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Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2008 às 16:02
- Atualizado há 2 anos
Em menos de dois anos, o tenente PM Ícaro Ceita do Nascimento foi preso duas vezes, teve contra si um pedido de exclusão da corporação pela Promotoria de Justiça Militar e experimentou dois cortes de salário. Seu crime? Ser homossexual. Alvo de perseguições, Ceita denuncia ter sofrido muitas outras represálias dentro da PM baiana desde que assumiu a homossexualidade. >
Atualmente lotado na 43ª CIPM, em Itamaraju, o tenente decidiu trazer a público sua trajetória repleta de histórias de homofobia, transferências forçadas de unidades e diversas outras retaliações. As perseguições ao tenente Ceita teriam se iniciado quando ele tentou criar um núcleo de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT) na PM.>
Ícaro diz que sofre desde que assumiu ser gay, há dois anos (Foto: Angeluci Figueiredo/ CORREIO)>
A partir daí, passou a ser alvo de piadas de mau gosto, gracejos e palavras depreciativas. Transferido para o 8º BPM, em Porto Seguro, depois da formatura, em2005, Ceita diz ter sido perseguido pelo comandante da unidade. O coronel Carlos Maurício o acusava de promover festas gays, de acumular dívidas na cidade e de ter atirado num colega de farda por causa de um soldado. >
Ao CORREIO, o coronel não teve o menor pudor em confirmar as acusações. 'Ele estava manchando a imagem da polícia em Porto Seguro. Disputava o amor de um soldado com outro tenente', garante. Ceita diz que é vítima dos 'devaneios homofóbicos' do coronel. 'Meu antigo namorado era artista plástico. Nunca me relacionei com ninguém da PM. O coronel inventou tudo isso para me tirar de lá. Não queria um oficial gay dentro do quartel', rebate. >
Transferido para a 18ª CIPM de Periperi, em Salvador, os episódios de homofobia se tornaram ainda mais explícitos. Ícaro ficou doente. Com depressão atestada por um médico, deixou de se apresentar no quartel. O tenente apresentou diversos atestados emitidos pelo psiquiatra que o acompanhava. Apesar de o documento recomendar seu 'completo afastamento das atividades laborais até o restabelecimento total da sua saúde psíquica', não foi reconhecido pela junta da polícia. >
'Fui também várias vezes fazer a avaliação com eles, mas nunca quiseram me atender', atesta. Acusado de deserção e de praticar atos libidinosos com um sargento no quartel, o tenente ficou preso entre os dias 13 e 28 de novembro de 2006 no Batalhão de Choque da PM, em Lauro de Freitas. Por ironia, ali conseguiu que reconhecessem sua doença.>
'O próprio comandante da Choque disse que se tratava de um erro administrativo e mandou me soltar'. Mas, entre transferências para o 9º Batalhão de Vitória da Conquista e a 43ª CIPM de Itamaraju, o tenente voltaria a enfrentar outro processo por deserção. Chegou a ter o salário cortado por três meses e só conseguiu evitar uma segunda prisão por causa de uma liminar do juiz auditor militar auxiliar Paulo Roberto Santos de Oliveira. >
Enquanto segue na Justiça o processo de deserção, a última retaliação que Ícaro diz ter sofrido é mais um corte na folha de pagamentos da PM, por ter se candidatado ao cargo de vereador pelo PT, em Porto Seguro, para o qual não foi eleito. Nos dois meses de campanha, o tenente ficou sem receber salário. Ele disse que pretende dar entrada com mandado de segurança para reaver os meses de agosto e setembro. >
Preconceito oficial Nem o Código Penal Militar, de outubro de 1969, que ainda usa o termo 'pederastia', utiliza palavras tão duras quanto o parecer do 1º promotor de Justiça Militar, Luiz Augusto de Santana. Em texto polêmico, a que o CORREIO teve acesso com exclusividade, o promotor diz considerar a homossexualidade e a carreira militar 'antagônicas'. >
Para Luiz Santana, o problema é de convivência. 'Dormimos em alojamentos coletivos, comemos em ranchos coletivos, tomamos banho de forma coletiva, e não sei quais reações teria um homossexual no meio de pessoas do mesmo sexo despidas', escreveu em ofício emitido em 9 de junho passado. >
O promotor chegou a pedir ao ex-comandante geral da PM, Antônio Jorge Ribeiro de Santana, a exoneração de Ícaro do serviço ativo da corporação. Luiz Santana não só confirma o conteúdo do documento como o reitera. 'Tal oficial não serve para a missão. Ícaro é um peixe fora d’água na vida militar'. >
O Grupo Gay da Bahia rechaçou o ofício. 'É triste saber que existem pessoas como esta no MP. O que sei é que ele é um excelente policial e muito inteligente', diz o presidente Marcelo Cerqueira.>
(Reportagem publicada na edição de 12/10/2008 do jornal CORREIO)>