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Qual a importância da religião na infância?

Enquanto algumas crianças seguem a religião da família, outras veem espíritos ou rejeitam a fé herdada. Especialistas apontam caminhos respeitosos para a espiritualidade na infância

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 18 de maio de 2025 às 05:00

Visões, vozes, intuições: a infância é um tempo sensível para o espiritual
Visões, vozes, intuições: a infância é um tempo sensível para o espiritual Crédito: Thainá Dayube

Bia se queixava de cochichos no ouvido. Ainda pequena, com quase 2 anos, pegava na mão da mãe e levava até o quarto para mostrar o ‘menino’. Coisa de criança, amigos imaginários talvez. Até que um dia, mais velha, acordou os pais no meio da noite, dizendo que duas crianças estavam sentadas na sala de casa e não deixavam ela dormir. Os pais foram até lá, ligaram as luzes e mostraram que não tinha nada. Nada para eles. “Ainda estão aqui, mãe”.

Este relato real entre espíritos e crianças acontece com mais frequência do que parece. Divaldo Franco, o líder religioso que deixou o plano físico na última terça-feira, relatou que seu primeiro contato com espíritos ocorreu ainda criança, como Bia, mas em Feira de Santana. Com 4 anos de idade, Divaldo viu uma senhora, de nome Maria Senhorinha, que o pediu para falar com Anna. Só depois dele descrever o que seria a avó já falecida de Anna, foi que a família viu se tratar de um desencarnado.

Segundo a doutrina espírita, toda criança tem a capacidade de ver espíritos até, mais ou menos, sete anos. É como se, neste período, a criança ficasse entre os dois mundos, espiritual e físico, até o dom sumir. Se continuar, pode-se falar em mediunidade, como é o caso de Divaldo e tantos outros. Na fé cristã, o reino de Deus está nas crianças. No Candomblé, os erês são a pureza que liga o ser ao Orixá. Está bem clara a importância infantil nas doutrinas religiosas. Contudo, sobre a ótica inversa, qual a importância da religião na infância? E mais: como lidar com forças próximas delas que são incompreensíveis para nós?

Para não perder o fio da meada, voltamos a Bia, que mora em Salvador e atualmente tem 5 anos. A criança não gosta de falar sobre o assunto com ninguém, apenas com a mãe e a terapeuta. “Já houve dias em que Bia disse já ter passado muita fome, que as pessoas passavam e não a ajudavam, até que ela virou ‘estrelinha’. Também disse ter visto o avô um pouco antes de sabermos que ele tinha morrido. É difícil lidar com isso quando não somos espíritas. Mas acredito nela, procuramos ajuda e tentamos levar com naturalidade. Tentamos”, explica a mãe Carla, que passou a estudar mais sobre o assunto. Os nomes delas foram modificados.

Este acolhimento dos pais é fundamental para a espiritualidade da criança, independentemente da fé ou do dom. Quando Divaldo manifestou a mediunidade, teve amparo da família, alguns praticantes do espiritismo. O médium espírita José Medrado é outro bom exemplo deste apoio dos pais. Contudo, no seu caso, é pela falta dela. O fundador e presidente da Cidade da Luz começou a ver sua avó aos sete anos. O curioso é que nunca a conhecera viva. Contudo, a reação do seu pai foi o oposto de Carla e da família de Divaldo..

“Meu pai era muito católico e isso gerava nele um certo descontrole, até para me agredir. Na época era com palmatória, dava bolo. Ele dizia que eu estava perturbando a mãe dele… Até [um possível] distúrbio psiquiátrico foi falado na época. A partir daí, eu me calei diante do processo. Me silenciei até os 15, quando conheci o espiritismo”, lembra Medrado.

Escolhas

Para Medrado, a questão não é se a religião dos pais é benéfica ou não à criança. A grande questão é como a espiritualidade deve ser oferecida como um caminho, não como imposição. E a liberdade de sua escolha, claro.

