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Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 05:00
Assistir ao documentário “3 Obás de Xangô”, sobre Jorge Amado, Caymmi e Carybé estimula a reflexão sobre o que temos feito com a herança cultural representada por esses três luminares, cada um na sua arte, de forma ainda muito recente. Refiro-me ao sentimento de baianidade que estamos perdendo. >
Nossos símbolos e referências culturais, históricas e eruditas estão sendo deixados para trás.>
A capoeira está mais preservada no monumento recentemente inaugurado na esplanada em que se transformou a velha praça Cairu, do que viva no Forte da Capoeira, no Santo Antônio Além do Carmo. Os terreiros de Candomblé, por sua vez, estão precisando ser tombados para não perderem suas bases físicas.>
São exemplos de que a herança cultural africana está perdendo espaço, não obstante tanto o Estado quanto a Prefeitura professarem políticas de valorização da Cultura Afrobrasileira. A verdade é que estamos deixando de ser a Roma Negra de que tanto nos orgulhamos. Um indicador de que, apesar de bem-intencionadas, estão equivocadas as políticas públicas, sufocadas pelo identitarismo exclusivista.>
A economia criativa ainda é vista entre nós como atividade informal, ao invés de estruturada empresarialmente, para dar-lhe sustentabilidade e resiliência.>
Já não existe mais o Cinema Novo, cujo apogeu se foi junto com a morte prematura de Glauber Rocha. O Tropicalismo foi abandonado pelos seus próprios criadores, que optaram por seguir outros caminhos. 40 anos depois, a Axé Music sobrevive. Na Universidade, perdeu vigor a obra do Reitor Magnífico Edgard Santos – os Seminários de Música, as escolas de Teatro e de Dança e o Museu de Arte Sacra.>
Ainda bem que a cidade conta com diversas esculturas de Mário Cravo e Tati Moreno, embora tenha sido desmontado o Espaço Cravo, que implantei quando secretário do Estado, com o entusiasmo do próprio Mário e o estímulo da arquiteta Arilda Cardoso de Souza. Coube-me também construir as avenidas Dorival Caymmi, em Itapuã, e Jorge Amado, no Imbuí, imortalizando-os em ruas de Salvador.>
O patrimônio arquitetônico-cultural da Igreja Católica, literalmente tomba, a exemplo do que recentemente ocorreu com o teto da “igreja de ouro” do Convento de São Francisco, cujas paredes do pátio interior guardam, em azulejos, as imagens da Lisboa de antes do grande terremoto que a destruiu.>
Os museus da cidade – nenhum de grande porte – já não são mais os mesmos. O Museu de Arte da Bahia parece ter recolhido ao seu arquivo técnico as pinturas de Valença, Presciliano e Rescala. A cultura erudita tem sido preterida em favor das modernidades.>
O Museu Rodin, no casarão da família Catharino, no bairro da Graça, foi transformado em Museu de Arte Contemporânea. Não teria sido melhor aproveitar a estrutura do antigo Centro de Convenções da Bahia para implantar este novo equipamento cultural?>
De positivo, registre-se a criação, pela Prefeitura, de verdadeiros Museus da Baianidade, representados pela Casa de Jorge Amado – onde ele e Zélia Gatai moraram por longos anos – e os centros de interpretação instalados na Barra, em antigos fortes, dedicado a Carybé, no Forte de São Paulo, e à fotografia, capitaneada por Pierre Verger, no Forte de Santa Maria, assim como a Casa da Música da Bahia.>
Do mesmo modo, registre-se a decisão de duas instituições financeiras federais, fruto de gestões políticas do governo do Estado, implantarem aqui seus centros culturais: o do Banco do Brasil, no Palácio da Aclamação, e o da Caixa Econômica, a ser transferido, das acanhadas instalações da antiga sede dos Diários Associados, para o prédio do Liceu de Artes e Ofícios, no Saldanha. Certamente dedicarão parte de suas programações à baianidade.>
Como diz a letra da música Adalgisa, que encerra o documentário, “esta Bahia ainda está lá”! Pena que latente.>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento. >