo D2 no seu primeiro show em solo baiano, em 1996
Marcelo D2 no seu primeiro show em Salvador, em 1996 Crédito: Márcio Costa / Arquivo Correio

Escolher Salvador para ser a primeira tragada desta última ponta é como arriar um padê com farofa, dendê, melaço, cachaça e outras ‘cositas’ mais. Como na cerimônia para Exu, o show do Planet Hemp na capital baiana, que acontece sábado (13), na Concha Acústica, às 19h, tem como missão principal abrir os caminhos para a turnê de despedida da banda e tirar qualquer imprevisto da frente com a força soteropolitana para que ocorra tudo bem até o fim da maratona, em dezembro, no Rio. É o próprio Marcelo D2 que garante isso e podemos confirmar: há fundamento.

D2 tem muito carinho pela cidade, mas já teve muito perrengue também. Foi aqui que ele foi perseguido pela polícia e teve seu primeiro show cancelado. “Tinha que começar por Salvador. Basicamente, eu tô tomando isso como um lema de vida. Salvador tem sido meu patuá, então vamos tocar antes os tambores de Salvador para começar bem e abrir os caminhos… Laroyê!”, diz Marcelo D2, em saudação a Exu.

A primeira afirmação de D2 já poderia ser suficiente para entender o motivo de escolher Salvador como a primeira cidade na turnê de despedida, intitulada A Última Ponta. Se não tiver uma recaída, será o último show da banda em solo baiano, inclusive. Contudo, a capital tem uma história peculiar com o grupo carioca. Há quase 30 anos, em 1996, o Planet Hemp teve seu primeiro show cancelado pela polícia, sob alegação de “apologia às drogas”.

“Salvador é uma cidade muito importante para o Planet Hemp, para a cultura brasileira, é um símbolo de resistência cultural. Para o Planet, isso é muito válido, pois tivemos muitas histórias em Salvador, pro bem e pro mal, né? De perseguições, mas também de grandes shows”, lembra Marcelo D2.

Não faço apologia às drogas e nem quero fazer. Faça o que você quer e o que te dá prazer

Planet Hemp

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Por incrível que pareça, o início da relação foi quase perfeito, se não fosse a falta de cerveja, que terminou antes do show acabar, como retratou o CORREIO na época. Mas, outras coisas tinham, vale reforçar. Este primeiro encontro foi na véspera da Lavagem do Bonfim e reuniu cerca de 1.500 pessoas. “Última banda a se apresentar, o Planet Hemp entrou contra o cansaço e o gargalo seco com a falta de cerveja. O show foi, sem dúvida, uma grande catarse coletiva (...) O Planet Hemp é isso aí. Tão verdadeiro que dá até para sentir o cheiro da maconha”, relatou a edição do dia 12 de janeiro de 1996.

O problema é que a polícia também sentiu o cheiro no ar. Com o primeiro disco (sim, era assim que chamava), Usuário, reunindo sucessos e polêmica no país pré-internet, não demorou muito para o Planet retornar à Salvador para duas apresentações em julho daquele ano. Contudo, desta vez, foi um verdadeiro caos. No primeiro dia, até teve o show, mas com um festival de intervenções da polícia, fora e dentro da antiga Estação Shock, em Jaguaribe. Na época, a polícia prendeu cerca de 60 jovens que faziam “apologia às drogas”. O curioso é que a maioria foi detida enquanto a banda tocava, dentro do festival.

A questão foi que o Planet chegou sem filtro e chutando a porta de uma repressão sem limites na cidade. Uma banda que falava abertamente sobre a legalização da maconha, com palavras fortes e que despertavam euforia entre os jovens pós-ditadura estava desafiando as autoridades. E um nome foi crucial para que dois shows seguintes do Planet Hemp fossem cancelados: o delegado e titular da Delegacia de Tóxicos, Itamir Casal.

Neste mesmo ano, em 1996, o delegado já havia pego no pé de Sine Calmon e sua banda, Morrão Fumegante. Ele chegou a prender jovens que curtiam um show da banda do Recôncavo, no Pelourinho, pelo simples fato deles estarem vestindo camisa estampada com a folha da maconha. Sobrou também para o cantor Sine Calmon.

A primeira tragada da última ponta será em Salvador. Depois, só vai restar lembranças e legad
A primeira tragada da última ponta será em Salvador. Depois, só vai restar lembranças e legad Crédito: Divulgação

“A partir dos relatos dos policiais, o delegado instaurou inquérito. Ao oferecer a denúncia, o Ministério Público afirmou que ‘o comportamento adotado pelo denunciado e sua banda incita e propaga o uso da maconha, atingindo a saúde pública, levando os jovens ao ostracismo e à vadiagem’”, relatou o historiador Rogério dos Santos França, na sua tese de doutorado “Entre viciados e criminosos: discurso antidrogas, controle social e biopolítica em Salvador (1970-1990)”. Sine Calmon chegou a ser condenado a três anos de prisão, mas nunca cumpriu a pena, que foi anulada anos depois.

