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Publicado em 30 de julho de 2025 às 05:00
Certa vez, ainda estudante do primário, meu pai me deu a seguinte lição: nunca se contente com uma resposta. Sempre indague o porquê de tudo que lhe ensinam. E assim segui minha vida acadêmica, com a mão levantada, questionando. De fato, ele estava certo. >
O conhecimento inicia na pergunta, no momento em que alguém se questiona sobre algo e busca respostas. E quanto mais respostas conseguimos, mais perguntas surgem e o conhecimento se amplia. Esse é também o princípio da Psicanálise. As perguntas ajudam o paciente a explorar seu inconsciente, desvendar padrões de comportamento e se conhecer um pouco mais. >
A pergunta torna-se, então, o centro do conhecimento e do autoconhecimento. E o que isso tem a ver com Inteligência Artificial (IA) e Direito? >
Boa parte do trabalho dos operadores do Direito (sejam eles advogados, magistrados ou outros agentes do Sistema de Justiça) hoje conta com o auxílio da IA. Mas para usar todo o potencial da IA, saber perguntar é essencial. É a forma como se elabora a pergunta (o famoso “prompt”) que vai determinar a qualidade e a profundidade da resposta. >
Não é à toa que especialistas nesta área afirmam que ter vocabulário e saber se expressar são requisitos fundamentais para obter o melhor proveito de ferramentas como ChatGPT, Gemini, DeepSeek, entre tantas outras disponíveis. Esse é, portanto, um diferencial importante. Mas tão importante quanto isso é ter senso crítico e um filtro bem apurado. Porque não foram poucas vezes em que assistentes de IA inventaram jurisprudências e deixaram operadores do Direito em situações difíceis. >
A época em que vivemos tem sido chamada de “era da infodemia”. É muita informação e pouca reflexão. E é isso que o uso da IA requer: profissionais com observação analítica, que não se contentam com a primeira resposta.>
A advocacia, por exemplo, é tratada na Constituição da República como indispensável à Justiça. Mas para que advogados e advogadas tornem-se de fato indispensáveis, é preciso bagagem, repertório e pensamento inquieto. Até porque sempre vai existir soluções que ninguém nunca pensou e a IA não vai poder entregar, porque não estará na sua base de dados. Assim, vale a reflexão: por mais surpreendente que os resultados da IA possam parecer e por mais que ela se coloque como “o discípulo superando o mestre”, não devemos deixar de tratá-la como a nossa estagiária. É preciso revisar e criticar. Jamais perder a capacidade de raciocinar o Direito. >
Afinal, existe uma grande diferença entre a experiência da vida real e as informações armazenadas em um banco de dados de um grande servidor. Em tempos de IA, portanto, o diferencial no Direito será saber pensar criticamente para elaborar a pergunta certa para a “estagiária” certa. >
Observação: este texto não foi feito com ajuda da IA.>
Renata Suñé é advogada e mestranda em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Ufba>