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Thais Borges
Publicado em 13 de setembro de 2025 às 05:00
Nascido em uma família protestante, o empresário Guilherme Fassanario, 22 anos, sempre teve a religião como parte importante da vida. Adventista, frequentava os cultos e era engajado em grupos de jovens. Até que, em 2023, se converteu à religião católica. Naquele mesmo ano, a arquiteta Letícia Peruzzo, 25, teve a maior ‘virada de chave’: católica por batismo, passou a realmente viver a religião. >
Vindos de contextos distintos, Guilherme e Letícia fazem parte de um mesmo movimento: a nova geração de jovens católicos. Em meio ao crescimento dos evangélicos, pessoas com idades entre 15 e 29 anos se tornaram uma das forças da religião católica no país. >
Essa expansão é recente e ainda não foi captada pelo Censo de 2022. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2,5 milhões de jovens eram católicos na Bahia, em 2010 - o que equivale a 64%. No último Censo, eram 1,6 milhões - 52,1%. "Existia a hipótese de que os evangélicos conseguiriam ultrapassar a religião católica e passariam a ser a principal religião do Brasil. Isso não aconteceu. O que se percebeu agora foi uma perda de ritmo da taxa de crescimento", analisa o superintendente do IBGE na Bahia, André Urpia. >
Nas igrejas, porém, esse movimento já é perceptível, segundo o padre Deivission Batista, assistente eclesiástico do Setor de Juventude da Arquidiocese de Salvador. "O jovem atual tem buscado muito a espiritualidade. Hoje, com as redes sociais, essa gama de informações têm atraído para a religião católica. A gente tem percebido o aumento não só no digital, mas reverberando nas paróquias".>
Neste contexto, a canonização do italiano Carlo Acutis, no último domingo (7), deve ter um impacto ainda maior para os jovens. Agora chamado de São Carlo Acutis, ele ficou conhecido no noticiário como o "primeiro santo da geração millennial". Carlo morreu aos 15 anos e usava a internet para divulgar milagres da Virgem Maria.>
Diferenças>
Boa parte dos novos jovens católicos, contudo, tem experiências com a fé diferentes das gerações anteriores. "A nova geração tende a se inclinar para correntes religiosas mais conservadoras. As Ciências Sociais explicam esse fenômeno como uma busca por segurança diante das incertezas da sociedade secularizada", analisa o psicólogo Júlio César de Paula Ribeiro, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) com pesquisa sobre o tradicionalismo católico. >
Esse mesmo movimento acontece em outras religiões, como o islamismo e o protestantismo evangélico, com os neopentencostais. Igrejas históricas do protestantismo, como as luteranas, não têm passado por essa expansão. "Enquanto o mundo moderno valoriza a liberdade - que implica também a responsabilidade de escolher bem e lidar com os riscos dessas escolhas -, as religiões conservadoras oferecem um caminho claramente definido, com normas, regras e diretrizes". >
Para o padre Deivisson Batista, tem havido uma divisão grande na igreja: parte dos jovens ainda é das renovações carismáticas, enquanto muitos têm preferido a tradição - das roupas à postura nas celebrações. "O problema não é a escolha de um lado ou outro, mas a harmonia entre ambos, que tem que existir, porque é uma igreja só. Tem uma minoria que não entende e gera contradições". >
Mudança>
Em alguns casos, o processo de conversão pode ser uma vivência conjunta. Essa foi a experiência da estudante de Odontologia Louise Dias, 21, e do empresário Vinicius Borges, 25. Ela era nascida em uma família católica, enquanto ele foi batizado aos 12 anos na religião. No entanto, até o início do ano passado, o casal não era muito presente na igreja. "Fui instruída com o básico, mas nunca tinha aprofundado como viver a fé. Na adolescência, depois da crisma, perdi um pouco o interesse", lembra Louise. >