O delegado Itamir Casal se tornou o inimigo número 1 do Planet Hemp em Salvador. Ou melhor, inimigo de qualquer discurso sobre a legalização da maconha. Ela já pegava no pé de outros músicos que cantavam reggae na Bahia e prendia até ambulantes que vendiam camisas de Bob Marley.

Para se ter uma ideia, em 1996, enquanto comandava a delegacia de Tóxicos, Casal prendeu 1.630 pessoas por uso de maconha. Presos por tráfico, propriamente dito, foram 214. Na época, a lei 6.368, original de 1976, ainda colocava usuários e traficantes no mesmo balaio. No álbum A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000), o Planet Hemp tem uma música que critica a norma, 12 Com Dezoito, que faz referência aos artigos 12 e 18 da lei. “A primeira emenda da sua constituição, eu uso pra fazer a minha revolução”, diz a letra. A lei só foi revogada em 2006.

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Planet Hemp

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Baculejos

Voltemos à relação do Planet com Salvador. O segundo show que a banda carioca faria aqui foi barrado justamente pelo delegado, que mobilizou a justiça. Nove dias depois da apresentação cheia de baculejos na Estação Shock, Casal conseguiu uma liminar e impediu o conjunto de tocar.

A polícia do Espírito Santo já tinha tentado, mas rolou o show rolou por lá graças a uma liminar. Salvador acabou sendo a primeira cidade a ter um show do Planet cancelado, a poucas horas do encontro com o público acontecer.

No ano seguinte, outra frustração para os fãs. Em 1997, na turnê do álbum Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para, lá estava o delegado Casal fazendo a caravana parar.

Desta vez, Itamir foi até os pontos de venda de ingressos nos shoppings da cidade recolher os tickets para impedir que alguém os comprasse. Na época, o delegado ainda deu seu ponto de vista sobre a banda: "Eles deveriam ampliar os temas das músicas, falar de outras coisas. Iam até vender mais. Que nem Roberto Carlos, que tem música para as gordinhas, os caminhoneiros... Agrada a todo mundo", disse, na época, ao CORREIO. Não teve show e o pirão engrossou. Meses depois, integrantes da banda foram presos em Brasília, sob alegação de apologia às drogas.

O grande lance é que a banda até fala sobre maconha, e não é pouco. Contudo, vai muito além. O Planet Hemp surgiu em um Brasil ainda marcado pelas cicatrizes da ditadura militar e pelas contradições de uma democracia em construção. Sem filtro, eles decidiram jogar tudo no ventilador. Para os jovens da época, um convite à rebeldia, pois a banda abriu discussão que tocava diretamente a juventude urbana dos anos 1990 (e ainda hoje): a violência policial nas periferias, a pobreza crescente, as leis defasadas, acesso à cultura e o que era, de fato, liberdade de expressão.

Rock ou pagodão anos 90? É o Planet em Salvador
Rock ou pagodão anos 90? É o Planet em Salvador Crédito: Arquivo Correio

“Acho que temos mais voz das minorias em comparação a 30 anos atrás. Era um absurdo uma banda como o Planet Hemp na época. Começamos seis ou sete anos após o fim da ditadura militar. Só descobriram [as autoridades] que Planet Hemp era ‘Planeta Maconha’ depois de alguns anos. Só fomos presos quatro anos depois. São meio lerdos mesmo”, lembra Marcelo.

Para Lany Cruz, que já está com seu ingresso garantido para o show de sábado e acompanhou a banda durante toda sua história em Salvador, o termo Planet é muito mais amplo que o Hemp. “Estava presente nos shows que não rolaram e nessa época, apesar de ser a favor da causa, nem fumava. Mesmo assim, eles me moldaram. Além da legalização da Cannabis, que ainda é discutida de maneira primitiva e preconceituosa, eles trazem uma série de temas fundamentais para a construção da consciência social do indivíduo: o antiproibicionismo, a violência policial, o respeito às periferias, as desigualdades sociais e seus sistemas de classe, a censura e a liberdade de expressão”, pondera.

Eduardo Lima ainda era novo na década de 90 e não chegou a se frustrar nos shows cancelados. Porém, não significa que não sofreu influência das letras realistas do Planet. Ele também garante que as bandas de rock da época, principalmente as baianas, passaram a se arriscar após o sucesso do Planet.

