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Estadão
Publicado em 17 de junho de 2024 às 07:37
Com apenas um ano e quatro meses de atividades, a atual legislatura da Câmara dos Deputados já registrou mais de duas dezenas de incidentes de brigas - físicas e verbais - entre parlamentares durante o exercício da atividade política. Responsáveis por avaliar a punição dos colegas por quebra de decoro, os deputados integrantes do Conselho de Ética julgaram 29 representações entre 2023 e 2024 e arquivaram todos os casos, aplicando a pena máxima de censura verbal ou escrita aos deputados infratores. Essa improdutividade levou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a criar a suspensão cautelar como novo método de punição.>
A suspensão cautelar proposta por Lira e aprovada pela Câmara na quarta-feira passada dá à Mesa Diretora o poder de sugerir a suspensão do mandato de deputados brigões em até seis meses, com prazos curtos para o julgamento.>
Seguindo o rito deste novo recurso, o Conselho de Ética será responsável por julgar a decisão da Mesa em até três dias após a comunicação, com a possibilidade de recurso no plenário, que apreciará o caso na sessão imediatamente subsequente. São necessários 257 votos para manter a decisão da Mesa, que é composta pelo próprio Lira, os dois vice-presidentes e os quatro secretários.>
O presidente do colegiado, Leur Lomanto Júnior (União Brasil-BA), diz que o Parlamento vive um "grave momento" frente ao grande número de brigas.>
"A que ponto estamos chegando, parlamentares se digladiando em comissões. Vai chegar ao ponto que, daqui a pouco, pode acontecer um crime, alguém atirar em algum parlamentar", afirma. Leur completa que a ineficiência ocorre em razão dos acordos entre os partidos feitos nos bastidores. "Não adianta uma representação chegar e depois haver reuniões entre partidos A, B e C para fazer acordo político e salvar deputado.">
Acontecimentos que se desdobraram no dia 5 de junho deste ano foram o estopim para a ação de Lira. Durante sessão do Conselho de Ética que arquivou representação contra André Janones (Avante-MG), deputados trocaram ofensas e ameaças em múltiplas oportunidades. As cenas foram amplamente divulgadas nas redes sociais.>
Tensão>
Nesse mesmo dia, em uma também tumultuada sessão na Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luiza Erundina, de 89 anos, passou mal enquanto lia relatório e precisou ir ao hospital, onde ficou internada numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Ela recebeu alta do hospital depois de três dias.>
Poucos minutos depois do tumulto, Delegado Éder Mauro (PL-PA), um dos deputados mais brigões, não aguentou a provocação de um militante de esquerda e partiu para cima dele. O deputado deu um empurrão e um assessor dele deu um tapa na cara do ativista.>
Mesmo depois de se envolver na briga, Janones se sentiu empoderado. "Uma dúvida? Continua autorizado? Se sim, digitem: Janones eu autorizo. O pau vai voltar a comer pra cima do gado!", escreveu o deputado no X (ex-Twitter).>
Esse é um assunto que incomodava Lira desde o ano passado. "Não podemos mais continuar assistindo aos embates quase físicos que vêm ocorrendo na Casa e que desvirtuam o ambiente parlamentar", comentou o presidente da Câmara nesta terça-feira, 13.>
Logo no começo do ano, ele fez uma reprimenda pública ao mau comportamento dos parlamentares, dizendo que xingamentos e ofensas seriam retirados das notas taquigráficas. Isso não surtiu efeito.>
As brigas quase sempre ocorrem ou em caso de visita de ministros do governo Lula ou em votação de pautas ideológicas caras a petistas ou a bolsonaristas. Um episódio em abril de 2023, com apenas dois meses de reinício de atividade legislativa, exemplifica o nível das brigas ao longo do ano. Na Comissão de Segurança Pública, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, foi prestar esclarecimento a parlamentares bolsonaristas sobre o 8 de Janeiro e uma ida à Favela da Maré, no Rio de Janeiro. A sessão precisou ser interrompida frente ao imenso tumulto entre deputados ao longo de toda a sessão.>
Primeiro, Carla Zambelli (PL-SP) foi pega xingando. "Tomar no c. .", disse ela ao reclamar de uma reclamação de um parlamentar governista. Poucos tempo depois, Gilvan da Federal (PL-ES) provocou e ameaçou a deputada constituinte Raquel Cândido, que visitava a Câmara e acompanhava a sessão. Depois, Márcio Jerry (PCdoB-MA) chamou Gilvan para "ir lá fora" para ver se o bolsonarista era "valentão". Em outro momento, Lídice da Mata (PSB-BA) se revoltou e começou a reclamar das provocações que recebia de deputados bolsonaristas. No meio dessa confusão, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) acusou Jerry de tê-la importunado sexualmente. Jerry negou ter feito isso.>
Ofensas>
Em um dos últimos casos dessa mesma sessão, Duarte Júnior (PSB-MA) chamou General Girão (PL-RN) de "velho", o que fez Girão partir para cima do parlamentar maranhense. "Não me chame de velho", rebateu Girão, com o dedo em riste.>
"Os deputados estavam se peitando. Tive que encerrar a sessão", comentou Sanderson (PL-RS), então presidente do colegiado, sobre o incidente. Dino saiu e bolsonaristas entoaram o coro de "fujão", todos com os celulares em mãos, gravando.>
Os casos de Zambelli e Zanatta foram ao Conselho de Ética - ambos arquivados. Ninguém foi punido pelo que aconteceu.>
O Conselho de Ética também é usado de forma banal pelos partidos Entre 2023 e 2024, aplicou apenas duas punições a parlamentares. Ambas não têm, praticamente, nenhum efeito.>
Foram punidos Nikolas Ferreira (PL-MG), que recebeu uma censura escrita por botar uma peruca, se identificar como "deputada Nikole" e pregar contra o feminismo, e Abílio Brunini (PL-MT), que recebeu uma censura verbal por tumultuar uma audiência pública movida por petistas em defesa dos palestinos, no confronto contra Israel.>
A censura é uma das cinco possíveis sanções aplicáveis pelo Conselho de Ética a um deputado e não tem nenhum efeito prático no exercício do mandato do parlamentar. Além disso, o colegiado pode suspender as prerrogativas parlamentares em até seis meses, suspender o mandato do deputado em até seis meses ou cassar o mandato.>
PISÃO NO PÉ>
Até o momento, o Conselho já recebeu 34 representações, votou pelo arquivamento de 29, o partido autor retirou o pedido em duas oportunidades e o presidente indeferiu outra ação. Restam avaliar dois outros casos.>
Em alguns casos, a discussão foi banalizada. O PT chegou a fazer uma representação contra o deputado José Medeiros (PL-MT) por pisar no pé do parlamentar Miguel Ângelo (PT-MG). Medeiros alegou que a pisada foi sem querer.>
O vale-tudo prosseguiu nos meses seguintes. Outros casos, como o tapa na cara dado por Washington Quaquá (PT-RJ) em Messias Donato (Republicanos-ES), sequer foram parar no Conselho de Ética da Câmara.>