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Reversão de procedimentos estéticos ganha força: entenda o que está por trás desse comportamento

Movimento sugere uma mudança nos padrões e na forma como o corpo é percebido

  • Foto do(a) author(a) Perla Ribeiro
  • Foto do(a) author(a) Agência Einstein
  • Perla Ribeiro

  • Agência Einstein

Publicado em 31 de julho de 2025 às 09:48

Reversão de procedimentos estéticos ganha força: entenda o que está por trás desse comportamento
Reversão de procedimentos estéticos ganha força: entenda o que está por trás desse comportamento Crédito: Shutterstock

O número de remoções de próteses mamárias mais que dobraram entre 2019 e 2023 no Brasil, saltando de 19.355 procedimentos para 41.314, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. Já no Reino Unido, a Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos Estéticos mostra que houve uma queda de 27% na procura por preenchimentos faciais em 2023 em relação ao ano anterior. Nos Estados Unidos, houve uma redução de 14% nas aplicações de preenchimentos em 2022 comparado a 2021. 

Os números confirmam que, após a onda de preenchimentos faciais e outras mudanças em diferentes partes do corpo, tem crescido a busca por reverter procedimentos estéticos que já foram considerados sinônimo de beleza. Impulsionado por celebridades e influenciadores, o movimento sugere uma mudança nos padrões e na forma como o corpo é percebido. A onda do momento é uma busca pelo retorno ao natural.

Embora não existam dados oficiais sobre reversão de procedimentos estéticos no Brasil, especialistas relatam um aumento expressivo na procura por esse tipo de intervenção. Segundo o dermatologista Daniel Coimbra, coordenador do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o crescimento se concentra especialmente em casos de preenchimentos aplicados de forma inadequada — algo comum na onda de procedimentos que prometem a “harmonização facial”.

“Muitas vezes, ela é realizada sem critérios técnicos, com produtos de baixa qualidade ou por profissionais não qualificados, o que traz riscos à saúde e à autoestima dos pacientes”, resume Coimbra. Segundo o dermatologista da SBD, os procedimentos mais frequentemente revertidos envolvem preenchedores de ácido hialurônico, principalmente quando aplicados em excesso, em regiões anatômicas inadequadas ou com a promessa de transformar traços faciais. Os preenchimentos em lábios, olheiras e mandíbula estão entre os que mais motivam a busca por hialuronidase, enzima usada para dissolver o ácido hialurônico.

Uma das principais razões para a reversão dos procedimentos é a sensação de que a harmonização facial acaba, paradoxalmente, deixando o rosto menos natural. De acordo com o cirurgião plástico Murillo Fraga, do Einstein Hospital Israelita, o principal grupo que procura esse tipo de correção tem entre 40 e 55 anos. “A realização de procedimentos não cirúrgicos em série acaba por deixar o rosto mais artificial. Esses pacientes não se enxergam mais”, relata Fraga.

Complicações e reações 

Problemas de saúde também estão entre os motivos que levam pessoas a buscar a reversão. O cirurgião plástico do Einstein observa que os procedimentos mais recorrentes em seu consultório envolvem preenchedores de ácido hialurônico aplicados nas pálpebras, nos lábios e na mandíbula. “Apesar de ser absorvível, o ácido hialurônico pode atrair água e causar um edema crônico”, alerta.

Mas há casos mais complexos, especialmente quando foram utilizados materiais permanentes que não respondem a enzimas como a hialuronidase. São exemplos substâncias como o polimetilmetacrilato (PMMA) e o silicone. “Esses casos são difíceis, porque esses produtos se entremeiam nos tecidos e não é possível fazer a retirada completa”, afirma Murillo Fraga. Além dos preenchedores, o uso crescente de bioestimuladores tem gerado complicações, como nódulos — uma reação do organismo à substância que às vezes exige intervenção cirúrgica.

Próteses mamárias também podem causar efeitos adversos e levar ao explante. Um dos fatores é a síndrome autoimune induzida por adjuvantes (ASIA), conhecida como “doença do silicone”, associada a sintomas como dores musculares, fadiga crônica, ansiedade e inflamações sistêmicas. Outras complicações conhecidas são a contratura capsular e a ruptura das próteses.

