Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
João Gabriel Galdea
Publicado em 30 de julho de 2023 às 05:10
Pelos infomares e campos baianos, o autônomo Fabio Campos, 36 anos, sabe transmitir como poucos a emoção de um jogo de futebol, mesmo sem poder mostrar o que ocorre dentro das quatro linhas. Diariamente e ao vivo, pelas redes sociais, Zé do Radinho, como é conhecido, bota a cara na tela e a voz para fora, visando cumprir o papel de um radialista convencional, embora nunca tenha pisado em qualquer emissora para narrar jogada alguma. >
Mas uma jogada do destino, envolvendo uma decepção com seu time do coração, fez com que seu estúdio improvisado, dentro das quatro paredes do quarto de casa, em Vila de Abrantes, fizesse o ex-porteiro entrar pela janela na lista de melhores e mais populares narradores esportivos da Bahia – talvez do Brasil. >
“O primeiro vídeo que viralizou foi um jogo que o Vitória perdeu da Juazeirense, e eu gritei ‘gol dos caras!’ no momento do gol. Desse dia pra cá, minhas redes sociais nunca mais foram as mesmas”, relembra o rubro-negro, que é admirado até pela torcida do rival, Bahia, e de alguns clubes de fora do estado. “A torcida do Vasco, as torcidas do Sport e do Santa Cruz, entre outras, também abraçaram o meu trabalho”. >
Bicos>
O sucesso recente tem ajudado o pai da pequena Perola Vitória e marido de dona Meel Campos a garantir o pão de cada dia, com a grana que tira fazendo as transmissões de jogos no YouTube. No entanto, não é lá grande coisa, e a saída é transmitir o máximo de jogos possível – tem vezes que chega a passar mais de oito horas falando sem parar.>
“Geralmente eu faço de dois a quatro jogos no dia que tem rodada de campeonato. A maior dificuldade é não ter um lugar para fazer as minhas transmissões e o meu material. Eu faço minhas lives no quarto, do lado da cama. Utilizo um notebook com a tela quebrada pra transmitir e assisto os jogos pelo celular”, conta sobre o humilde home office.>
Mas dificuldade não é novidade na vida do filho de Serrolândia, que desembarcou em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, há 12 anos. “Eu sempre trabalhei com bicos, formatação de computadores, manutenção… Como porteiro [de um condomínio em Vila de Abrantes] eu fiquei por um período de seis meses de carteira assinada, mas precisei sair para retornar pro interior. Meu pai tinha falecido e eu resolvi sair do trabalho pra ficar com ela (mãe) por um período, até as coisas se ajeitarem”, recorda.>
Foi no interior que buscou inspiração para o apelido. “Zé do Radinho veio da ideia de retransmitir jogos no Youtube representando os milhares de Zés que têm nas roças, que ouvem as partidas de futebol pelo rádio”, comenta ele, que também morou em Jacobina e Miguel Calmon.>
Narrador por acidente>
Na cidade do Polo, quatro anos atrás, iniciou o trabalho de uma forma bem diferente da atual. “Comecei meu canal no Youtube utilizando as narrações das rádios. Eu aparecia na câmera e ficava com um rádio na altura do ouvido enquanto ouvia a narração, e retransmitia o áudio para o público. Só que acabei recebendo dois strikes [quando o canal é derrubado e advertido pela plataforma por violar as regras de transmissão]”. Irresponsáveis!>
Com receio de levar o terceiro strike, o que faria com que seu canal fosse deletado do Youtube, passou a narrar os jogos ele mesmo, a partir de 2021. “Eu nunca tinha narrado antes”, revela.>
A inspiração para fazer um bom trabalho veio de dois profissionais da área, um daqui e um de fora. “Eu gosto muito do narrador Fabricio Cunha, da Rádio Sociedade, e Téo José, do SBT, que na época [de seu início na função] era do Fox Sports. Esses dois são as minhas inspirações”, explica Zé do Radinho, que não despreza os mais famosos na atividade.>
“Ah, sim! Galvão Bueno pra mim é o maior narrador da história do futebol que já vi narrar. Já Silvio Luiz tem um jeito único de narrar. O meu pai gostava demais da narração dele”, diz, nostálgico.>
Sucesso>
Para alcançar sucesso semelhante ao dos narradores mencionados, busca táticas bem diferentes, as quais têm ajudado a manter ou reforçar o interesse do público em seu trabalho. A mais comum delas é compor alguns pagodões com prognósticos das partidas, e protagonizar clipes como uma espécie de chamada. “Já toquei cavaquinho em uma banda de Jacobina. Hoje toco violão e teclado, e também canto na igreja”, explica o narrador-compositor, que está fazendo o curso técnico de Rádio e TV.>
Para tornar as coberturas ainda mais diferenciadas, às vezes convida amigos ou parentes para comentar ou acompanhar os jogos junto com ele. Além do carisma e da emoção (conta que é comumente reconhecido nas ruas, nas raras vezes que sai de casa), a estética do improviso também ajuda a cativar e aumentar sua fanbase, que já se espraia para outras redes.>
“Eu sempre tive um público bom no Youtube, mas ainda não conhecia o Instagram e Tiktok. Do meio pro final de 2022 foi que comecei a utilizá-los, e através do Instagram foi que aconteceu a explosão do meu trabalho”, comenta Fabio "Zé do Radinho" Campos, que além dos incontáveis admiradores que só recebem seus conteúdos pelo WhatsApp, contabiliza 56 mil inscritos no Youtube e outras dezenas de milhares que entram nas outras redes, enquanto ele espera para entrar numa rádio. >