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Publicado em 29 de junho de 2015 às 06:09
- Atualizado há 2 anos
Criar o próprio fermento pode sujar a cozinha inteira de farinha. Quem não quer enfrentar o desafio tão cedo, pode comprar iguarias já prontas (Foto: Divulgação)Há anos, desde que O Homem que Comeu de Tudo, Jeffrey Steingarten, descreveu a aventura de criar e alimentar seu próprio levain, o fermento natural de pães, fiquei tentado – e muito tentado – a criar meu levain e assar pães fantásticos, de crosta firme, estalando ao ser partida com a faca, com miolo consistente, no ponto certo entre o doce o azedo. >
Isso tem mais de 15 anos. O que tem feito com que eu vá adiando – botemos adiamento nisso – meu próprio levain é que Steingarten gastou uma quantidade imensa de água e farinha e tempo, muito tempo, entre experimentação, fracassos sucessivos e tentativas frustradas, até conseguir um fermento natural bem razoável. Para descobrir, ao fim das experiências, que tanto quanto um bom levain, é importante, fundamental, um bom forno. De preferência, de tijolos refratários. >
Anthony Bourdain fala do fermento natural num de seus livros e lembra que o responsável pelos pães tratava o levain como besta, “monstro mãe branca”. Um ser vivo que precisa ser alimentado e cuidado para que não se vire contra o criador. >
O levain pode ser começado sempre com farinha e água. Há dezenas de receitas pela internet. Mas é bom ter um livro ou dois que sirvam de referência, caso você se aventure a tentar. >
Alguns padeiros aceleram o processo do fermento natural com a adição de frutas e até cebola. Olivier Anquier, que já foi o padeiro mais famoso do Brasil, começa o levain com a fermentação de uma maçã verde. Para só depois incorporar farinha e água. >
Lionel Poilâne, o homem que redescobriu o levain na França, no livro Faire son pain, Faça seu Pão, ensina a começar a fermentação com 1/9 da farinha e da água que se pretende usar e deixá-lo coberto durante dois ou três dias para que as bactérias e leveduras naturais possam despertar e se multiplicar. >
Um conselho: use água mineral. Algumas receitas usam água com gás e outras sem gás. Ao que tudo indica, o cloro interfere no processo de fermentação. O pão de Poilâne, que morreu em 2002 num acidente de helicóptero na França, continua sendo um dos mais famosos de Paris. O pain au levain que tornou a padaria conhecida no mundo todo, uma peça de três quilos feita com trigo especial, continua sendo produzido. E conquistando fãs. >
Bem, enquanto não me aventuro a inundar minha cozinha de farinha em busca de um levain que beire à perfeição, vou comprando pain au levain aqui mesmo em Salvador. O Armazém 63 na Ceasinha do Rio Vermelho está fazendo pães fantásticos. O pão bola é perfeito para bruschettas. O pão integral com nozes e passas é delicioso. E os ciabattas vão muito bem com presunto cru e queijos. >
Eu já congelei os pães e, depois de descongelar em temperatura ambiente, pré-aqueci o forno por cinco minutos, desliguei o fogo e deixei o pão por outros cinco minutos. A casca voltou a ficar estalando, a massa ressuscitou. >
Jorge não entrega de jeito nenhum a receita do levain. Só deixa escapar que já usou caldo de cana para acelerar o processo de fermentação. Prefere dizer que o levain que usa é antigo e ganhou de um amigo. Fico devendo a receita do levain do Armazém 63, mas deixo a dica: os pães valem a pena.>
RECEITAS>
Pain au levain (Chef Olivier Anquier)>
Ingredientes>
1,5 kg de farinha de trigo comum>
30 g de sal>
600 g de levain de tout point>
950 g de água gelada>
Preparo>
Preaqueça o forno a 250°. Misture a farinha e o sal. Dissolva o levain na água. Misture bem todos os ingredientes numa vasilha até a massa começar a desgrudar dos dedos. Amasse-a em cima de uma mesa até ficar homogênea. >
Dê ao pão o formato que você desejar e coloque em uma assadeira ou uma forma. Cubra com um pano úmido e deixe crescer por 5 a 6 horas em uma temperatura de 24° a 27°. Polvilhe o pão com farinha de trigo. Faça cortes e leve para assar por cerca de uma hora e meia. Dá um pão de 3 kg.>
Levain do Olivier Anquier (Chef Olivier Anquier)>
Ingredientes>
1 maçã>
50g de açúcar cristal ou mascavo>
200g ou ¾ de xícara de água>
1 ralador>
1 pote de vidro com tampa>
Preparo>
Rale a maçã com casca e sementes. Misture com o açúcar. Coloque a mistura num pote de vidro. Coloque a tampa, mas não feche, para que os gases da fermentação possam sair ao longo dos dias. Coloque o pote de vidro em um armário fechado e, o mais importante, sem corrente de ar. A temperatura não deve ser muito quente nem muito fria. Deixe-o quieto e sossegado por 5 dias.>
Passados estes dias, quando abrir a tampa, um forte cheiro de álcool se desprenderá. Os fermentos estarão em plena forma. Adicione água. Misture bem para soltar o máximo de fermento nessa água. Coe a mistura com um pano, comprimindo bem o material sólido no final. A quantidade de líquido coado vai variar de acordo com o tamanho da maçã. >
Fabricação do levain: Agora o fermento muda de ambiente e de alimento. O alimento deixa de ser a maçã e passa a ser a farinha. Ele vai precisar de um tempo de adaptação a esse novo meio e aproveitar para adquirir seu sabor e força. Para isso, use 300g de farinha de trigo e separe 1 vasilha de vidro, cerâmica ou plástico e 1 pano limpo. >
Depois, Misture o líquido coado (escuro e carregado de fermento) com a farinha de trigo, formando uma massa. A massa não deve ficar nem muito seca, nem muito mole. Forme uma bola e deixe descansar em uma vasilha coberta com o pano limpo e bem úmido no mesmo lugar e condições que deixou o pote da maçã por 12 horas. Alimentação do fermento natural ou levain: O fermento se alimenta do açúcar encontrado no material onde ele vive e, à medida que absorve este açúcar, solta gás carbônico. >
Podemos observar este fenômeno quando depois de passadas 12 horas a massa adquire de 2 a 3 vezes o tamanho inicial. Se a sua parte superior parecer uma abóbada bem esticada, o levain estará no ponto para ser realimentado. Ele já comeu e digeriu todo o açúcar que encontrou em seu meio e precisa agora de uma nova farinha. >
Entretanto, se a parte superior da massa parecer um balão murcho, o levain passou do ponto, ou seja, acabou o açúcar e o fermento entrou em fase de fermentação alcoólica – início do processo de apodrecimento. Se isto acontecer você terá que reduzir o tempo de alimentação de 12 para 6 horas, por 2 a 3 dias. Cada vez que for alimentar o fermento vai retirar 200g de massa da vasilha e isto se chama chef ou massa mãe. Esse processo deverá ser repetido por 15 dias, só então estará pronto para ser utilizado. >