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A cultura, como qualquer verdade, é um território em disputa

Leia o artigo na íntegra

Publicado em 9 de junho de 2025 às 14:18

Ator Frank Menezes em
Ator Frank Menezes em "Uma Vânia, de Tchekhov" Crédito: Diney Araújo/Divulgação

Essa semana o Correio publicou o artigo Critérios e despautérios da cultura, de Gil Vicente Tavares, professor da Escola de Teatro da UFBA, diretor e autor teatral nas horas vagas, no qual faz uma crítica, a meu ver, aligeirada e um tanto estrita, a um Edital de fomento lançado pela Fundação Gregório de Mattos, órgão responsável pelas ações diretas da gestão pública de cultura de Salvador.

Chamou minha atenção a insistência com que repete cinco vezes ao logo de seu texto o mote “originalidade, singularidade, criatividade, expressividade, autenticidade e inovação” que, a saber, são parte dos critérios de avaliação do citado Edital. Com peso 3, esse conjunto aglutinado de itens, referentes ao “Mérito artístico”, se soma a “Notoriedade do proponente e ficha técnica” (peso 5) e ao “orçamento” (peso 2).

O que o colega Gil Vicente parece nomear como despautério está na esfera do habitual, diria até previsível, sistema de avaliação presente nos diversos mecanismos públicos e privados existentes no país, como recentemente o Edital do CCBB que, em seu eixo curatorial, preconiza que irá avaliar aspectos como “diálogos, experiências e pluralidade”, dando ênfase a “Projetos que promovam o encantamento, que surpreendam e tragam novas perspectivas em suas linguagens artísticas”, portanto a primazia do novo não é, ironicamente, uma novidade.

E, de fato, na minha trajetória no teatro baiano, na qual estive de 1990 para cá em todos os lados dessa peleja (como artista, como produtor e como gestor e, nos últimos quinze anos como professor e pesquisador), vi inúmeras vezes a evocação do quanto de original, singular, criativo, expressivo, autêntico e inovador existe em um projeto de um espetáculo, para, através de dosimetrias subjetivas, atribuir pontos e valores a estes critérios.

Nas diversas comissões julgadoras e bancas que participei nas últimas décadas, há uma questão que precisa ser ressalvada: toda análise é subjetiva, todo julgamento é feito pela interpretação que o avaliador tem dos critérios e como os sobrepõe sobre o projeto artístico avaliado, portanto a parcialidade é inescapável.

Meu dissenso com o artigo é que ele dá a entender que o edital privilegia o “novo”, quando diz que obras clássicas ou textos consagrados serão depreciados ou mesmo desconsiderados dentro do sistema de critérios adotado.

Afirmar isso, a partir dos atributos elencados para a análise de mérito artístico, é equivocado e precipitado já que os critérios, em si, não fixam as vanguardas como dimensões a serem evocadas, afinal, original é aquilo que é único e autêntico; singular é o que se distingue dos demais; criativo é o que é diferente do habitual; expressividade é a qualidade de transmitir ideias, emoções e sentimentos através de corpo, dos gestos e da voz; autêntico é aquilo que prima pela veracidade e fidedignidade ao real e inovador é tudo aquilo que traz elementos de novidade até mesmo ao que já existe, portanto, são métricas aplicáveis a qualquer projeto porque são modos de ver.

Desse modo, a montagem de Um Vânia, adaptação que Gil Vicente fez para o texto consagrado de Tchekhov pode ser considerada como original, expressiva, singular e autêntica.

Além disso, o Chamadão das Artes Cênicas, nome dado pela FGM ao Edital, afirma logo no primeiro item que se destina tanto a remontagens, de espetáculos que já estiveram em cartaz, quanto a montagens inéditas (e o ineditismo aqui é que ainda não tenha sido feita por aquele proponente), portanto qualquer pessoa pode propor um projeto de um texto clássico ou consagrado e, dentro da sua concepção estética, buscar a originalidade, a expressividade, a criatividade, a autenticidade, etc.

Por outro lado, o critério com maior peso (5) é “Notoriedade da trajetória artística do proponente e da ficha técnica”, ou seja, o edital privilegia exatamente os saberes acumulados, o percurso criativo e a fortuna estética do(s) proponente(s) e de sua equipe ao longo do tempo, afinal é notório aquele que conquista reputação, perante um grande número de pessoas, resultante do talento e do mérito, aspectos que precisam observados num continuum para que se possa mensurar e atribuir. Com base nessa interpretação, podemos afirmar que a notoriedade da trajetória de Gil Vicente Tavares no teatro baiano é indiscutível.

Por fim, aproveito para ressalvar, que o citado Edital contém lacunas que poderiam contribuir para uma análise ainda mais criteriosa, aprofundada e abrangente. Sinto falta que o certame trate mais claramente de aspectos como relevância cultural e social (como a montagem vai contribuir para o enriquecimento cultural da população de Salvador?

Que elementos da dramaturgia a ser encenada promoverão a reflexão e o debate dos temas de interesse da sociedade?), maior detalhamento da pertinência, viabilidade e exequibilidade da proposta (o proponente demonstra com clareza e realismo, através de cronograma, orçamento e plano de trabalho, como a montagem percorrerá o trajeto da concepção à pós produção?) e, por fim, das ações de formação de público e mediação cultural, pois é sabido que, em tempos de economia da atenção, o teatro, em que pese sua artesania, precisa ser convincente e consistente na forma como os espetáculos são apresentados a sociedade para que possam mobilizar o público. Sim, o público, aquele para quem o teatro deve ser feito, pois qualquer espetáculo só tem sentido e função quando, em cima do palco, é apresentado a plateia.

Sérgio Sobreira é professor, pesquisador e consultor em gestão, produção e economia da Cultura e da comunicação Crédito: Acervo Pessoal