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Da Redação
Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 10:10
- Atualizado há 2 anos
O resultado do inquérito que apura as causas do naufrágio da lancha Cavalo Marinho I foi divulgado nesta terça-feira (23), pela Marinha, na véspera do dia em que se completam cinco meses da tragédia que matou 19 pessoas. Foram considerados responsáveis o engenheiro técnico e o dono da empresa, por negligência, além do comandante da embarcação, por imprudência. Além disso, foi indicado que a embarcação não tinha condições de navegabilidade e que havia lastros (pesos) soltos no convés. >
Vídeo produzido pela Marinha reproduz como aconteceu acidente:>
"A embaração não cumpria os critérios de estabilidade exigidos por lei. A embarcação possuía lastros não autorizados e colocados de forma indevida que acabaram se soltando. Faltava fixá-los no local correto. Conseguimos calcular que os pesos desses lastros chegam a até 400 kg. Eles são colocados com a intenção de aumentar a manobrabilidade da embarcação, ou seja, a capacidade dela de atender às guinadas do condutor", explica o capitão de mar e guerra Leonardo Andrade Reis, capitão dos portos da Bahia. >
Ele detalhou os resultados do laudo junto do vice-almirante Almir Garnier Santos, comandante do 2º Distrito Naval, na sede do 2º Distrito Naval, no Comércio. "O proprietário é o responsável pela embarcação. Ninguém melhor do que o proprietário e os condutores para evitar um acidente. Para se instalar os pesos e os lastros existe todo um procedimento. É preciso que se contrate um engenheiro responsável técnico para que acompanhe e apresente à Marinha essas alterações pedindo uma licença de alteração e isso não foi cumprido. Esses fatores foram determinantes para que o acidente ocorresse", afirma Reis. Vice-almirante e capitão de mar e guerra detalham investigações Foto: Thais Borges/CORREIO Agora, a Marinha encaminha o relatório para o Tribunal Marítimo Militar, que compete julgar os acidentes da navegação. "Diante desse julgamento, podemos apontar algumas penalidades previstas na lei 2.180 do tribunal marítimo. É prevista a repreensão com medidas educativas, a suspensão do marítimo, a interdição de determinada função; cancelamento da matrícula; proibição ou suspensão do tráfego, multa, cancelamento de registro", explica Reis. >
"É fundamental para a Marinha que esse assunto seja entendido da melhor forma possível. É um assunto muito técnico e, portanto, optamos por essa coletiva, a fim de que se dirimisse a maior parte das dúvidas, já que são procedimentos extensos, muitos depoimentos laudos técnicos, simulações de computador e acredito que dessa forma a gente vai ter uma produtividade maior", explicou Garnier.>
Acidente A lancha Cavalo Marinho I afundou no dia 24 de agosto do ano passado, cerca de 10 minutos após deixar o Terminal Marítimo de Mar Grande, que fica no município de Vera Cruz, localizado na Ilha de Itaparica. A embarcação tinha como destino Salvador e levava 120 pessoas, sendo 116 passageiros e quatro tripulantes, que sobreviveram. Após o acidente, a embarcação ficou destruída. Ao todo, 19 pessoas morreram - dessas, eram 13 mulheres, três homens e três crianças.>
O inquérito tem quase 1,2 mil páginas e foi divido em seis etapas - modelagem do casco; conferência dos dados hidrostáticos; aplicação das correções (arranjo geral); simulação do adernamento; submissão aos critérios de estabilidade e análise dos resultados da prova de inclinação e estudo de estabilidade definitivo. >
O trabalho foi iniciado um dia após o acidente, em 25 de agosto. Nos dias 25, 26 e 28 de agosto foram realizadas as perícias com apoio técnico da Diretoria de Portos e Costas, da Marinha.>
"Na sala de comando da embarcação foram visualizadas alguns pesos que não eram apresentados nos documentos técnicos e de instruções. Foram encontrados dois motores na praça de máquinas. Foram esses pesos de lastro abaixo da praça de máquinas que se soltaram durante o acidente e que ficaram de fácil visualização nas perícias mas que também não estavam documentados pelo engenheiro técnico responsável", explica o capitão Reis, afirmando que foi necessário que os peritos reproduzissem uma cópia exata do casco. >
Clima Três aspectos climáticos relevantes atuaram na embarcação no dia e horário do acidente, segundo a Marinha. "Tivemos uma força de maré vazante, de cerca de meio metro no ventos sul e ondas de cerca de um metro no sentido sudeste. A embarcação tinha a intenção de realizar essa travessia e teve essa força de maré atuando e também ventos Sul e ainda as ondas de cerca de um metro. Esses vetores atuaram diretamente na embarcação no horário do acidente. O comandante deveria ter adotado postura mais defensiva já que não era uma calmaria e tinha condições mais adversas de tempo", explica o capitão. >
