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Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2013 às 02:55
- Atualizado há 2 anos
A memória cultural do país passa por eles, os naïfs, que documentam as festas populares do Brasil, especialmente de suas regiões. A vida simples do povo de forma sempre inusitada e surpreendente. Os artistas ingênuos, primitivos, naïfs, têm absoluta liberdade de criar, sem se importar com as exigências do mercado, da moda. Seus objetivos básicos estão na espontaneidade e sabedoria. As leis da criação não se pautam por erudição. >
Muitas vezes esta aprisiona. Grande parte dos eruditos não consegue transpor o que pensa para o concreto de suas produções. A origem de um vocabulário plástico visual não está no aculturamento do individuo, mas em sua vida instintiva profunda que revela ao artista um caminho. O que vale é sempre o produto final, a essência, a originalidade, a digital, enfim o idioleto – linguagem específica do artista criador. Negar invenções é negar a arte. Hoje temos mais cópias que propostas originais.>
A arte naïf teve como pioneiro o francês Henri Rousseau (1844 - 1910), que se iniciou por instinto. Era “um pintor clássico”, como se definia. De início, crítica e público riam e debochavam do seu trabalho. O poeta Apollinaire, os pintores Picasso e Delaunay foram seus grandes incentivadores. Os artistas primitivos não seguem escolas, nem se preocupam com as últimas tendências. Ele é sua própria fonte de inspiração.>
Os sábios da “cultura culta” sempre buscam negar os artistas primitivos, ou ingênuos. Negarão a arte primitiva africana? Existem poucos ensaios e livros sobre os naïfs. Eles estão à margem das grandes cotações do mercado, são alijados dos salões de arte e das pautas das galerias e de instituições públicas e privadas. Puro preconceito.A escritora e crítica de arte Lélia Coelho Frota trabalhou por mais de 30 anos com a fonte popular no Brasil. Publicou dois livros sobre o assunto: Mitopoética de Nove Artistas Brasileiros, na década de 70, e o clássico Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro – Século XX. Também esceveram livros sobre o tema: Geraldo Edson de Andrade (A Arte Naïf no Brasil) e Jacob Klintowitz (Arte Ingênua Brasileira). Theon Spanudis fez uma publicação sobre a obra de José Antonio da Silva. O livro do sociólogo Souza Barros, Arte, Folclore, Subdesenvolvimento é primoroso no estudo das iniciativas populares. >
Sabe-se que o Brasil e a França são os maiores reservatórios de arte naïf do mundo. Para o crítico dito ‘intelectualizado’ é uma arte menor, o que não corresponde à realidade, pois a pintura ingênua tem motivos suficientes para reinventar a própria criatividade. A I Bienal Internacional de São Paulo, em sua edição de 1951, premiou o pintor ‘ingênuo’ Heitor dos Prazeres (1898-1966). Nos anos seguintes foram premiados Graubem Monte Lima, Elisa Martins e José Antonio da Silva.>
Os maiores e mais importantes artistas naïfs brasileiros são: Chico da Silva (menção honrosa na Bienal de Veneza), José Antonio da Silva, Arthur Bispo do Rosário, Alcides Santos, Cardosinho, Iaponi Araújo, Maria Auxiliadora, Saboia, Gerson, Antonio Poteiro, Ivonaldo, Isabel de Jesus, Mirian e Waldomiro de Deus.>
Nascido em Japaratuba, interior de Sergipe, Bispo do Rosário foi marinheiro e tornou-se empregado de uma tradicional família carioca. Numa noite de 1938 despertou com alucinações e apresentou-se à Igreja da Candelária (RJ), anunciando-se como um enviado de Deus, encarregado de julgar vivos e mortos. >
Viveu na Colônia Juliano Moreira do Rio com o diagnóstico de esquizofrenia paranoide. Lá, permaneceu por mais de 50 anos e produziu objetos com diversos tipos de materiais achados no lixo do hospital. Era considerado “um primitivo esquizofrênico”. Bispo (1909-1989) recusava o rótulo de artista, acreditava que o que fazia era para seu encontro com Deus. Em 1995 representa oficialmente o Brasil na Bienal de Veneza na Itália, logo depois expõe no Jeu de Paume em Paris. Com o tempo, consagrou-se como referência de arte contemporânea brasileira.>