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A palavra poética como gesto político

Em vez da velocidade dos mísseis, o poeta nos propõe o ritmo das tartarugas — não por preguiça, mas por sabedoria

Publicado em 18 de junho de 2025 às 05:00

A contemporaneidade exige pressa, ligeireza. A poesia pede licença, convoca o sentir e a presença. A poesia nos impõe desacelerar, recuperar o desejo íntimo por aproximação. A palavra poética provoca os nossos olhares aguçando a percepção para as experiências cotidianas. Uma imersão no delírio da palavra. Escrever poesia é resistir à lógica do descarte, é se permitir a lentidão necessária para sentir.

Em tempos de ruído constante, escrever poesia é um ato subversivo. Quando o mundo exige pressa, o poema se recusa a correr. Ele caminha devagar, observa, recolhe vestígios do cotidiano e os transforma em matéria viva.

A poesia é uma forma de saber. Como dizia Manoel de Barros, “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”. Versos que convocam a percepção humana em uma confluência entre o olhar, a memória e a imaginação. Em vez da velocidade dos mísseis, o poeta nos propõe o ritmo das tartarugas — não por preguiça, mas por sabedoria. Na lentidão, vemos melhor. Na pausa, sentimos. A poesia, como a tartaruga, não tem pressa: ela carrega o mundo nas costas. Desacelerar o olhar, abrir espaço para a reinvenção da realidade por meio da linguagem.

Nessa esteira, Adélia Prado nos lembra que o tempo da vida e o tempo da poesia não se medem em produtividade, mas em presença. Em um de seus poemas, escreve: “Tem mesmo alguma coisa no mundo que obriga o mundo a esperar”. Assim, em um contrafluxo, a poesia aponta linhas de fuga e abre espaço para o humano. Em um movimento opositivo à desumanização, banalização das experiências, aos atropelos das falas e aos excessos ostentados, a poesia exige que nos demoremos nela.

Mas, nem toda resistência é silêncio. A palavra é território — e, a linguagem campo de disputa. Conceição Evaristo nos lembra disso quando afirma: “a nossa escrevivência não é para adormecer os da casa-grande, e sim para acordá-los de sonos injustos.” Sua poética, marcada pela escrevivência, nasce da vida — e da dor — de quem teve historicamente sua voz negada, como registra nos versos “e o silêncio escapou ferindo a ordenança e hoje o anverso da mudez é a nudez do nosso gritante verso que se quer livre”. Escrever, nesse contexto, é reexistir, transformar linguagem em presença. A escrita de Conceição Evaristo prova que a poesia pode dizer de delicadezas, mas também ser fio de navalha que corta profundo.

A poesia caminha junto ao tempo, mas o rasura. Enquanto tudo corre em retilíneo, a poesia gira em espiral. Por isso, resiste. A poesia está aí para lembrar que somos frágeis, lentos, múltiplos, contraditórios. A poesia serve para lembrar que sentir ainda importa.

Escrever poesia, hoje, é um gesto político. É manter viva a linguagem como ação. Em tempos de velocidade, escrever poesia é um movimento de resistência. Acima de tudo, é um gesto que afirma e celebra presenças.

Meg Heloise é poeta, professora, doutora em Literatura e Cultura (UFBA) e autora do livro Na Beira