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Thais Borges
Publicado em 27 de abril de 2025 às 05:00
Quando a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein chegou a Salvador para administrar o Hospital Ortopédico do Estado, em março do ano passado, era um marco na história do grupo que também é responsável pelo maior hospital privado da América Latina, em São Paulo. Era também a primeira vez que o Einstein passava a atuar no Nordeste e começava justamente pela saúde pública. >
Agora, pouco mais de um ano depois de o hospital ter iniciado o funcionamento, no bairro do Cabula, já foram sete mil cirurgias e quase 100 mil atendimentos. Aqui, havia especificidades: do número alto de acidentes (em especial, com motociclistas) até a necessidade de tratamento de crianças com sequelas de zika vírus, após o surto em todo o Nordeste entre 2016 e 2017. Só para crianças com idades entre 5 e 9 anos que tiveram zika, foram 45 cirurgias ortopédicas. >
Eles também passaram a oferecer tratamento para doenças nunca antes tratadas aqui, como a osteogênese imperfeita - a síndrome dos ossos de vidros. “É uma doença rara e tinha uma demanda latente sem poder tratar. Foram 13 cirurgias desse tipo, só para ver a demanda reprimida", diz o presidente do Einstein, Sidney Klajner. >
Sem fins lucrativos, a entidade completa 70 anos este ano e, segundo o presidente, quer levar a qualidade do Einstein não apenas ao privado, mas também ao serviço público. “Quando a gente fala de uma entidade sem fins lucrativos, nosso propósito não é majorar receita ou remunerar investidor. Esses números que a gente apresenta depois de um ano é a lucratividade entre aspas. Mas é o que dá sentido ao propósito do Einstein, que é melhorar a saúde e impactar a saúde da região", explica. >
Mas eles ainda têm mais desejos para a Bahia. “A gente morre de vontade de um monte de coisa - por exemplo, a formação médica com nossa estrelinha na Bahia. A Faculdade Einstein está no seu nono ano de atividades com cinco turmas já formadas e a gente veria com muito bons sonhos estar na Bahia", adianta.>
Presidente do Einstein, Klajner é cirurgião do aparelho digestivo, cirurgião robótico, coloproctologista e integrante do conselho administrativo do Institute for Healthcare Improvement (IHI). De São Paulo, ele conversou com o CORREIO por chamada de vídeo no início do mês e fez um balanço sobre a atuação do Einstein no Hospital Ortopédico e o futuro da entidade na Bahia. >
O Hospital Ortopédico completou um ano de funcionamento. Qual é a avaliação de vocês desse período na Bahia? É possível ter um diagnóstico? >
O diagnóstico não, temos o resultado do tratamento. A gente começou essa conversa com o governo do estado da Bahia e uma das dores era a alta demanda de casos ortopédicos, principalmente na Região Metropolitana de Salvador. Era muito por conta de acidentes de pessoas idosas, que aguardavam em filas por procedimentos como prótese de fêmur para voltar a ter uma mobilidade; e o outro o alto índice de acidentes de pessoas com motocicleta. Nas conversas, queríamos ajudar trazendo a eficiência com qualidade de atendimento. A gente sabe que as experiências que tivemos tanto no âmbito privado quanto no público conseguem mudar o tempo de permanência (de internação). >
A gente sabe que pode gerar mais leitos e capacidade de atendimento muito usando a expertise com esse modelo de gestão que já vinha de outros três hospitais. Temos a experiência de dois hospitais públicos em São Paulo e o de Aparecida de Goiânia. >
A primeira dificuldade que tivemos, no sentido de desafio, foi a contratação de bons profissionais de ortopedia. Para essa, vários profissionais ortopedistas do Morumbi (onde fica o Einstein de São Paulo) foram para aí passar um dia para ajudar na contratação, assim como enfermeiros e fisioterapeutas. Eles passaram esse tempo montando um time com expertise, alinhado a esse desafio. >
