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Publicado em 3 de maio de 2025 às 05:00
A música “Borderline”, da dupla sertaneja Maiara e Maraisa, gerou polêmica na última semana por uma sucessão de equívocos, entre eles associar o Transtorno de Personalidade Borderline a um problema de caráter. Caráter é uma coisa, personalidade é outra. Precisamos ter cuidado ao falar sobre saúde mental; esse é um transtorno que causa muito sofrimento ao paciente e à família. Existe um nível de gravidade e isso precisa de atenção. >
Vou citar apenas alguns números para dar a dimensão do problema. Se a gente pensar no cenário mundial, o Transtorno de Personalidade Borderline atinge cerca de 1,6% da população geral, podendo chegar a 5,9% em algumas amostras, segundo a American Psychiatric Association (DSM-5-TR, 2022). Quando se fala em números de consultas, chega a 10% do total da Psiquiatria, e quando o assunto é internação, chega a 20% dos casos.>
Não dá para romantizar: esse é um transtorno mental difícil de lidar. O Border tem características de instabilidade emocional, impulsividade, irritabilidade, explosão, mas isso não faz dele uma pessoa de mau caráter. Precisamos ter cuidado para não reforçar preconceitos. Isso é histórico na saúde mental e já aconteceu, por exemplo, com a internação psiquiátrica, vista como “coisa de maluco”, e a Eletroconvulsoterapia (ECT), sempre retratada nos filmes como meio de tortura.>
Apenas com o tempo a ECT passou a ser vista como deve ser: um método terapêutico eficaz, seguro, feito sob sedação e regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina. Para quem não conhece, a ECT é usada no tratamento de transtornos mentais graves, resistentes ao tratamento medicamentoso convencional, como Transtorno Depressivo Refratário, Transtorno Bipolar e a Esquizofrenia. Pode, inclusive, ser usada em mulheres grávidas.>
Mas ainda existe muito preconceito e isso gera problema até hoje, porque impede que as pessoas conheçam as possibilidades de tratamento que poderiam beneficiar quem está em sofrimento. Quando uma música retrata um transtorno mental de forma equivocada, não é uma questão de gosto musical, é o reforço do estigma. Não estou aqui para dizer que não se pode falar nada, a posição também não é censurar ninguém de absolutamente nada – acho que o discurso tem que ser livre –, mas é uma questão de bom senso. Não se deve botar fogo em um problema que já causa tanto sofrimento a tantas pessoas.>
Por que o paciente Border sofre? Porque ele não consegue lidar com as emoções, vive uma constante sensação de vazio, tem problema com a autoimagem e a dificuldade de lidar com a frustração se expressa com rompantes, com crises, relacionamentos difíceis, uso abusivo de drogas e até com tentativas de suicídio. Mas isso é da incapacidade dele em lidar com as emoções e não algo premeditado.>
São essas oscilações e esses comportamentos disfuncionais que colocam a vida dele e de terceiros em risco, fazendo com que o paciente precise de internação, em alguns casos. Foi como eu disse, não é fácil conviver com o Transtorno de Personalidade Borderline – tem muita instabilidade, oscilação de humor, manipulação em determinados momentos –, mas é importante entender que há ali uma pessoa com um transtorno crônico, que vai perdurar a vida inteira, e existe tratamento para que ela possa ter uma vida funcional.>
Só medicamento não dá conta, só terapia também não dá conta, então é preciso juntar os dois. Por isso o tratamento em saúde mental é multiprofissional e as pessoas precisam entender que a internação pode ajudar nos casos mais graves. Costumo dizer que a internação não é uma prisão como insistem em taxar: quem aprisiona é a doença mental, o tratamento liberta. O transtorno mental precisa ser encarado de frente, sempre pensando em diminuir o sofrimento do paciente e da família. Já que a música existe, vamos usá-la de forma positiva como incentivo ao tratamento e fuga do estigma.>
Dr. André Gordilho (CRM-BA: 12917 | RQE: 6207), Psiquiatra, diretor técnico-médico do Grupo Bom Viver – Referência em Saúde Mental, Especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria e com especialização em psicogeriatria e psiquiatria intervencionista. Mestrado em Medicina e Saúde Humana. International Fellow da American Psychiatric Association>