O presidente da Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), responsável pela gestão da travessia, Jacinto Chagas, afirmou que mantém a versão prestada após o acidente, de que não houve aviso de mau tempo. “Naquele momento não tinha alerta de tempo ruim. Não tenho o que acrescentar”, afirmou. Chagas ainda afirmou que não tinha conhecimento do relatório e que, por isso, não comentaria mais sobre o inquérito da Marinha.>
O trabalho da Marinha teve a participação de peritos civis e militares lotados no Rio de Janeiro e Bahia além de engenheiros e militares lotados Marinha mercante. Foram mais de 50 interrogatórios, acareações e análises. De acordo com o laudo, a primeira chamada para pedir socorro aconteceu às 7h45. "Em mais de cinco décadas, esse foi o primeiro acidente com vítimas fatais que se tem notícia, numa linha que chega a transportar mais de 3 mil pessoas por dia. Ou seja, a travessia Salvador-Mar Grande não é insegura como tentou se desenhar nos dias seguintes após a tragédia", disse o vice-almirante Almir Garnier Santos, comandante do 2º Distrito Naval. Entre as penas possíveis pelo resultado do laudo estão a possibilidade de multas e até de suspensão da habilitação de navegação da empresa CL Transporte Marítimo, dona da Cavalo Marinho I e de outras embarcações que fazem a travessia, entre Salvador e a localidade Mar Grande.>
A partir do momento que o inquérito for remetido ao Tribunal Marítimo, o processo passa fazer parte da pauta do órgão. Não há prazo para conclusão. "No dia não havia aviso de mau tempo e isso foi constatado por todas as informações recebidas. Havia condições adversas mas não havia aviso de mau tempo com ondas significativas acima de um valor que pudesse realmente afetar a segurança da navegação. Não houve erro de informações meteorológicas", defendeu o capitão Leonardo Reis, sobre a ausência de alerta da Marinha no dia da tragédia. Inicialmente, o prazo para a elaboração do laudo do acidente era de 90 dias – ou seja, chegou ao fim no dia 24 de novembro. No entanto, a Marinha pediu extensão. >
Adolescente desaparecida Além dos 19 mortos, uma família registrou queixa alegando que uma adolescente teria embarcado na Cavalo Marinho I. Ela nunca foi encontrada. >
"Realizamos buscas por essa adolescente por 15 dias naquela faixa da Baía de Todos os Santos mas não conseguimos encontrá-la. Não ficou bem claro se ela realmente embarcou nessa lancha e não nos compete efetivamente porque não tem nenhuma ligação com a segurança da navegação que é nossa atribuição. Até então, não temos a confirmação dessa suposta vítima. Isso foi suspenso, não foi encerrado. Estamos aguardando que eventualmente novos fatos apareçam e então retomaríamos as buscas", explica Garnier. >
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que as buscas pelo corpo da adolescente foi encerrado. "Por fim ressalta que a versão apresentada por uma mulher, sobre um suposto desaparecimento de uma adolescente, não foi confirmada, já que a denunciante nunca retornou à unidade policial com documentos da vítima. Diante dessa inconsistência e falta de garantia de que realmente existiria uma pessoa desaparecida, as buscas foram encerradas", disse a secretaria em nota.>
Investigação da Polícia Civil A conclusão do inquérito da Polícia Civil depende do resultado da investigação da Marinha, de acordo com o delegado Ricardo Amorim, titular da 24ª Delegacia (Vera Cruz). Na semana passada, ele afirmou ao CORREIO que o inquérito civil estava “praticamente pronto”. Ao todo, 135 pessoas foram ouvidas. >
“Solicitamos exames de lesão corporal das vítimas, necropsias dos 19 mortos, informação de institutos de meteorologia e pedi laudos de particulares. São laudos de um especialista do Espírito Santo que fez uma análise da situação e do tamanho do barco”, afirmou, na ocasião.>
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que o inquérito policial, de responsabilidade da 24ª Delegacia (Vera Cruz), já havia realizado toda a parte de coleta de depoimentos e que apenas estava faltando o laudo da Marinha. "De posse deste documento, o delegado, sem prazo definido, analisará o conteúdo, se preciso, convocará novos depoimentos, e dará prosseguimento para conclusão do inquérito", informou a pasta.>
*Colaborou Júlia Vigné>