Fez um ano agora, praticamente, com o desenvolvimento de tecnologias que o estado não dispunha, tratamento de doenças que não eram tratadas na Bahia e a participação de ortopedistas daqui de São Paulo, através de preparo para novos procedimentos. Tivemos quatro mutirões de cirurgia no Ortopédico, inclusive dois ambulatoriais, que fizeram com que os maiores nomes de São Paulo fossem para lá passar o fim de semana e fazer uma verdadeira missão de cirurgia para pacientes que estavam há cinco anos esperando um procedimento cirúrgico. >
Quais são os números desse período?>
O balanço que a gente tem desse um ano é extremamente positivo. Foram mais de sete mil cirurgias, o número de atendimentos passou de 97 mil e de 30 mil consultas de reabilitação. >
Olhando só números, a gente tem uma sensação de missão cumprida que contribuiu primeiro com a demanda extremamente alta de casos ortopédicos, segundo com a capacidade de formar profissionais com expertise que eles não tinham ainda e na aquisição e no treinamento de novas tecnologias para doenças que não eram tratadas no estado. >
Sidney Klajner
Presidente do EinsteinO balanço é extremamente positivo para o objetivo que o Einstein tem como propósito, que é levar a equidade à população como um todo. >
Que doenças eram essas que não eram tratadas? O que mais vocês encontraram de diferente no atendimento aqui? >
São casos mais raros, como a osteogênese imperfeita - a síndrome dos ossos de vidros. É uma doença rara e tinha uma demanda latente sem poder tratar. Vários casos foram tratados e era um tratamento que não era realizado. Foram 13 cirurgias desse tipo para ver a demanda reprimida. >
Fora isso, a gente pode chamar atenção para o uso de tecnologias que não eram habituais, como o uso de hidroterapia para a reabilitação, o uso de equipamentos de cirurgia de fato e o treinamento para usar realidade virtual aumentada. Existe, aqui nos hospitais onde a gente atua, o uso do robô para cirurgia ortopédica. Óbvio que isso demanda mais financiamento, mas vai levando a uma perfeição. Acaba implicando em menos tempo de permanência (nos leitos). >
Na região Nordeste, quando houve a epidemia de zika, ficou uma demanda grande pela cirurgia ortopédica (pelas sequelas) do zika vírus. Fizemos mutirão de cirurgia de zika vírus com 45 crianças de 5 a 9 anos. >
Por que decidiram começar no Nordeste pela Bahia? >
Na verdade, por que a gente decidiu começar pelo setor público? Para cumprimento do nosso propósito, que é levar saúde a cada ser humano, não importa a origem. Nossos recursos envolvem a escala de parcerias do setor público, com os ministérios, os governos e os municípios para que a gente consiga chegar com essa gota de Einstein na saúde pública. >
(Fazemos) Isso há mais de 20 anos, quando começou aqui em São Paulo e quando a gente viu a possibilidade de atuar em outros estados com telemedicina. Hoje, temos um programa bem robusto de acesso a populações com acesso à saúde bem difícil. Já foram mais de 400 mil atendimentos em 12 especialidades em três anos, em locais onde só existe atenção primária. >
Essa oportunidade de vir para o Nordeste foi primeiro porque o hospital de Aparecida de Goiânia veio depois do privado em Goiás. Mas entrar num estado com saúde pública onde ainda não tinha um equipamento privado ou não tinha experiência, a gente calcula essa ida pela oportunidade de impacto. Havia a oportunidade pela alta demanda, pelo tipo especializado do hospital. Quando a oportunidade do impacto se encontra com o nosso desejo de ter impacto e do governo de lutar por uma saúde melhor dos cidadãos, tudo isso foi se unindo. A gente chegou no exercício do nosso propósito, onde a população é mais carente desse tipo de serviço.>
O que mais vocês já têm em vista para a Bahia?>
Não existe ainda em vista, mas a gente morre de vontade de um monte de coisa - por exemplo, a formação médica com nossa estrelinha na Bahia. A Faculdade Einstein está no seu nono ano de atividades com cinco turmas já formadas e a gente veria com muito bons sonhos estar na Bahia. >
