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Carol Neves
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 13:42
A Black Friday, que se tornou um dos dias mais aguardados do ano para o varejo, percorreu um longo caminho até assumir o formato atual. A data que leva multidões às lojas - físicas e virtuais - já foi usada para descrever crises financeiras, congestionamentos incontroláveis e até epidemias de faltas ao trabalho. Décadas depois, a expressão ganharia novo sentido, se tornaria símbolo da temporada de compras nos Estados Unidos e, mais tarde, seria exportada para países como o Brasil, onde segue em expansão.
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No mercado brasileiro, o impacto é expressivo. Em 2024, a Black Friday movimentou R$ 7,93 bilhões apenas no comércio eletrônico, considerando o período que vai do início da semana promocional à segunda-feira seguinte, segundo a Abiacom. Para 2025, a entidade projeta um avanço de 14,5%, com previsão de alcançar R$ 9,08 bilhões em vendas online.>
Da calamidade às compras: o termo antes das promoções>
Muito antes de se tornar sinônimo de descontos, “Black Friday” surgiu associado a momentos sombrios. Como explica o linguista Benjamin Zimmer, o adjetivo “negro” era usado há séculos para nomear calamidades. A primeira utilização registrada nos EUA aconteceu em 1869, quando os especuladores Jay Gould e James Fisk tentaram controlar o mercado de ouro na Bolsa de Nova York. A intervenção federal derrubou os preços e gerou grandes prejuízos - e a expressão, naquele contexto, serviu para batizar a crise.>
Com o passar dos anos, outros elementos foram moldando a cultura de compras pós-Thanksgiving. O primeiro desfile de Papai Noel, organizado pela loja canadense Eaton’s em 1905, inaugurou um ritual que marcava o início da temporada de festas. A Macy’s adotou a ideia e, em 1924, realizou seu primeiro desfile em Nova York, com animais do zoológico do Central Park e funcionários da loja comandando o evento. Quando o Papai Noel aparecia no fim da parada, começava também a corrida às compras de fim de ano.>
Dia de Ação de Graças mudou de data por pressão do comércio>
A ligação entre o varejo e o período festivo ficou ainda mais evidente em 1939. A última quinta-feira daquele novembro caía justamente no último dia do mês - reduzindo o tempo disponível para as compras de Natal. Lojistas pressionaram o presidente Franklin Roosevelt, que autorizou o adiantamento do feriado em uma semana. A decisão provocou confusão nacional: por três anos, estados celebraram o Dia de Ação de Graças (tradicional Thanksgiving) em dias diferentes, num período apelidado de “Franksgiving”. Só em 1941 o Congresso padronizou a data na quarta quinta-feira de novembro, garantindo uma semana extra para o varejo.>
A sexta-feira seguinte ao feriado também ganhou fama fora do universo das promoções. Em 1951, uma newsletter do setor industrial descreveu a “síndrome da sexta-feira após o Thanksgiving”, destacando o aumento das faltas de funcionários. Para quem precisava trabalhar, dizia a circular, a Black Friday parecia quase tão desgastante “quanto a peste bubônica”.>
Nasce a Black Friday moderna>
Veja lojas que estão com Black Friday
A versão que mais se aproxima da Black Friday atual começou a ganhar forma no início dos anos 1960, em Filadélfia. Policiais locais adotaram a expressão para reclamar do caos que se instalava no centro da cidade após o feriado: trânsito paralisado, lojas superlotadas e aumento de furtos. A popularização do termo incomodou comerciantes, que tentaram substituí-lo por “Big Friday” - mas a mudança não pegou.>
Com o tempo, lojistas passaram a reinterpretar o nome de maneira mais vantajosa. Divulgaram a ideia de que a Black Friday marcava o momento em que as contas das lojas saíam do vermelho e voltavam ao azul, sinalizando lucro. Não há evidências de que essa leitura contábil tenha realmente determinado o nome, mas o período das festas representa, de fato, boa parte dos gastos anuais dos consumidores - ainda que isso não se traduza necessariamente em margens largas.>
Mesmo assim, o termo demorou a se espalhar pelo país. Ficou restrito à Filadélfia e arredores até os anos 1980, começando a se expandir nacionalmente só em meados dos anos 1990. A liderança como maior dia de compras do ano também veio tarde: apenas em 2001 a sexta-feira superou o sábado em volume de vendas nos EUA.>
Efeito dominó: a “Sexta Negra” cruzou fronteiras>
A adoção crescente da data nos EUA chamou atenção de outros países. No Canadá, varejistas passaram a promover suas próprias liquidações para evitar que consumidores cruzassem a fronteira em busca de ofertas americanas. No México, a campanha ganhou nome próprio: El Buen Fin, inspirado no aniversário da Revolução Mexicana e estendido ao fim de semana inteiro.>
No Brasil, mesmo sem o feriado de Ação de Graças no calendário, a Black Friday entrou no radar do comércio quando lojistas perceberam o potencial de vendas. A data foi incorporada rapidamente ao ciclo promocional e hoje concentra campanhas que se expandem por vários dias — e, em alguns casos, permanecem após a sexta-feira oficial.>
Tradição ampliada>
Em 2011, o Walmart rompeu a tradição de esperar a madrugada da sexta-feira e abriu as portas já na noite da Ação de Graças, criando a chamada “Quinta-feira Cinza”. Desde então, consumidores americanos passaram a antecipar as compras logo após o jantar de peru, um universo estimado em 33 milhões de pessoas.>
No Brasil, a tendência é parecida: promoções começam antes, terminam depois e se estendem por toda a semana e até todo o mês de novembro. >