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Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2019 às 03:00
- Atualizado há 2 anos
Os catalães se insurgem, os britânicos vão às urnas, os crimeus, assim como os curdos e palestinos, lutam por independência. Se nos últimos tempos movimentos separatistas ganham destaque no noticiário, no Brasil, o Rio Grande do Sul é sempre o primeiro lembrado como prestes a reclamar um divórcio territorial.>
No entanto, parafraseando Caetano pelo avesso do avesso do avesso, o verdadeiro Rio Grande do Sul é a Bahia. Por aqui, durante os idos da Colônia ou mesmo no século XXI, surgiram alvoroços, revoltas, tumultos, líderes e ideais para dividir a Bahia do Brasil ou mesmo a Bahia da Bahia.>
O ilustre jornalista e escritor Fernando Vita, em seu mais recente romance República dos Mentecaptos (Geração, 2019), brinca com a ideia de um político sabujo que propõe a instauração da Bahia como país independente, com moeda própria, estados autônomos, basílicas e constituição. Fernando Vita falou sobre o novo livro na segunda edição do Baianidades Entrevista; clique aqui para assistir O que na ficção é uma chacota de Vita com a megalomania lacaia, de escravos a ricos fazendeiros, religiosos a empresários, este já foi, em muitos estratos sociais, um ideal de vida. Basta citar que a Conjuração dos Alfaiates, quase no fim do século XVIII, era uma revolta popular com bandeira muito bem definida. E bandeira aqui não é um sinônimo apenas para propósitos de luta -- estes, pois sim, também existiam, tendo como o principal deles a libertação dos escravos.>
Mas, os conjurados haviam também desenhado uma flâmula, nas cores azul, vermelho e branca. O desejo era, uma vez livres de Portugal, estabelecer uma República de ex-escravos, aos moldes do Haiti. Em outra revolta, a Sabinada, no período regencial, os insurgentes propunham a criação da República Bahiense. E os escravos muçulmanos, que assombraram os senhores de todo o Brasil ao tomar a Cidade do Salvador por um dia inteiro, em janeiro de 1835, sonharam em instaurar um protetorado islâmico na joia da América do Sul, banhado pela baía de Todos os Santos.>
A Bahia não se divide Poderíamos pincelar outros movimentos separatistas ou pequenos embriões deste profundo desejo, como o Arraial de Canudos, guiado pelo messianismo de Antônio Conselheiro. Mas o tempo urge e a ideia é falar também de ações mais recentes.>
Uma delas é bem insólita e ganhou enorme destaque nos jornais, com direito a campanha "A Bahia é uma só. A Bahia não se divide". Isso aconteceu em 1985, quando o ainda hoje prefeito de Itabuna, Fernando Gomes, era deputado federal. Naquele ano, o longevo político apresentou um projeto de lei para criar o estado de Santa Cruz.>
A ideia era englobar o sul da Bahia, o sudoeste e o extremo oeste, até a divisa com Goiás. O novo estado nasceria com 160 cidades, entre elas algumas de grande porte como Itabuna (possível capital), Ilhéus, Jequié e Vitória da Conquista. Para conquistar a simpatia de deputados de outras bancadas, Gomes defendeu ceder parte do litoral sul à Minas Gerais, de modo que os mineiros finalmente tivessem uma saída ao mar. O projeto foi aprovado nas comissões internas e foi ao plenário. Todos os deputados baianos votaram contra. O único, além do próprio autor que defendeu a proposta, foi seu irmão, Daniel Gomes. A família mostrava desta forma que, embora defendesse a separação da Bahia, continuava unida.>
Mais recentemente, em 2011, o deputado Oziel Oliveira, tentou ressuscitar a antiga quimera do estado de São Francisco. A ideia, dessa vez, era separar a região oeste, tendo Barreiras como principal cidade e possível capital administrativa. Diferente do projeto do estado de Santa Cruz, com votação na Câmara dos Deputados, esta outra proposta foi rejeitada logo nas primeiras comissões.>
Apesar de todas as tentativas frustradas de separação, o sonho parece sempre levemente adormecido. Não à toa, por mais que os historiadores teimem em corrigir, nas comemorações do 2 de julho, volta e meia, um falso desavisado emenda: "é a festa da independência da Bahia".>