Existe esse desejo. Hoje em dia a gente espera a oportunidade pelo MEC (Ministério da Educação). >
No ano passado, já havia rumores no setor médico de que vocês pretendiam trazer a faculdade de Medicina do Einstein para Salvador, mas que teriam desistido naquele momento por conta do edital (a cidade de Salvador não foi contemplada pelo edital Mais Médicos que abrirá novos cursos de Medicina e que está em andamento). Isso realmente aconteceu? >
Esse movimento ainda não esfriou não, mas realmente o MEC tem colocado outras prioridades. Existem oportunidades tanto em Salvador quanto perto de Salvador. Independe de onde ter um curso médico, desde que tenha um campo adequado. A gente teria outras formações. >
A gente inaugurou um setor de ensino com cursos mais rápidos e pós-graduação também em Salvador, porque, quando a gente tem ensino gerado por nós, a gente aproveita os profissionais também. >
No mundo ideal, para quando seria o curso de Medicina? >
No mundo ideal, seria para ontem. Se (o MEC) der o aviso que pode, a gente vai empreender para isso. Vontade não falta. O Einstein é uma instituição sem fins lucrativos desde foi fundada, completa 70 anos de fundação e faz com que se persiga o bom resultado para investir tanto na parte privada quanto pública. >
Sidney Klajner
Presidente do EinsteinNos últimos dois anos, tivemos muitas movimentações de compra e venda de hospitais privados em Salvador, o que tem trazido alguns debates quanto a monopólios e também quanto ao valor pago aos profissionais de saúde por plantões e consultas. Como vocês lidam com esses aspectos no Hospital Ortopédico e que aprendizados podem vir da experiência de vocês para o setor como um todo? >
A gente tem que fazer a diferença do que a gente tem em Salvador com a parceria com o setor público e o que tem acontecido como um todo no Brasil, especialmente no Nordeste, com grandes conglomerados de saúde adquirindo hospitais como forma de aumento de receita. >
Na minha opinião, tudo depende do propósito. Quando o propósito é aumento de receita, melhoria de compra conjunta quando tem um número maior de hospitais para a mesma compra de insumos, o sentido do propósito disso é aumentar a remuneração do investidor ou a receita de fato.>
Quando a gente fala de uma entidade sem fins lucrativos, nosso propósito não é majorar receita ou remunerar investidor. Esses números que a gente apresenta depois de um ano é a lucratividade entre aspas. Mas é o que dá sentido ao propósito do Einstein, que é melhorar a saúde e impactar a saúde da região. >
A tua pergunta é respondida com base em propósito. O sistema de saúde brasileiro, que é composto pelo SUS e pela saúde suplementar, a gente tem menos de 25% da população coberta pela saúde suplementar, mas com um budget extremamente alto que chega a ultrapassar o da saúde pública.>
Nesse sentido, quando uma entidade que busca equidade de saúde, que é o caso do einstein, esse tipo de parceria busca trazer a expertise da gestão na capacidade de gerar uma produtividade maior, tempo de permanência menor e eficiência maior. A gente sabe que ela (a eficiência) pode ser muito aumentada por conta de todos os caminhos cheios de obstáculos que a gente já venceu no setor público aqui (em São Paulo) e no privado. >
O Einstein também é referência em pesquisas na área de saúde. Vocês desenvolvem pesquisas aqui ou têm planos para o futuro? >
Todo tipo de atividade assistencial que a gente tem vira pesquisa porque ajuda primeiro a melhorar o tipo de atendimento e porque tem eficácia. Hoje, a gente está usando cada vez mais tecnologia na reabilitação. Temos feito pesquisas com exoesqueleto e hidroterapia. E, atualmente, temos oito projetos submetidos à análise da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab). São projetos em parceria, que foram submetidos para avaliação e estamos aguardando. >