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Carol Neves
Estadão
Publicado em 19 de agosto de 2025 às 07:53
Por decisão unânime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso apresentado pela defesa da juíza aposentada Sonja Farias Borges de Sá e manteve sua condenação a três anos e três meses de prisão, em regime semiaberto, pelo crime de peculato-desvio. >
Sonja foi acusada de utilizar servidores comissionados do Judiciário para atividades de cunho pessoal, entre 2005 e 2007, enquanto atuava como magistrada na Comarca de Jaciara (MT), a 143 km de Cuiabá. Entre as funções desempenhadas pelos servidores, segundo os autos, estavam tarefas como babá de seu filho, motorista, jardineiro, segurança, secretária pessoal, cuidador de animal de estimação, além de realização de compras e pagamentos de contas particulares.>
Durante esse período, a magistrada vivia em Curitiba (PR), a mais de 1.500 quilômetros de Jaciara. O prejuízo aos cofres públicos foi estimado em R$ 145 mil, valor correspondente aos salários pagos pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso aos servidores utilizados de forma indevida.>
“Subterfúgio para acessar a remuneração”>
O relator do caso no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, afirmou que os elementos probatórios comprovaram o desvio de função dos servidores, contratados formalmente como comissionados do Judiciário, mas usados para fins particulares.>
“O fato é que a Corte estadual manteve a condenação da agravante com base em uma análise detalhada dos elementos probatórios que confirmaram a materialidade e autoria do delito de peculato”, declarou o ministro.>
Segundo ele, o desvio não consistia no uso indevido de servidores já ativos, mas na nomeação de pessoas com o único objetivo de servir à magistrada em tarefas domésticas, sob salário público. “Note-se que a conclusão da Corte estadual foi no sentido de que não se tratava de servidores públicos que foram desviados de sua função, mas de indivíduos admitidos em cargo de confiança com o exclusivo propósito de prestar serviços particulares para a então magistrada.”>
Reis Júnior destacou ainda que Sonja estava afastada por licença médica durante parte do período em questão, o que reforça o caráter irregular das nomeações.>
Testemunhos confirmam desvios>
Depoimentos colhidos durante o processo reforçaram as acusações. Uma testemunha declarou que foi contratada para controlar a agenda da juíza, cuidar de seu filho e pagar suas contas. Outra disse ter atuado como secretária particular em Curitiba, enquanto um terceiro afirmou que, embora nomeado como agente de segurança em Jaciara, prestava serviços como babá, motorista e jardineiro na casa da magistrada, também em Curitiba.>
O acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso apontou que “mesmo que as atribuições dos cargos de secretária e agente de segurança pudessem ser desempenhadas em local diverso do gabinete da magistrada, é certo que a realização de atividades de cunho doméstico [...] configura, inegavelmente, a hipótese de peculato-desvio”.>
Defesa alega falta de dolo e recorrerá ao STF>
A defesa de Sonja, representada pelos advogados Francisco Monteiro Rocha Jr. e João Rafael de Oliveira, afirmou que irá apresentar novos recursos ao próprio STJ, além de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF). Para os advogados, ainda há questões não analisadas pela Corte, como o entendimento do próprio STF que, segundo eles, não considera crime o uso de serviços públicos se não houver apropriação de bem móvel, citando precedente da Ação Penal 504.>
Além disso, os defensores alegam que, em ação civil sobre os mesmos fatos, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso reconheceu ausência de dolo por parte da magistrada, decisão que já teria transitado em julgado. Segundo eles, os assessores foram cedidos com autorização do próprio tribunal.>
Em nota, a defesa declarou:>
“A luta contra os desmandos e ilegalidades no âmbito do Poder Judiciário não pode se frustrar com a criminalização de bodes expiatórios, ao arrepio de entendimentos jurídicos consolidados e de um processo justo.”>
Redução de pena>
Na primeira instância, a pena imposta foi de seis anos de reclusão, mas o Tribunal de Justiça de Mato Grosso reduziu a sanção para três anos e três meses, decisão mantida pelo STJ. A defesa argumentou que a pena foi mal dosada e que o prejuízo ao erário foi considerado de forma genérica, sem fundamentação adequada.>
No entanto, o ministro Reis Júnior concluiu que a fixação do regime inicial semiaberto foi devidamente justificada e que não há motivo para revisar a condenação, pois não houve agravamento da pena na instância superior nem vícios na dosimetria aplicada.>