Quando os dois começaram a namorar, há três anos, voltaram a ir à missa aos domingos. No ano passado, ela começou a receber conteúdos católicos no TikTok - até aquele momento, sequer sabia que existia esse nicho. "Nós dois percebemos a necessidade de estar junto de Deus. A gente tinha encontrado um relacionamento que ia dar certo e sentiu essa sede de buscar mais Deus", diz Louise. >
Até ali, a vida do casal era diferente. Como a maioria dos jovens dessa idade, frequentavam festas e consumiam bebida alcoólica. No vocabulário cristão, significa dizer que estavam vivendo "no mundo". Com a maior aproximação maior com a fé, perceberam que queriam mudar também a rotina. "Comecei a pesquisar sobre a fé, entender o que era o corpo de Cristo", lembra Vinicius. "A gente começou a seguir tudo: a castidade, a modéstia nas roupas, o toque físico um no outro, sempre estudando. Como as amizades que a gente tinha eram do mundo, percebemos que precisávamos de amigos que pensassem da mesma forma. Foi por isso que a gente entrou no Caminhada", conta, ele, citando o encontro de jovens na paróquia Senhor dos Passos, em Feira de Santana. >
Desde o ano passado, Vinicius tem visto o interesse dos jovens crescer na prática. A última edição do evento, que contou com 700 participantes, esgotou fichas às 6h da manhã, mesmo que as inscrições começassem às 9h. Em julho, o casal foi parte de uma caravana de jovens ao Santuário de Aparecida (SP) e ao acompanhamento conhecido como PHN (Por Hoje Não vou mais pecar), da Canção Nova. >
"Acredito que muitos jovens estão buscando (a fé católica) porque muitos estão vivendo de falta de amor, falta da família", avalia Vinicius. A reação dos amigos e da família é diversa. "Tem momentos que comentam que acham corajoso viver a fé dessa forma. Às vezes chamam de beato, mas eu não ligo. Até brinco com meu pai que ele segue a fé do jeito dele e eu do meu. Mas falo para ele que isso é o mínimo", completa. >
A arquiteta Letícia Peruzzo cresceu como católica, mas considera que se afastou na adolescência. Aos 19 anos, participou de um retiro e foi o primeiro momento em que redescobriu o catolicismo. "Foi a primeira virada de chave". Nos anos seguintes, as redes sociais fizeram diferença. "Esse conteúdo foi chegando para mim e fui me interessando. No meio do caminho, entrou um personagem que pesou muito: Frei Gilson. Muitos jovens têm vivido um novo ser católico com Frei Gilson", conta ela, referindo-se a ao líder religioso católico com maior presença online hoje (veja mais ao lado). Em 2023, ela considera que teve a ‘segunda virada de chave’ e se tornou realmente praticante. "Desde então, tenho vivido esse ser católico, abrindo mão de muita coisa não por ninguém, mas por Jesus">
O cotidiano dela também mudou. Se, antes, Letícia não tinha uma rotina de oração diária, hoje isso é um dos pilares do seu dia. "Eu era aquela católica que ia na missa aos domingos e achava que era suficiente. Vivia pecados como embriaguez, luxúria, a forma de vestir. Tudo mudou. Tento viver a modéstia, não bebo mais. Não sou proibida, já que o pecado é a embriaguez, mas não acho que acrescenta". >
Ex-protestantes>
Se, nas últimas décadas, virou comum ouvir que algum católico se converteu à religião evangélica, o contrário também tem acontecido agora. Uma das maiores influenciadoras digitais do segmento fitness, Manuela Cit, foi uma das que se tornou católica nos últimos meses. Aos 21 anos, ela foi criada como evangélica. "Cheguei nessa conclusão de maneira racional, estudando", declarou, no começo do ano. >
Com uma namorada católica, o empresário Guilherme Fassanario, 22, começou a ficar curioso pela religião. "Era uma curiosidade não no sentido de simpatia, mas de querer entender por que era errada, já que sempre me foi ensinado que era errado". >
Foi assim que percebeu que tudo que conhecia era de escritos que vinham do século 15 para cá. "Fui buscar na fonte dos primeiros cristãos e assim conheci a patrística, que são os escritos dos padres dos primeiros séculos, que sucederam os apóstolos. Minha conversão foi lendo um dos escritos de Inácio de Antioquia", diz, citando o santo que hoje é considerado um dos pais da Igreja Católica. >
