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Após nova lei, pais ausentes devem pagar indenização por abandono; saiba o que muda na prática

Lei sancionada neste ano define papel dos pais no desenvolvimento socioemocional dos filhos

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 11 de novembro de 2025 às 05:30

Abandono afetivo agora é lei Crédito: Shutterstock

Na certidão de 100.925 crianças nascidas nos últimos dez anos na Bahia, nada além de um campo em branco preenche o espaço em que deveria constar o nome do pai. Dados da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-BA) dão conta de pais ausentes no estado a partir de janeiro de 2016, mas a realidade anterior a esse levantamento ainda é mais complexa. Uma evidência disso é mostrada pelo Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta a existência de cerca de 839.142 mães solo na Bahia.

O dia a dia dessas mães costuma ter pelo menos o dobro do peso que deveria. São, em grande parte, mulheres que cumprem uma tripla jornada, trabalhando para prover o sustento, cuidar da casa e dos filhos. Com a sobrecarga, o desenvolvimento desses filhos nem sempre é pleno, deixando marcas emocionais na infância. Para tentar reduzir o desequilíbrio dessa balança, uma mudança recente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passou a tratar o abandono afetivo parental como ilícito civil, de modo que pais ausentes, agora, precisam indenizar os filhos pela negligência.

A mudança é promovida pela Lei nº 15.240/2025 que, na prática, passa a exigir dos pais uma reparação pelo dano causado ao menor em virtude da própria ausência. “Assim, a omissão dos pais quanto ao dever de cuidado emocional deixa de ser apenas um déficit moral e passa a ser reconhecida como um dano jurídico indenizável. O art. 22 do ECA, que já elencava os deveres dos pais, passa a incluir expressamente a assistência afetiva ao lado da assistência material”, explica a advogada Larissa Muhana, especialista em Direito da Família.

A lei passa a listar os elementos que caracterizam o papel afetivo ideal dos pais. O primeiro deles é a orientação nas escolhas da vida, que determina que os pais devem participar ativamente das decisões profissionais, educacionais e culturais dos filhos. O segundo ponto aborda a solidariedade nos momentos difíceis, destacando que a presença parental é especialmente exigida nos momentos de sofrimento ou dificuldade.

Lei nº 15.240/2025 por Reprodução/Planalto

O último ponto trata da presença física solicitada. “Quando a criança ou adolescente solicita espontaneamente a presença dos pais e isso é possível de ser atendido, a recusa ou negligência configura abandono afetivo”, esclarece Larissa Muhana, que ainda acrescenta que isso vale até para os pais que não registram os filhos e pensam que, assim, estão livres dos deveres parentais. Se for comprovada a filiação, a lei também deve alcançá-lo.

Segundo a advogada, a mudança no ECA consolida agora a afetividade como dever legal, mas esse tema já estava presente nos tribunais há algum tempo. Os dados, contudo, ainda são incipientes. De acordo com a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), em relação a danos morais, apenas 10 processos por abandono afetivo foram registrados no estado em 2024. Neste ano, foram 15 atendimentos feitos pelo órgão, a maioria aguardando comprovação do abandono.

Ao ser procurado pela reportagem para informar quantos processos relativos ao tema correm na Justiça, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) disse que não há informações na base de dados, já que os sistemas de consulta não dispõem de ferramenta para coletar essas informações.

A defensora Suelen Lordelo, uma das coordenadoras da Especializada de Família da DPE-BA, acredita que os números ainda são pouco expressivos pela burocracia e pelo posicionamento pessoal das mães diante do assunto. “Às vezes, as mães ficam cansadas de tentar entrar em contato e, às vezes, se sentem até humilhadas de ter que comprovar que o filho é daquela pessoa. Muitas têm vergonha de ter que fazer teste de DNA. Isso gera uma mágoa e, por isso, muitas não querem pedir indenização”, afirma.

Para Suelen, o reconhecimento do abandono afetivo como ilícito civil deve provocar uma mudança significativa no número de casos. “Com essa nova legislação, fica mais fácil para a gente pedir indenização ou, em alguns casos, a retirada do nome do pai da certidão de pessoas que não querem vínculo com quem não foi pai de verdade. Antes, era necessário fazer toda uma defesa para conseguir isso, porque o abandono não era ilegal”, afirma.

A defesa em questão demandava a comprovação do abandono através da conduta do pai. Para tanto, servia como prova a diferença de tratamento entre um filho e outro, se houvesse; gastos com o filho abandonado em relação à renda total; frequência de conversas pelo WhatsApp; fotos de momentos importantes em que o pai não estava, dentre outras evidências.

Todas essas provas, no entanto, poderiam não resultar em causa ganha se não fossem comprovados os danos psicológicos e os impactos no desenvolvimento do menor abandonado. Agora, com o abandono afetivo sendo um ilícito civil, as provas por si só já podem resultar em indenização.

Tira-dúvidas

1) O que configura abandono afetivo?

  • O pai/a mãe que não orientar os filhos nas escolhas da vida (profissão, educação, bagagem cultural);
  • O pai/ a mãe que não apoiar os filhos nos momentos de dificuldade ou sofrimento.
  • O pai/a mãe que se recusar a estar presente fisicamente quando for possível e solicitado pelo filho

2) Quem responde por abandono afetivo?

Pais biológicos ou adotivos reconhecidos legalmente. Se um pai não tiver registrado o filho, a mãe ou filho já maior de idade pode solicitar exame para comprovar a filiação.

3) Um pai que mora longe, mas contribui financeiramente, pode responder por abandono afetivo?

Sim. Segundo a advogada Larissa Muhana, a distância física de um dos pais não pode ser usada como escudo para se esquivar da assistência moral ao filho. Assim, pai ou mãe, ainda que residentes em comarca diversa do menor, seguem respondendo por abandono afetivo, se houver.

4) Um pai que agrediu a mãe da criança e é obrigado judicialmente a ficar longe também responde por abandono afetivo?

Se a medida protetiva for exclusivamente para proteger a mãe da criança, o genitor segue com todos os deveres relacionados a assistência moral prevista na nova lei em relação ao filho. Caso ele não cumpra com os deveres, pode responder por abandono afetivo.

5) O que serve de prova para comprovar o abandono afetivo?

Prova de tratamento diferenciado entre um filho e outro, como viagens e bens materiais; gastos com o filho abandonado em relação à renda total; depoimentos de testemunhas; frequência de conversas pelo WhatsApp; fotos de momentos importantes em que o pai não estava, dentre outras evidências.