“Não tenho dúvida que uma educação rígida na infância vai gerar uma rebeldia, sobretudo na idade do questionamento, por volta dos 14 anos. E esse adolescente poderá rejeitar e rechaçar todo e qualquer tipo de orientação religiosa”, explica Medrado. “Estudos evidenciam que [a educação religiosa] deve ser proporcional à demanda da busca, mas nunca imposta em qualquer critério doutrinário religioso”, completa.

O Caminho Respeitoso e Saudável na religiosidade infantil propõe uma introdução gradual à espiritualidade, com afeto e respeito. De 0 a 3 anos, valores como amor e bondade são apresentados por meio de músicas e histórias. Dos 4 aos 6, a familiarização ocorre com narrativas simbólicas, sem cobranças. Entre 7 e 10, dialoga-se sobre os princípios da fé da família, valorizando a diversidade. Aos 11 a 13, estimula-se o senso crítico e o contato com outras crenças. A partir dos 14, respeita-se a autonomia nas escolhas religiosas. Se houver outra opção de fé, o diálogo e o amor devem prevalecer. Este momento é crucial.

Candomblé é lugar de criança feliz! Na imagem, Oxum toma a filha de 11 anos e faz todos os presentes derramarem lágrimas emocionadas. Preta de Oxum no Ilê Axé Omó Odé Bualêgi de Bàbá Taosilé
Candomblé tembém é lugar de criança feliz! Na imagem, Oxum toma a filha de 11 anos  Crédito: Adeloyá Ojú Bará

Passar ensinamentos religiosos aos filhos desde cedo também não garante um adulto mais justo. Uma pesquisa da Universidade de Chicago queria saber sobre a relação entre religiosidade e altruísmo infantil. Participaram da pesquisa crianças entre 5 e 12 anos, de seis países diferentes, sem a presença do Brasil. Resumidamente, a maioria que tinha pais religiosos foram menos generosos e mais punitivos, principalmente nas religiões católicas e muçulmanas.

Significa, então, que religião deixa a criança menos generosa e com um maior espírito punitivo? A resposta é não. Talvez esteja como se apresenta os ensinamentos. E entramos novamente na questão da imposição. Ou você nunca disse a alguma criança que, se ele fizer algo errado ou não rezar todos os dias, Deus castiga?

“Nessas situações, as crianças devem ser expostas a múltiplas religiões desde cedo. Isso não apenas permitirá que elas decidam se aderem a uma religião específica, mas, à medida que crescem, também se tornarão mais compreensivas e respeitosas com pessoas de diferentes religiões”, explica a neurocientista e psicanalista, Ana Chaves.

O ponto chave está justamente aí: o respeito à diversidade religiosa. Não está errado ensinar seus filhos sua religião, mas é preciso respeitar etapas e pregar valores sociais.

Há cerca de 11 anos, Juliana Gomes se converteu à religião evangélica, quando sua filha, Emanuelle Rosa Gomes, tinha apenas seis meses. Até então, sua convivência com a religiosidade na família era católica, com sincretismos. Hoje, sua filha convive com as rotinas da religião materna, mas a experiência da mãe antes de encontrar o seu caminho religioso a levou a uma abordagem crucial.

“A gente conversa bastante sobre intolerância religiosa. Falo sobre nossos irmãos de outras religiões, como nós devemos vê-los, como nós devemos aceitá-los e respeitá-los. É uma construção. Debatemos questões, situações, ensinamentos e valores”, disse Juliana, que não quer pular etapas com a filha e prefere que ela conheça e participe das fases da religião que condizem com sua idade. Emanuelle inclusive já fez sua primeira pregação, mas num culto entre crianças de sua idade.

“Eu gosto muito da presença de Deus. Gosto do tempo de louvor, que é o tempo que eu me conecto mais com Deus. E gosto também dos lanches de chocolate, né?”, resume Emanuelle sobre sua rotina na igreja.

