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Quando Feira de Santana 'pirateou' uma lagoa e transformou na praia da cidade

Na década de 1960, a prefeitura levou adiante o projeto de criar uma faixa litorânea dentro do município. Para isso, trouxe caminhões de areia branca e despejou ao redor da Lagoa de São José

  • Foto do(a) author(a) André Uzeda
  • André Uzeda

Publicado em 5 de outubro de 2025 às 08:00

Lagoa de São José, transformada em praia na década de 1960 em Feira de Santana
Lagoa de São José, transformada em praia na década de 1960 em Feira de Santana Crédito: TV Olhos d'água - UEFS

Quando Antônio Conselheiro foi assassinado em Canudos, em 1897, Feira de Santana já havia se emancipado há 64 anos. O líder messiânico nunca chegou a efetivamente colocar os pés naquela que viria a se tornar a segunda maior cidade da Bahia. No entanto, um trecho de uma das profecias mais famosas atribuídas a ele foi, durante anos, perseguida quase como uma obsessão febril pelos feirenses.

“O sertão vai virar mar…”.

Em um curto período de tempo em seus 192 anos de história, a ‘Princesa do Sertão’ chegou a viver, de fato, o sonho de ter uma praia dentro de seus limites territoriais. A empreitada durou pouco tempo, mas cumpriu à risca o objetivo de acalmar os ânimos em um período turbulento vivido na cidade.

A obra foi tocada na década de 1960 em cima da Lagoa de São José das Itapororoca, no distrito de Maria Quitéria – o lugar ganhou esse nome justamente por ter sido o local, em 1792, de nascimento da heroína da Independência do Brasil na Bahia.

Ironicamente, assim como Maria Quitéria se disfarçou de homem para servir no Batalhão dos Periquitos, divisão militar do Império Brasileiro, a prefeitura camuflou uma lagoa natural para fazê-la se parecer o máximo possível com uma praia.

Para isso, gastou os tubos para sanear as águas, limpar a área e bancar centenas de dezenas de caminhões para despejar areia branca nos arredores. Ainda plantou cajueiros e coqueiros para compor um paradisíaco cenário litorâneo. Foram construídos também quiosques e espaços para a prática de esportes.

O projeto, inicialmente, foi um enorme sucesso. Como era bem pertinho do centro da cidade (apenas 13 quilômetros), passou a ser o programa obrigatório de fim de semana dos feirenses naqueles anos. Nessa época, a cidade vivia um boom populacional, solidificando sua vocação comercial e de entreposto rodoviário.

Prefeitura de Feira gastou os tubos para adaptar a Lagoa de São José como uma praia da cidade
Prefeitura de Feira gastou os tubos para adaptar a Lagoa de São José como uma praia da cidade Crédito: Prefeitura de feira de Santana

A praia política

Quem encampou o projeto da praia de Feira foi o prefeito Joselito Falcão de Amorim, um militar que chegou a integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a II Guerra Mundial, embora não tenha sido enviado para o front na Itália – onde os pracinhas brasileiros combateram.

Joselito assumiu o Paço Municipal em maio de 1964, quando os militares cassaram o mandato do prefeito eleito Chico Pinto, cuja fama era de ser comunista, embora integrasse o partido de centro PSD.

Pinto havia sido consagrado nas urnas um ano antes, sob o slogan "Francisco Pinto na prefeitura é o povo governando”. Apesar do pouco tempo de mandato, encampou projetos como o orçamento participativo, a farmácia popular e o método de alfabetização de Paulo Freire.

Depois que os militares assumiram o poder, derrubando o presidente João Goulart, Pinto ficou mais 38 dias no cargo. Joselito Amorim, então vereador da UDN, foi empossado em seu lugar.

A praia de Feira de Santana surge exatamente neste contexto político conturbado, atendendo um anseio histórico dos moradores e tentando distensionar as pressões pela derrubada de um político popular democraticamente eleito.

Lagoa de São José, transformada em praia na década de 1960 em Feira de Santana
Lagoa de São José, transformada em praia na década de 1960 em Feira de Santana Crédito: TV Olhos d'água - UEFS

Fase solar também no futebol

O prefeito Joselito foi responsável também por, em 1966, reformar completamente o estádio da cidade, dando o nome de Alberto Oliveira – embora, carinhosamente, os moradores até hoje optem por chamá-lo de Joia da Princesa.

No jogo de estreia, o Fluminense de Feira recebeu a equipe do Vasco da Gama – então campeã do torneio Rio-São Paulo daquele ano, dividindo, por uma falha do regulamento, o troféu com outras três equipes: Santos, Corinthians e Botafogo.

Apesar da derrota na estreia, o novo estádio impulsionou uma grande fase do Touro do Sertão, culminando com a conquista do bicampeonato baiano de 1969. O time de Merrinho, Ubaldo, Ubirajara e Sapatão já havia papado o primeiro título em 1963.

Bons ventos pareciam soprar em Feira de Santana naqueles anos. A praia refrescava o fim de semana e o futebol alimentava o orgulho local, ao bater de frente com a dupla Ba-Vi.

Nenhuma das duas coisas, entretanto, durou muito tempo. O Flu de Feira jamais conseguiu repetir uma nova façanha no torneio estadual. Atualmente, o clube amarga a Segunda Divisão do Baiano.

Já a praia de Feira viria a minguar nas décadas seguintes, se revelando a lagoa que sempre foi. E, deste modo, cumprindo a outra metade da profecia atribuída a Conselheiro: “O mar vai virar sertão”.

Esta coluna é dedicada à Manuela Lula que, com muito bom humor, contou a história da praia de Feira no Instagram. E também às jornalistas Ana Paula Lima e Juliana Vital, duas feirenses com muito orgulho.