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André Uzeda
Publicado em 20 de julho de 2025 às 05:00
Não é exatamente uma novidade pontuar que personagens, fatos ou acontecimentos essencialmente populares dificilmente se perpetuam ou são celebrados na história oficial do Brasil. >
No entanto, é sempre simbolicamente forte constatar que um pelotão de negros voluntários, que defendeu o país na Guerra do Paraguai, não tenha o devido reconhecimento à altura da sua bravura incontestável.>
Estamos falando dos Zuavos Baianos. Uma companhia militar que, durante o segundo império, foi ao front de batalha nos chacos paraguaios desfilando destreza, elegantes uniformes e um fulminante poderio de ação.>
Os Zuavos Baianos eram abertamente inspirados nos Zuavos franceses – um destacamento de soldados de infantaria que, em 1831, lutou na Argélia durante a tomada do país africano pelos europeus.>
Os Zuavos originais já se destacavam pelo fardamento exemplar, enfileirando nas trincheiras com gorros vermelhos, largas bombachas (também vermelhas) e uma jaqueta azul cobrindo o torso.>
A popularidade deste exército foi tamanha naquele período que, ao redor do mundo, foi replicada em outras campanhas militares, como a Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1861-1865) e pelas tropas internacionais dos Papas Gregório 16 e Pio 9, no Vaticano.>
A Bahia também teve elegantes soldados para chamar de seus. Por aqui, com uma ou outra adaptação na farda, o mesmo requinte foi reprisado pelo grupamento tropical, formado exclusivamente por mestiços e negros baianos, entre escravizados e libertos.>
De acordo com o historiador Hendrik Kraay, professor da Universidade de Calgary, no Canadá, e dedicado pesquisador do tema, a Bahia enviou, até março de 1866, 11 tropas para o conflito no Cone Sul, “com um efetivo total de 638 homens”. >
Àquela altura, a guerra entrava em seu segundo ano e o Império brasileiro, diante das baixas provocadas pelo conflito, fazia constantes mobilizações para recrutar novos soldados e engordar as linhas de frente de batalha.>
Pelotão negro organizado por herói do 2 de julho>
O que chama a atenção para essa destacada companhia é justamente o recorte racial. Isso porque, em 1831, quando criou a Guarda Nacional, o exército brasileiro aboliu as últimas unidades segregadas nas Forcas Armadas brasileiras.>
“Desde então, o exército seria uma instituição formalmente cega à cor da pele, e que levava essa política ao extremo: na fé-de-ofício padrão não tinha lugar para indicar a cor do soldado”, escreve Kraay em seu artigo sobre o tema. >
A lógica obedecia um critério muito mais populacional do que efetivamente igualitário. Estima-se que, naqueles anos, o Brasil tinha uma população de dez milhões de pessoas, sendo um milhão e meio de homens e mulheres escravizados e quatro milhões de negros libertos. Para o exército, a fatia apta deste montante – homens em idade de alistamento, entre 18 a 50 anos – era vista como possível contingente para as batalhas.>
A chave para entender como um grupo exclusivamente formado por soldados negros foi moldado na Bahia está na figura de Quirino Antônio do Espírito Santo, um veterano herói negro que havia lutado na guerra de consolidação da Independência do Brasil na Bahia – aquela que culmina com a data cívica do nosso 2 de julho.>
Em janeiro de 1865, diretamente do Forte do Barbalho, em Salvador, Quirino Antônio usa seu enorme prestígio e se predispõe a organizar os soldados, batizando a tropa e mobilizando toda a sociedade baiana para conseguir roupas e mantimentos para o grupo. Ele se valia do decreto do Imperador Dom Pedro II, que criou os Voluntários da Pátria.>
Basicamente, a ordem imperial assegurava inúmeros benefícios aos homens que se alistassem na guerra, entre prêmios (de 300 mil réis), lotes de terra, assistência social e liberdade imediata aos escravizados.>
Zuavos Baianos na guerra>
A participação do pelotão negro não foi mera composição – ainda que muitos tenham sido usados como “bucha de canhão” no avanço de terreno pela infantaria. Os Zuavos Baianos estiveram em algumas das mais importantes batalhas no Paraguai, entre elas o Cerco de Uruguaiana e a Batalha de Yataí.>
As tropas chamavam a atenção também pela elegância. Após mais uma vitória do batalhão, o Conde D’Eu – genro de Dom Pedro II e que assumiu o comando da campanha militar brasileira após a demissão de Duque de Caxias – chegou a escrever que os Zuavos Baianos era “a mais linda tropa de todo o exército”.>
Daquele grupo se destacaria Cândido da Fonseca Galvão, mais tarde conhecido como Dom Obá II. Filho de pais alforriados e nascido em Lençóis, na Chapada Diamantina, Galvão se alistou na Terceira Companhia dos Zuavos Baianos. Ao fim da guerra, se mudaria para o Rio de Janeiro e ganharia enorme prestígio na sociedade carioca, virando até conselheiro do imperador.>
Idealizador da tropa e tenente da Primeira Companhia dos Zuavos, Quirino Antônio morreria em um hospital de campanha em Montevideo, capital do Uruguai. >
Apagamento histórico>
Apesar de ser uma histórica épica e com muitas camadas de heroísmo, os Zuavos Baianos não são lembrados oficialmente pelo exército brasileiro. Na própria Bahia, há poucas menções a respeito deste valoroso batalhão.>
“Tive enorme dificuldade para encontrar material à respeito dos Zuavos Baianos em minhas pesquisas nos arquivos oficiais, isso lá em 2015. Há um notável apagamento dos detalhes dessa história e, por isso, tanta gente não sabe nem sequer da existência dela”, constata o jornalista e escritor Jolivaldo Freitas, autor do romance ‘A Peleja dos Zuavos Baianos Contra Dom Pedro, Os Gaúchos e o Satanás’.>
Desde 2006, há um movimento, com apoio da Fundação Palmares, para que o exército brasileiro nomeie como Zuavos Baianos um destacado batalhão de infantaria, à exemplo do que acontece com os Dragões da Independência, que lutaram no 7 de setembro e hoje nomeiam o 1º Regimento de Cavalaria de Guardas, com a função principal de proteger as instalações da Presidência da República. O exército tem se mostrado reticente em fazer a homenagem.>
“Essa seria uma homenagem digna e que resgataria a histórias dos Zuavos Baianos. Mas, independemente disso, a sociedade civil também precisa se organizar e contar essa história”, diz Freitas.>
Essa coluna é uma homenagem a Júlia Sarmento, que primeiro me contou a história dos Zuavos Baianos, e a todos os descendentes dos heróicos soldados deste bravo pelotão.>