Múltiplas escolhas

Na casa de Isabela Borges, seus filhos seguiram caminhos opostos. E, para ela, está tudo bem. João, de 13 anos, é ateu. Já seu irmão, Artur, de 9, é bastante religioso e reza todos os dias. A mãe assegura que o convívio é pacífico. “Acho muito interessante essa diversidade, principalmente porque não foi algo imposto. Os pais já exercem muita influência na vida dos filhos. Acredito que a fé é algo muito particular e individual, então acho saudável que eles possam exercer essa individualidade de escolher no que acreditar”, disse Isabela, que é espiritualizada, mas não tem uma religião definida.

Mesmo com as diferenças, não existe conflito entre eles. Ou melhor, tem um: “A única coisa que me incomoda é quando estou tentando dormir e ele fica rezando”, diz João. “Acho estranho, mas não o persigo por causa disso. Não me incomoda”, rebate Artur.

A escolha de João não é um fato isolado. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2022, apontou que o percentual de pessoas que se consideram sem religião chega a 25% entre os jovens de 16 a 24 anos. De forma geral, o grupo "sem religião" é o que mais cresce no Brasil, saltando de 8% da população em 2010 para quase 15% atualmente, segundo o IBGE. Em números gerais, só perde para católicos e evangélicos.

Fé de berço

Maria Rita Bélens não esconde a satisfação de viver na rotina da igreja católica. Com 11 anos, já fez catequese, é coroinha e não vê a hora de fazer a crisma, que ocorre aos 14 anos. Para ela, a religião vai além dos ensinamentos. É um convívio social.

“Amo a igreja. E o que me deixa mais feliz é a forma que o padre celebra a missa, de um jeito muito alegre, além das amizades que eu já fiz lá. Fiz várias amizades”, disse Maria, que vem de uma família católica, o que facilitou sua liturgia. “Aqui, frequentar a igreja e servir não é uma obrigação, mas ela entende que assumiu um compromisso com Deus. Claro que ela teve influência, das duas partes da família, mas decidiu servir [ao Deus cristão] por vontade própria”, explica a mãe, Regimari Campos.

A jovem Maria Rita na igreja
A jovem Maria Rita na igreja Crédito: Divulgação

Seguir o caminho da família é normal, mas requer cuidados. “A criança vai viver a religiosidade da família a partir daquela convivência, é natural. Com o tempo, quando ela vai ganhando mais autonomia, ela vai discernir melhor as escolhas que a família faz por ela. A questão é quando a missa passa a ser chata, obrigada. Uma opção é entrar em alguns acordos, como algo divertido após o culto. Mas impor é uma palavra muito forte, né? Não é o caminho", relata Ísis Fabiana Oliveira, doutora em Psicologia Clínica e professora na Unijorge.

Maria Lís também é apaixonada por sua religião, o candomblé. Contudo, ao contrário dos exemplos já citados, o caminho da religiosidade de Lís não está no âmbito interno, bem resolvido por sinal. Dentro do terreiro ela brinca como criança, tem ensinamentos, obrigações e, principalmente, respeito pelos mais velhos. O combate, no caso dela, é o preconceito da sociedade pela sua escolha.

“O racismo é muito cruel e tem várias faces, né? A gente precisa preparar nossas crianças, realmente, desde pequena, dos julgamentos, das caras feias, saber responder com respeito, mas saber se defender. E, como ela é uma criança, eu sempre digo a ela: ‘se ficar pesada pra você, chame a sua mãe’”, conta a mãe de Lís, Marina Duarte, vice-presidente do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

No início foi até difícil para a pequena Lís furar o bloqueio do racismo vedado. Mas o orgulho falou mais alto. Onde outras crianças podem usar um terço ou crucifixo, ela também usa seu lindo contregum. E todas podem brincar juntas. No final das contas, o exemplo é mais poderoso que a imposição. Este é o espírito da coisa…