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'Todos os projetos que faço têm protagonismo preto. Isso é política', diz Elísio Lopes Jr.

Roteirista baiano fala ao CORREIO sobre Reencarne, nova série do Globoplay,  musical Torto Arado e a urgência de romper o eixo de poder no audiovisual brasileiro

  • Foto do(a) author(a) Moyses Suzart
  • Moyses Suzart

Publicado em 9 de novembro de 2025 às 08:00

Elísio Lopes Jr.
Elísio Lopes Jr. Crédito: Divulgação

O baiano Elísio Lopes Jr. é um dos nomes mais inquietos e plurais do audiovisual brasileiro contemporâneo. Roteirista, dramaturgo e diretor, o soteropolitano tem consolidado uma carreira marcada pela multiplicidade de linguagens e pelo compromisso em ampliar a representatividade preta nas artes em qualquer gênero. E pensar fora da caixinha, claro. Da força ancestral que move Torto Arado, o musical, ao suspense psicológico de Reencarne, nova série de terror do Globoplay, sua obra é atravessada por temas como espiritualidade, identidade e memória coletiva. Mas também de muito combate.

Na entrevista ao CORREIO, Elísio fala sobre a escolha política de criar protagonismos pretos e LGBTs sem reduzir essas presenças à pauta da dor ou da denúncia. Aborda o desafio de fazer arte em um país onde a realidade, como a violência cotidiana e o racismo estrutural, muitas vezes, é mais assustadora que qualquer ficção. E defende que o audiovisual brasileiro precisa romper com o eixo de poder concentrado no Sudeste, valorizando as narrativas, os sotaques e os corpos que formam o Brasil real.

Entre um projeto e outro, ele assina também a próxima novela das seis da Globo, A Nobreza do Amor. Elísio segue movido por um propósito claro: usar a arte como uma reparação simbólica. E com o sabor do dendê da Bahia. Confira!

O terror e o sobrenatural ainda são territórios pouco explorados no audiovisual brasileiro. O que significou para você mergulhar nesse gênero em Reencarne?

O Brasil tem tradição de gênero, sim. Em 64, estreava À Meia-Noite Levarei Sua Alma, primeiro longa-metragem genuinamente de terror, dirigido por José Mojica Marins, o eternizado Zé do Caixão. Atualmente, novos cineastas se arriscam também nessa linguagem como Morto Não Fala, As Boas Maneiras e Quando Eu Era Vivo. Se a história é boa, tem público. Se é contada com verdade, com certeza, toda produção artística encontra seu público. A realidade já é tão assustadora, que é difícil dar susto em quem vive no susto como o povo brasileiro. Por isso, Reencarne mistura estilos, vamos pelo psicológico, e pela curiosidade universal sobre a vida além da vida. Acho que Reencarne é uma vitória da narrativa preta brasileira.

Você é um dos poucos autores negros a ocupar um espaço de destaque na teledramaturgia e nas artes cênicas nacionais. Como enxerga o impacto simbólico e político de ver um baiano negro assinando tantas obras?

Quem sabe de onde veio, tem sempre pra onde voltar. Ser baiano é minha base criativa. Uso da minha cultura, da minha poética de preto nordestino como ponto de vista para construção de todas as minhas narrativas. É o meu lugar, é de onde acho graça, de onde vem a minha indignação. É falsa a sensação de que a tecnologia e as redes encurtaram as distâncias. Audiovisual é algo caro, precisa de dinheiro para produzir, e para que as pessoas possam viver de sua arte. E infelizmente ainda há uma concentração desse poder de escalação e escolha no eixo sul do país. É preciso estabelecer pontes. Muitos foram antes de mim e tiveram esse olhar, sou mais um querendo que o Brasil se ouça e tenha orgulho dos seus sotaques, do nariz largo, do corpo preto e de ser quem somos.

Reencarne traz protagonistas pretos e LGBTs, mas, como você já disse, sem fazer disso o foco da narrativa. É um caminho?

Todos os projetos que estou atuando agora: tv, cinema, teatro e streaming são de protagonismo preto. Isso é política. E para mim, militância da mais alta relevância. Mas nenhum dos projetos é sobre racismo, nem sobre a condição específica de qualquer perspectiva de racialidade. E isso é uma escolha. Às vezes, é preciso dizer que não somos obrigados. As caixinhas do mercado vão existir para sempre, a gente pode entrar e sair na hora que acharmos adequado.

O terror e o suspense lidam com medo, culpa, morte, recomeço, temas muito presentes nas espiritualidades afro-brasileiras. Há um diálogo entre Reencarne e o imaginário baiano?

Totalmente do axé. Reencarne acredita que a vida não precisa ter fim. A morte pode ser um festejado recomeço, com um pouco de ficção científica.

Você levou Torto Arado para os palcos e agora navega em todas as vias, como streaming. Que desafios surgem agora?

O desafio é que nenhuma simulação da vida será tão ampla e dolorosa como a realidade. Ligar a TV e ver corpos empilhados na chacina do Rio de Janeiro será sempre muito mais avassalador do que qualquer cena de ficção. Não daremos conta das dores com nossas artes, mas faremos da arte documento dos nossos desejos.

Larissa Luz é Bibiana por Divulgação Caio Lírio

O cinema e a TV brasileira há muito tempo flertam com o universo de Jorge Amado, mas parece faltar uma atualização das histórias dele para os dias de hoje. O que ainda impede?

Falta vontade e coragem de apostar. Temos tudo na Bahia e no Nordeste. Temos atores, diretores, autores, técnicos, todos capazes de fazer essa tradução. O fato é que talvez o mercado ainda não tenha entendido fenômenos como BaianaSystem, Larissa Luz, Tia Má, Orkestra Rumpilezz, Edgard Azevedo, Ayrson Heráclito, Itamar Vieira Jr... Talvez seja preciso abrir mão dos títulos de excelência sudestina para fazer junto com quem esteve muito tempo fora do baile. O que vai resultar de uma releitura de Jorge Amado hoje pode não agradar nem mesmo aos fãs de Jorge, e isso tem reflexo na unanimidade que o mercado exige para consagrar e vender. A verdade é que pouca coisa ou quase nada mais é capaz de atingir a unanimidade, mas ainda falamos de consensos estéticos. O tempo envelhece algumas obras de arte. Mas, toda arte contém outras possibilidades de criação dentro delas. Adoraria fazer a série O Sumiço da Santa e contar essa história hoje para um país que avança no caminho da evangelização. É possível e bom falar de respeito à fé alheia.

Você costuma falar sobre construir uma herança afetiva e simbólica para suas filhas. O que você acredita que ainda falta contar sobre o Brasil e o que te move a continuar escrevendo essas histórias?

Precisamos falar que a gente é a parte boa e a parte ruim. Que não somos tão bonitos quanto se imagina, mas também não somos feios como querem nos fazer acreditar. A gente só quer se ver nas histórias, com direito a ter nossas dúvidas, medos e certezas, e que as nossas escolhas não sejam decididas pela cor da nossa pele.

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Elísio Lopes jr.