Ele começou a frequentar as missas e, em setembro de 2023, foi batizado na igreja católica. Tinha sido batizado na religião adventista aos 11 anos, mas o procedimento não foi considerado válido. "O batismo não é só uma cerimônia, mas comunica uma graça". Agora, Guilherme está prestes a completar o segundo ano de crisma. "Foi aquele choque da mudança (com a família), mas, com o tempo, eles entenderam que eu tinha autonomia". >
Ouvir que católicos não eram 'crentes de verdade' ou que 'adoravam imagens' não era algo incomum para a adolescente Ana Luysa Félix, 17. Oriunda de uma família protestante, cresceu na igreja, mas tinha se afastado nos últimos anos. "Cresci com esse preconceito. Mas, com o tempo, fui me afastando da igreja porque via pastor fazendo coisa errada, pedindo voto. Até que conheci uma menina da minha sala que me chamou para ir na missa comigo", lembra, referindo-se ao ano passado.>
Dali em diante, ela continuou frequentando as missas. Em abril deste ano, se inscreveu para o Despertar, um encontro dos adolescentes na igreja. "A gente passou dois dias no retiro. Depois dali, me converti". >
Apesar disso, a tendência ainda não se reflete no aumento daqueles que buscam seguir a vida como sacerdotes ou freiras. "É uma crise vocacional", diz o padre Deivisson Batista. "O ideal seria cada paróquia ter, no mínimo, dois padres - o padre e o vigário. Aqui, em Salvador, muitas não tem vigário, só têm o padre, muitas vezes já idoso. Um só sacerdote fica sobrecarregado".>
A atuação de influenciadores digitais católicos não fica restrita a pessoas que mostram sua vivência na religião. A presença de líderes como padres, freis e bispos em plataformas online é incentivada por entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e até pelo próprio Vaticano. >
Enquanto a primeira organizou, em julho, o 2º Encontro Nacional de Missionários Digitais, em São Paulo, o Vaticano promoveu o Jubileu dos Missionários Digitais e Influencers Católicos também no mesmo mês. Por aqui, os líderes católicos digitais parecem ser os substitutos de padres cantores, dominantes até os anos 2010, como Marcelo Rossi e Fábio de Melo. >
Um dos mais lembrados desses novos expoentes é Frei Gilson, que acumula mais de 8,3 milhões de seguidores no YouTube. Ele chamou atenção nos últimos meses por declarações polêmicas, como a crítica ao empoderamento das mulheres, e por ser associado ao bolsonarismo. Mas há todo tipo de sacerdote no mundo digital, inclusive os que costumam unir pregações ao humor, como o padre Patrick Fernandes, que tem 6,8 milhões de seguidores no Instagram e responde perguntas de forma descontraída. >
"Hoje, quem domina as redes sociais e sabe se comunicar por meio delas tem uma poderosa ferramenta em mãos - tanto para influenciar quanto para atrair novas pessoas", diz o psicólogo Júlio César de Paula Ribeiro, que estudou o tradicionalismo católico no mestrado na Uerj. "No campo religioso, não é diferente. A Igreja sempre buscou levar sua mensagem pelos meios de comunicação. Os padres foram pioneiros no uso do rádio. Nos Estados Unidos, por exemplo, Fulton Sheen chegou a dominar a televisão. Hoje, esse fenômeno se transfere para a internet", reflete.>
Ainda assim, a maior parte dos missionários digitais são fiéis leigos, como lembra o pesquisador. "Entre eles, destacam-se os jovens tradicionalistas. Estes fiéis encontram resistência e obstáculo para pregar dentro das paróquias, já que o tradicionalismo é, em grande parte, rejeitado pelo clero e coibido pela hierarquia católica. Na internet, porém, esses grupos descobriram um espaço fértil e para difundir suas ideias", diz. >
Católicos moderados estariam "engatinhando" nas plataformas e ainda estão presos às pregações nas igrejas. "O resultado é que muitos jovens, ao se aproximarem da comunidade paroquial depois de já terem consumido conteúdos tradicionalistas online, vivenciam um choque de pensamento".>