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Gil Santos
Publicado em 2 de março de 2023 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
O vereador de Caxias do Sul (RS), Sandro Fantinel (Patriotas), fez comentários preconceituosos contra os baianos e agora poderá responder por isso nas justiças civil e criminal. Outra ação, dessa vez conjunta das defensorias públicas da Bahia e do Rio Grande do Sul, abrirá representação contra o parlamentar também na Câmara Municipal. Já a Procuradoria Geral do Estado vai acionar o Ministério Público.>
Na terça-feira (28), Fantinel subiu à tribuna da Câmara Municipal de Caxias do Sul e destilou comentários preconceituosos em relação aos nordestinos. O motivo foi o resgate de 207 trabalhadores de vinícolas que viviam em condições análogas à escravidão e a ação do Ministério Público do Trabalho que cobrou os responsáveis. De todos os resgatados, 198 são baianos. O vereador tomou partido dos empresários.>
“Não contratem mais aquela gente lá de cima. Contratem argentinos. São limpos, trabalhadores, corretos e quando vão embora ainda agradecem pelo trabalho", disse, em sessão gravada. "Nunca tivemos problema com um grupo de argentinos. Agora com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. E que isso sirva de lição. Que vocês deixem de lado esse povo que está acostumado com Carnaval e festa", continuou.>
Na manhã do dia seguinte, as duas Defensorias Públicas divulgaram uma nota conjunta de repúdio. A coordenadora do Núcleo de Equidade Racial da DPE-BA, Vanessa Nunes, explicou que a atuação será em três frentes. A primeira medida será representar contra o vereador na Câmara Municipal onde ele atua para que haja apuração e punição por falta de decoro, que pode levar a perda do mandato.>
“O segundo ponto será a busca pela representação criminal desse vereador. O discurso incide na prática do crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei 7716/89, porque ele discrimina pessoas em razão da sua procedência nacional. Ele discriminou um grupo de trabalhadores associando ao fato de serem baianos. Além disso, ele faz referências expressas a elementos da cultura negra, como o toque do tambor e o carnaval”, afirmou.>
A defensora explicou que pelo fato de o discurso ter sido transmitido através de um meio de comunicação, a TV Câmara, a pena aumenta, passa de 1 a 3 anos, para 2 a 5 anos. O fato dele ser agente público também eleva a pena, mas esse acréscimo é variável de caso a caso. As informações serão levadas à Polícia Federal e ao Ministério Público.>
“Tem outro crime dentro dessa fala, é que além dele próprio cometer o crime de racismo ele incita os produtores rurais da região a não contratarem pessoas oriundas da Bahia. Acontece que a Lei CAO, que reprime o racismo, diz que é crime deixar de contratar uma pessoa por conta da origem, cor ou procedência”, contou.>
A terceira frente vai avaliar a responsabilidade civil do vereador através de uma ação coletiva por danos morais. A Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA) informou que também vai entrar com representação contra Fantinel junto aos MPs federal e estadual e com uma ação indenizatória de reparação, de natureza compensatória, por dano moral.>
A procuradoria foi acionada pelo governador, Jerônimo Rodrigues (PT), que na terça-feira, emitiu repúdio ao pronunciamento do parlamentar. O prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), afirmou que medidas cabíveis precisam ser tomadas para que a apologia ao trabalho escravo não seja tratada como algo natural.>
“As falas do vereador do Rio Grande do Sul sobre os trabalhadores em situação de escravidão nas vinícolas são bizarras! Elas retratam a xenofobia e o racismo em sua pura essência. O que vinha acontecendo é inadmissível e precisa ser punido para jamais acontecer novamente”, escreveu o prefeito em sua conta no Twitter.>
Xenofobia é o medo, aversão ou a profunda antipatia em relação a estrangeiros ou a uma cultura, hábito, etnias ou religião diferente. É crime. No caso do vereador, os especialistas afirmam que há também racismo, já que ele faz referência ao tambor, elemento típico das religiões de matriz africana. O MP-BA e a OAB-BA também emitiram notas de repúdio.>
Em entrevista ao jornal Estado de SP, o vereador Sandro Fantinel disse que está sendo “mal interpretado” e que está sofrendo ameaças, pediu desculpas e disse que fará uma retratação. Nas redes sociais, onde o fato ganhou repercussão, o parlamentar segue em silêncio sobre o caso. Outras instituições pelo país avisaram que vão processar o edil.>
Expulsão No começo da tarde, o Patriotas informou que o vereador foi expulso da legenda. O partido classificou o discurso de Fantinel como "desrespeitoso e inaceitável" e disse que o tom foi maculado por "grave desrespeito a direitos constitucionalmente assegurados, como a dignidade humana", diz a nota.>
A Câmara Municipal de Caxias do Sul divulgou uma nota depois da repercussão do caso afirmando que não compactua com nenhuma manifestação de preconceito, discriminação, racismo ou xenofobia.>
"Ressaltamos que foi um posicionamento individual do parlamentar. Não traduz o pensamento e os valores da instituição e nem da totalidade dos vereadores. Também pedimos desculpas ao povo baiano e a todos os migrantes que se sentiram atacados, destacando que são todos muito bem-vindos em nossa Caxias do Sul", conclui o texto.>
Dos 207 trabalhadores resgatados em situação degradante, 198 são baianos. Eles viviam em condições precárias, com alimentação estragada, jornadas de trabalho das 4h às 21h, sofriam castigos físicos e tinha outros direitos trabalhistas desrespeitados. O sofrimento acabou quando três deles conseguiram fugir e pediram socorro a polícia.>
Segundo caso em menos de um mês Esse foi o segundo caso de xenofobia contra os baianos em menos de um mês. No dia 5 de fevereiro, durante uma live no Facebook o deputado federal pelo Rio Grande do Sul Maurício Marcon (Podemos) classificou a Bahia como um Haiti, fazendo uma comparação pejorativa entre o estado e o país caribenho situado na América Central, como sendo locais “sujos e pichados”.>
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Eduardo Rodrigues, afirma que é preciso fazer uma clara distinção entre liberdade de expressão e crime. Ele contou que preconceitos de origem foram intensificados a partir de 2014, com a polarização das eleições e o uso mais intenso das redes sociais.>
“É importante ressaltar que a Constituição veda qualquer tipo de preconceito e replica a Declaração Universal de Direitos Humanos no que se refere a preconceito de raça, religião e origem, a xenofobia. Nossa sociedade é regulada pela lei, e não pela liberdade de expressão. A declaração do vereador, por exemplo, culpa a vítima por exigir um direito garantido por lei, isso não é liberdade de expressão”, explicou.>
Em novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a considerar como crime de racismo os atos que discriminam brasileiros que vivem no Nordeste. A decisão foi influenciada pelas manifestações que ocorreram durante a campanha eleitoral de 2022. Além disso, a Legislação é clara em relação aos preconceitos.>
“A Lei Nº 9.459/97 enquadra aqueles que possam vir a praticar, induzir, incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Além disso, quem comete xenofobia é passível a reclusão de um a três anos e multa”, afirmou.>