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O mistério do vilarejo que foi uma potência do diamante, mas hoje só moram 20 pessoas

A Vila do Ventura viveu um período áureo com a extração do carbonato. Hoje, é um paraíso esquecido na Chapada Diamantina

  • Foto do(a) author(a) André Uzeda
  • André Uzeda

Publicado em 7 de dezembro de 2025 às 05:00

Vila do Ventura, distrito a 30 km de Morro do Chapéu, onde hoje só moram 20 moradores fixos
Vila do Ventura, distrito a 30 km de Morro do Chapéu, onde hoje só moram 20 moradores fixos Crédito: Marcos Gonçalves - Acervo Pessoal

Uma única fotografia de celular, na horizontal, é capaz de abranger toda a população residente da Vila do Ventura. Este pequeno distrito, pertencente a Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, hoje tem apenas 20 moradores fixos, organizados em 10 famílias nucleares.

Não é exatamente a miudeza que chama a atenção do lugar. É a sua diminuição. Isso pode soar até parecido, mas são duas condições completamente diferentes.

Um censo municipal, de 1914, catalogou a presença de 3 mil pessoas morando na vila. Era o auge da segunda fase de exploração do carbonato – uma espécie de diamente negro bastante resistente, muito mais utilizado na produção de brocas para a indústria do que na confecção de joias.

Nesta época, conta o historiador Marcos Gonçalves, o Ventura era maior e mais importante até mesmo que Morro do Chapéu. Isso gerou frustradas tentativas de emancipação, na mesma escala que provocou rusgas com a sede.

A Vila do Ventura conserva ainda em seus arredores um sítio arqueológico de mais de 3.000 anos por Marcos Gonçalves - Acervo Pessoal

“Até hoje, há uma certa rixa entre os dois lugares. Eu acredito que sejam reminiscências deste período áureo do Ventura. É interessante como a história perpétua estes movimentos”, observa Gonçalves, professor da Uneb, e hoje um dos moradores fixos do quase desabitado distrito.

Casarões e o coronel negro

A Vila do Ventura foi fundada em 1840, assim que primeiras pedras valiosas começaram a ser encontradas na região. Era o último ano do período regencial, finalizado quando Dom Pedro II, aos 14 anos, definitivamente assume o trono deixado pelo pai.

Impulsionado pelo carbonato, o crescimento da vila foi exponencial, com a construção de casarões, igrejas e a divisão de ruas, com os mais abastados passando a ocupar o centro e levantando estabelecimentos próximos ao rio Ventura.

“Os nomes das ruas neste período eram muito interessantes. Tinha a rua Paz e Amor e a rua do Gelo, por exemplo. Esta ficava do outro lado do rio e era onde se encontravam os prostíbulos. Como no Ventura circulava muito dinheiro, não demorou para as ‘moças de função’ rapidamente chegassem. Fala-se que eram francesas, mas isso merece uma maior investigação”, pontua Gonçalves.

Uma das figuras mais interessantes da história da Chapada Diamantina chegou a ter casarões e terras dentro do Ventura. Trata-se do Coronel Francisco Dias Coelho, filiado à linhagem do Coronel Quintino Soares da Rocha.

Dias Coelho era um dos poucos – senão, o único – coronel negro neste período histórico. De família humilde, foi morador do Ventura e ascendeu socialmente como vendedor de carbonato.

Com o dinheiro amealhado pela comercialização do diamante, compra a patente de tenente-coronel e ingressa na vida pública. Em 1911, vira intendente (o que equivale hoje à figura de prefeito) de Morro do Chapéu.

Três anos mais tarde, provavelmente com receio de perder poder, é o principal responsável por barrar o processo de emancipação da vila, ironicamente o local causador do seu enriquecimento.

Mesmo presa à sede, a Vila do Ventura continuou prosperando nos anos seguintes. Marcos Gonçalves localizou dois recortes do Correio do Sertão, o segundo jornal mais antigo da Bahia, em que o distrito aparece com pompa e circunstância.

O primeiro é o relato da festa do Terno de Reis, de 1923. O jornal destaca os moradores como “venturenses” – e não como “morrenses", gentílico para quem nasce em Morro do Chapéu. “No texto, é dito que o serviço de buffet foi farto, o que denota riqueza, e que a noite foi agradabilíssima. E a festa foi até o amanhecer”, diz o professor da Uneb.

O outro recorte é do fim da Segunda Guerra Mundial, em um jornal de 25 de maio de 1945. Os moradores do Ventura comemoraram a rendição da Alemanha nazista. “A festa aconteceu na casa de Pedro Grassi, exatamente a casa onde eu moro atualmente. O jornal fala de uma longa noitada com orquestra sinfônica, além de indicar que os moradores tinham riqueza e conexões com o mundo exterior, justamente pela venda do carbonato”, narra Gonçalves.

O declínio de Ventura

O que explica, então, um lugar que foi tão afortunado e internacional se tornar quase uma vila fantasma nas décadas seguintes? Foi essa pergunta que motivou o hoje arqueólogo Railson Cotias a desenvolver sua monografia de conclusão do curso de História, pela Universidade Católica, em 2005.

“Quando visitei o Ventura pela primeira vez, me fascinei com todos aqueles casarões e poucas pessoas vivendo lá. Pensei em duas hipóteses: ou aconteceu uma grande tragédia aqui ou uma grande ameaça, que fez as pessoas fugirem às pressas. No fim, não era uma coisa e nem outra”, pontua.

Cotias explica que cidades que vivem do garimpo estão fadadas a grandes ciclos de inchaço e diminuição populacional. “É intrínseca à própria atividade econômica. Nas grandes fases, chega muita gente. Tem comércio e dinheiro circulando. Quando o mineral escasseia, as pessoas vão embora. Como Ventura não conseguiu se emancipar em tempo, não se estabeleceu como outras cidades mineradoras da Chapada, que continuaram existindo mesmo sem a força do garimpo”, analisa.

O arqueólogo cita também outros fatores para o abandono da vila. Como uma grande seca em 1934, os próprios efeitos da Segunda Guerra na exportação do diamante e o fechamento de uma antiga rota de acesso. Ventura ficava próxima da estrada que conectava Morro do Chapéu a Salvador, sendo bastante utilizada para escoar o mineral para o porto da capital baiana. Com o declínio do carbonato, novas rodovias foram abertas, deixando a vila completamente isolada.

Hoje para se ter acesso ao Ventura só é possível por uma estrada de chão batido. Antes, precisa abrir uma cancela, montada dentro de uma propriedade privada. Quando o rio Ventura inunda, os moradores ficam impossibilitados de sair.

A luz elétrica só chegou no vilarejo há 11 anos. Por outro lado, o isolamento trouxe tranquilidade. Não há registro de crimes, violência e tantos outros problemas comuns a grandes cidades. A vila é tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) desde 2005, obrigando a preservação da fachada dos casarões, sobrados e das casas.

A Vila do Ventura conserva ainda em seus arredores um sítio arqueológico de mais de 3.000 anos, com pinturas rupestres de populações originárias que viveram naquele local muito anos antes do esplendor ou da decadência do diamante.

O distrito, que um dia sonhou em ser cidade, tem um longo passado pela frente.

Esta coluna é dedicada a Uiara Araújo, a futura vigésima primeira moradora do Ventura.

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Bahia Economia Chapada Diamantina Mistério