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Pé direito, pé esquerdo e Natal: o esgotamento da polarização no cotidiano das famílias

Diante do sagrado, e a família também o é, não se entra com provocações. Entra-se com respeito. Tira-se a sandália do orgulho

Publicado em 25 de dezembro de 2025 às 05:00

Desamarrem as sandálias. Descansem
Desamarrem as sandálias. Descansem Crédito: Freepik

A polêmica recente envolvendo uma campanha das Sandálias Havaianas, convertida rapidamente numa discussão sobre “pé direito” e “pé esquerdo”, mostra menos sobre publicidade e evidencia, na minha opinião, sobre o cansaço coletivo que atravessa a sociedade. Em poucos dias, uma frase banal virou senha ideológica e motivo de atritos que extrapolam as redes sociais e chegam, praticamente, às mesas de Natal, aos grupos de família, às conversas atravessadas.

Como leigo católico, mas atento à história do cristianismo e ao sentido profundo do Natal, me chama atenção o quanto essas disputas simbólicas têm invadido espaços que antes deveriam ser de acolhimento. Famílias que mal se reúnem ao longo do ano passam a medir palavras na ceia. As vezes, pais e filhos se estranham. Irmãos se evitam. Tudo por causa de uma lógica binária que reduz a realidade a lados fixos, esquecendo que a vida concreta é mais complexa e mais frágil.

O Natal oferece um contraste poderoso a esse cenário. A narrativa cristã não começa com um manifesto, mas com uma família deslocada, perseguida, em busca de um lar. Maria e José não estão no centro do mundo, nem dominam o curso dos acontecimentos. Sobre o menino que nasce, eles acolhem, cuidam, protegem. Vivem a tensão do medo, da insegurança, da responsabilidade. Uma família pobre que se locomove com seus jumentinho. E é nesse ambiente doméstico, simples e vulnerável, que nasce Jesus Cristo. O cristianismo se inaugura dentro de uma família.

Por isso, a antiga canção litúrgica Desamarrem as Sandálias soa tão atual. “Desamarrem as sandálias e descansem, este chão é terra santa (…) Venham, orem, comam, cantem, venham todos e renovem a esperança no Senhor”. O convite não é à fuga do mundo, mas à suspensão do ímpeto de confronto. Diante do sagrado, e a família também o é, não se entra com provocações. Entra-se com respeito. Tira-se a sandália do orgulho. Aprende-se a ouvir.

A discussão permanente entre esquerda e direita, quando absolutizada, perde sua função crítica e passa a operar como fator de divisão. Não é que divergências não existam ou não importem. Importam. Mas o Natal nos recorda que nenhuma identidade política pode ser maior do que os vínculos humanos que nos sustentam. Maria não pergunta por posições ideológicas antes de acolher os seguidores do Filho. José não impõe isso antes de assumir o cuidado.

Talvez o maior ensinamento deste tempo seja reaprender a descansar juntos. Desarmar o discurso, diminuir o tom, preservar os laços. Nem toda divergência precisa ser travada até o limite. Nem todo símbolo merece virar guerra. Desamarrem as sandálias. Descansem. Há chãos, como o da família e o do Natal, que são sagrados demais para serem rasgados por disputas de pé direito ou esquerdo. Feliz Natal.

Victor Pinto é jornalista e advogado, apresentador na Band Bahia e membro da Irmandade da Devoção do Senhor do Bonfim.