Insatisfação persistente

Fatores psicológicos e de identidade também podem estar por trás da decisão de reverter procedimentos estéticos — especialmente quando a nova aparência deixa de corresponder à autoimagem da pessoa. “Em casos em que o indivíduo somente se arrependeu, acredito que ele possa simplesmente não ter se reconhecido com a mudança pós-intervenção e deseje voltar ao que era”, analisa a psicóloga clínica Rogéria Taragano, coordenadora do Atendimento Ambulatorial em Anorexia Nervosa, do serviço de psicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP).

No entanto, o fenômeno pode ser mais complexo quando envolve uma insatisfação persistente, o que pode indicar a presença de transtornos psicológicos subjacentes. O principal é o transtorno dismórfico corporal (TDC), uma condição psicológica em que o paciente vivencia uma avaliação negativa sobre sua imagem, com intenso sofrimento psíquico e respostas emocionais que podem incluir vergonha, aversão, ódio, ansiedade e até nojo em relação ao corpo. “Tais sentimentos podem levar inclusive a comportamentos autolesivos e pensamentos suicidas”, observa Taragano.

Dados quantitativos corroboram a prevalência significativa do TDC em ambientes de clínicas estéticas. Uma meta-análise publicada na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica revelou que cerca de 12,5% dos pacientes candidatos ou submetidos a procedimentos estéticos apresentavam diagnóstico do transtorno, percentual muito superior à estimativa na população geral, que gira em torno de 2%.

Outro fator relevante é o impacto das redes sociais e filtros presentes em plataformas como Instagram e TikTok na percepção corporal das pessoas, especialmente as mais jovens e vulneráveis psicologicamente. “O efeito negativo [dos filtros] tem sido bastante significativo, como observamos em nosso trabalho clínico”, afirma Rogéria Taragano.

“São indivíduos que tendem a comparar a própria imagem real com aquelas manipuladas das redes sociais, modificadas inclusive através de inteligência artificial. Com isso, vivenciam elevados níveis de insatisfação corporal, perfeccionismo, baixa autoestima, reclusão social, ansiedade e sintomas de depressão.”

Nem tudo pode ser revertido

A busca crescente por reversões de procedimentos estéticos representa desafios técnicos e éticos para os profissionais de saúde. Para o dermatologista da SBD, uma das principais dificuldades está no desconhecimento sobre o produto previamente aplicado, a quantidade usada e a profundidade da aplicação.

“Muitas vezes, o paciente não sabe qual substância foi usada, se é absorvível ou permanente e em que áreas ela foi injetada. Além disso, uma aplicação mal feita pode comprometer os planos anatômicos da face, gerar fibroses e assimetrias de difícil correção”, diz Daniel Coimbra.

Em muitos casos, a reversão completa não é possível, especialmente quando envolve biopolímeros ou materiais não aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Mesmo quando o produto utilizado foi o ácido hialurônico, fazer a reversão pode demandar muitas sessões de hialuronidase e não reverter completamente, pois sua aplicação em excesso pode levar a alterações nos tecidos injetados”, adverte o dermatologista.

A orientação adequada dos pacientes é outro desafio. Para Murillo Fraga, esse papel deve ser do médico, que precisa agir com ética e transparência ao indicar os procedimentos mais apropriados para cada faixa etária. “Envolve também dizer a verdade: depois de uma determinada alteração, não dá para continuar insistindo em procedimentos não cirúrgicos”, afirma o cirurgião do Einstein. “Esse é o ponto fundamental: quando existe uma perda do posicionamento anatômico das estruturas, não há nenhuma tecnologia capaz de devolver a anatomia para o local correto novamente.”

Esse cuidado se torna ainda mais importante diante da regulamentação sobre quem está autorizado a realizar essas intervenções. No Brasil, diferentes categorias profissionais — como dentistas, biomédicos, farmacêuticos e fisioterapeutas — têm autorização para realizar procedimentos minimamente invasivos, como aplicação de ácido hialurônico e toxina botulínica, mediante certificações específicas de seus conselhos profissionais. Essa diversidade amplia o acesso, mas dificulta a fiscalização uniforme da qualidade e segurança das aplicações.

“A responsabilidade ética do médico está em recusar intervenções desnecessárias e identificar possíveis sinais de transtornos de autoimagem, como a dismorfia corporal”, defende o especialista da SBD. “A consulta médica deve ser mais do que técnica: é um momento de escuta, orientação e construção conjunta de objetivos realistas. O bom profissional não realiza o que o paciente ‘pede’; ele propõe o que o paciente realmente precisa.”