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Muito turista para pouco guia: o que está por trás dos acidentes graves em trilhas no Vale do Pati

Em menos de um ano, cinco ocorrências graves foram registradas na região

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 1 de julho de 2025 às 05:00

Vale do Pati Crédito: Reprodução/Trilhas e Aventuras

Em menos de um ano, pelo menos cinco acidentes graves foram registrados em uma das regiões mais exuberantes da Chapada Diamantina, o Vale do Pati. Marcado pelo turismo de trilhas, o local recebe milhares de aventureiros por ano – o número exato não é possível precisar por falta de dados oficiais –, mas tem sido palco de negligência e insegurança, desde que turistas passaram a ser expostos a riscos por agências.

De acordo com uma denúncia coletiva protocolada no Ministério Público Federal (MPF), a contratação de poucos guias para um grande número de turistas tem sido o padrão de algumas agências da região que visam maximizar os lucros, o que tem comprometido a segurança de quem encara as trilhas do Pati. Dos cinco acidentes registrados, três ocorreram nessas circunstâncias.

Em relatos obtidos pela reportagem, guias que pediram para não serem identificados por medo de represálias contam que há agências que escalam dois guias para grupos de 30 pessoas. Esses profissionais, na maioria dos casos, acumulam a função de cozinheiro, preparando a comida que é servido aos turistas, além de conduzi-los pelas trilhas com mochila de até 30 kg nas costas em percursos que podem durar até cinco dias.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) determina, desde 2021, a necessidade do controle de proporção entre líderes e participantes em excursões de aventura. Esse controle, no entanto, deve ser fiscalizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que também é responsável por ações preventivas.

Até o momento, não há definição sobre o número limite de turistas por guia de excursão de aventura no Vale do Pati. A Cachoeira do Buracão, por sua vez, que é um dos principais atrativos da Chapada Diamantina, estabelece a proporção de 6 turistas para 1 guia, para uma trilha de 50 minutos. A decisão foi divulgada neste ano em comum acordo com cinco associações locais ligadas ao Parque Natural Municipal do Espalhado, em Ibicoara.

A denúncia aponta que o ICMBio não apenas tem falhado na fiscalização da proporção entre turistas e guias, como também não tem impedido a atuação de guias não cadastrados, o que permite que empresas contratem profissionais sem qualquer comprovação de capacitação ou vínculo formal com a entidade, contribuindo para a ocorrência de acidentes diante do despreparo das pessoas escaladas para atuarem como condutores de trilhas.

Uma portaria de 2019 do ICMBio, que tinha o intuito de mudar esse cenário, não foi levada adiante, uma vez que não teve uma implementação ampla. A iniciativa previa a criação do Programa Condutores de Visitantes, com critérios técnicos e procedimentos rigorosos de seleção, como a exigência de cursos específicos, incluindo primeiros socorros, teste de conhecimento sobre a unidade de conservação, responsabilidade ambiental e conduta profissional.

Más condições de trabalho

O panorama dos problemas que acometem o Vale do Pati inclui uma maior demanda pelo turismo aventureiro após a pandemia. Com alta procura, algumas agências passaram a precarizar as condições de trabalho em prol da obtenção de mais dinheiro. Isso é refletido não apenas na falta de proporção adequada no número de líderes e turistas, mas também no modelo de excursão mais vendido por essas agências.

Um guia, que aceitou falar sob condições de anonimato, explica que, em geral, há três possibilidades de percorrer o Pati. A primeira envolve o acampamento em casas de nativos ou em outros lugares do vale, com alimentação por conta de cada um; a segunda exige que o guia cozinhe para todos os aventureiros e que, à noite, durmam na casa de nativos; a terceira forma é pagando diárias completas com os nativos, com alimentação e acomodação inclusa, ficando o guia encarregado apenas por prover os lanches.

Na prática, as agências que são alvo das denúncias escolhem o segundo modelo, que sobrecarrega o guia. “A grande maioria dos guias acordam 4h para começar a cozinhar o café da manhã e sempre chegam mais cedo para começar a fazer o jantar. Eles ainda dormem mais tarde porque têm que deixar a cozinha toda limpa. Depois, vão caminhar o dia inteiro novamente, seguindo essa mesma rotina. Ficam extremamente cansados e acabam não entregando o trabalho que querem para os clientes”, detalha o guia.

Para Rafael Lage, condutor de trilhas que é o único autor público da denúncia feita ao MPF, os guias são obrigados a aceitar tais condições de trabalho para fugir do boicote imposto pelas agências que não aceitam nenhuma crítica às condições de trabalho. “Devido a um grande número de pessoas trabalhando na área, nem sempre há emprego para todos”, começa.

“Isso faz com que o guia aceite trabalhos mal remunerados, a operar com equipamentos de segurança ruins, a se submeter a uma carga de trabalho extenuante e guiar grupos enormes, os quais ele não tem condição de fornecer segurança a si e aos turistas. Mas lembrando, isso não é um quadro geral, são questões pontuais, no geral temos ótimos guias, que sabem defender os seus direitos e prezam por boas práticas”, ressalta.

A reportagem procurou o Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), que recebeu uma denúncia a respeito de todo o problema envolvendo as condições de trabalho no Vale do Pati na última sexta-feira (27). De acordo com a pasta, foi instaurado um procedimento para apurar os fatos narrados na denúncia.

“Ele está na nossa unidade de Feira de Santana ainda em fase inicial. Neste caso, temos 90 dias inicialmente para apurar o caso, podendo haver prorrogação desse prazo para que o caso seja efetivamente esclarecido. Primeiro, devemos colher documentos e depois testemunhos”, disse.

A reportagem também procurou o ICMBio e o MPF para se posicionarem sobre o assunto, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.