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Esther Morais
Metrópoles
Publicado em 1 de dezembro de 2025 às 09:13
Morto no domingo (30) após invadir a jaula de uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa (PB), o jovem Gerson de Melo Machado, de 19 anos, teve uma trajetória marcada por transtornos, abandono e sucessivos desafios. Conhecido como alguém que desde a infância alimentava o sonho de viajar para a África para “domar leões”, ele cresceu sob acompanhamento de órgãos de proteção. >
A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhou Gerson por oito anos, relatou estar “arrasada” com a notícia. Segundo ela, o rapaz cresceu sem apoio familiar e enfrentou violações de direitos desde cedo. “Foi uma criança que sofreu todo tipo de violação. Filho de uma mãe com esquizofrenia, com avós também comprometidos na saúde mental, vivia numa pobreza extrema”, afirmou.>
Gerson chegou ao Conselho Tutelar pela primeira vez aos 10 anos, levado pela Polícia Rodoviária Federal após ser encontrado caminhando sozinho em uma BR. A partir daí, passou a integrar a rede de proteção da infância. Embora destituída do poder familiar, sua mãe ainda era procurada por ele. “Ele evadia do abrigo para ir atrás da mãe e da avó. Ele amava a mãe, mesmo ela não conseguindo cuidar dele”, disse Verônica. Em diversas ocasiões, a mulher chegou a pedir que o Conselho “o devolvesse”, incapaz de assumir sua guarda.>
Entre os irmãos, Gerson foi o único que não encontrou uma família adotiva - algo que, segundo a conselheira, se relacionava ao possível transtorno mental. “A sociedade quer adotar crianças perfeitas, algo impossível no acolhimento institucional, onde as crianças chegam por negligência extrema”, explicou.>
O sonho de Gerson em ir à África para “cuidar dos leões” era recorrente e relatado por ele desde pequeno. Verônica lembra que o jovem chegou a tentar embarcar clandestinamente em um avião. “Ele cortou a cerca e entrou no trem de pouso de um avião da Gol. Agradeci a Deus quando viram pelas câmeras antes que uma tragédia acontecesse”, disse ela. >
Para a conselheira, a morte encerra uma vida marcada por desamparo. “Ele descobriu tarde demais que a leoa não era uma gata e que não se doma um animal desses sem conhecimento. Mas ele não tinha juízo suficiente para isso.”>
Apesar das tentativas de intervenção, Gerson só recebeu diagnóstico formal de transtorno mental na adolescência, quando entrou no sistema socioeducativo. “Era visivelmente uma criança com transtornos graves, mas só no sistema foi diagnosticado”, afirma Verônica. Ela lembra de discussões com equipes de saúde mental que, por anos, classificaram o comportamento do garoto apenas como indisciplina.>
A Prefeitura de João Pessoa confirmou à CNN Brasil que Gerson acumulava passagens pela polícia desde a adolescência - foram dez registros ao todo. Ele havia sido liberado da prisão dois dias antes do episódio no zoológico.>
De acordo com nota oficial da Prefeitura, o jovem escalou um muro de mais de 6 metros, ultrapassou as grades de proteção e usou uma árvore como apoio para entrar no recinto da leoa. Imagens registradas por visitantes mostram o momento em que ele desce pela árvore até a área interna. O animal, que estava deitado, atacou assim que ele se aproximou. Gerson morreu em decorrência dos ferimentos.>
A Polícia Militar e o Instituto de Polícia Científica foram acionados, e o parque foi imediatamente fechado. As visitas seguem suspensas, sem previsão de reabertura.>
Segundo Verônica, o caso resume a trajetória de um adolescente que nunca recebeu o cuidado necessário: “A história dele é a de um menino que só queria conhecer a África para domar leões. E que viveu sem o apoio que precisava.”>
Vídeo mostra momento em que homem entra em jaula de leoa, é atacado e morre, em zoológico de João Pessoa