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Planet Hemp

Stab

“Para minha geração foi fundamental a existência de um grupo como Planet Hemp. Imagine você um jovem de 13/14 anos tendo acesso a todo um debate sobre liberdade de expressão e descriminalização das drogas. Acho que também foi de grande influência para bandas locais, demonstrar que era possível por o dedo na ferida e se arriscar. Aqui em Salvador tínhamos bandas como o Bosta Rala, que falava abertamente sobre a repressão policial, mas acho que com o Planet Hemp outras bandas passaram a utilizar a música como instrumento de contestação”, garante Eduardo, pronto para o show deste sábado. Para ele, a tropa de BNegão e D2 envelheceu bem, ao contrário da sociedade.

“Infelizmente não mudou muita coisa. As letras continuam bem atuais, a repressão policial e o genocídio ao povo preto promovido pelo Estado também”, completa.

Fábio Preto, fã da banda, também lembra que Planet foi um meio alternativo para informação, pois nos anos 90 não existia a facilidade da internet. Meios de comunicação, só jornal, rádio ou TV. A arte acabou sendo uma forma diferente de ver as coisas.

Policiais no meio do show do Planet, em 1996. Cerca de 60 pessoas foram detidas
Policiais no meio do show do Planet, em 1996. Cerca de 60 pessoas foram detidas Crédito: Arquivo Correio

“Hoje, o acesso à informação está muito melhor. Antes, éramos reféns da mídia televisiva e da cultura dos pais, desinformados, nos proibindo até de ouvir as músicas do Planet Hemp. Apesar de toda tecnologia atual e do fácil acesso a informações sobre o assunto, muita gente ainda é ignorante, sobre as mensagens e a luta desse movimento que a banda carrega, e que não fala só de maconha, tem um contexto expondo as diferenças, desigualdades sociais, entre outros assuntos que cercam a sociedade”, prega Fábio.

Este repórter que vos escreve também precisa confessar. Em 1997, no auge dos meus 16 anos, também fui vítima do sistema. Comprei meu ingresso na clandestinidade, pois ainda não tinha idade. Como todo adolescente rebelde, iria escondido mesmo. E acabou não rolando. Perdi 10 conto, que era muito dinheiro na época, pois não iria pedir dinheiro de volta e correr o risco de cair nas mãos do delegado Itamir Casal. Logo mais será diferente. Com alguns (muitos) quilos a mais, vou com velhos amigos, igualmente barrigudos, relembrar a época da adolescência, mas sem riscos de baculejos.

E para quem acha que existe possibilidade de uma recaída, é bom correr atrás de seu ingresso, pois D2 deu a voz: “É a última turnê mesmo. Depois, o Planet Hemp vai acabar. Foi muito forte essa decisão pra gente, mas muito sincera. Fica o legado de resistência, né? Esse tipo de arte, arte de resistência, arte de combate, arte enquanto arma contra tirania, contra maus tratos, violência policial, racismo. São movimentos como esse que o Planet fez que mudam a sociedade. Pô, cara, essas suas perguntas só estão me deixando mais ansioso para o show. Vamos abrir logo essa turnê!”. Laroyê, Planet!

SERVIÇO - Planet Hemp – A Última Ponta | sábado (13), às 19h, na Concha Acústica do TCA | Ingressos: de R$ 140 e R$ 205, à venda no Sympla

Planet em Salvador - o início

Janeiro de 1996

Em plena véspera da Lavagem do Bonfim, o Planet Hemp pisa pela primeira vez na Bahia, no Kildare Summer Rock, na antiga Zaragata, no Jardim dos Namorados. O show corre sem transtornos.

Correio cobrindo o primeiro show do Planet em Salvador
Correio cobrindo o primeiro show do Planet em Salvador Crédito: Arquivo Correio

Julho de 1996

A banda chama atenção da polícia, que vai até o show, dando diversos baculejos na entrada, com viaturas e soldados, reprimindo quem iria ver o show. A polícia chegou a entrar na festa e fez o mesmo, enquanto a banda tocava. Pessoas foram presas.

Julho de 1996

No segundo show no ano que a banda faria, a justiça proibiu, por meio de liminar, a pedido da Polícia Civil.

Julho de 1997

A banda volta para apresentar o novo álbum, Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para. A polícia e a justiça proibiram novamente. Os ingressos chegaram a ser comercializados, mas foram recolhidos dos pontos de venda após decisão, ficando um impasse sobre se teria ou não o show. Não teve. Meses depois, eles foram presos em Brasília.

Correio em 1997
Correio em 1997 Crédito: Arquivo Correio

Julho de 2000

Após um hiato, o Planet Hemp retorna à Salvador, já como uma banda consolidada e sem o perigo do show não acontecer. Foi o primeiro deles na Concha Acústica.

Agosto de 2001

Em turnê de apresentação do álbum Ao Vivo MTV, o Planet Hemp retorna, no antigo Manatee, para um show visceral e como status de umas das principais bandas de rock do país.

Fevereiro de 2003

Com o lema ‘Eu, você, todo mundo lá’, o Festival de Verão recebe o Planet Hemp no palco principal, consolidando a história da banda com a capital baiana. O que vem depois é história.