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Cesar Romero
Publicado em 5 de agosto de 2024 às 05:00
Entre tantas possibilidades de ação afirmativa, construída por um artista, haverá sempre marcas de muitas passagens de uma vida compreendida como relato único e íntegro de um projeto em permanente construção. Uma obra de arte, em qualquer técnica ou tendência, pode ser um acontecimento que pode dar certo. Mas, um projeto para a carreira, um fio condutor, a busca de uma linguagem, não pode ser um acontecimento. É algo cuidadosamente pensado, estudado, que envolve reflexões, revisões, quando somos conduzidos pelo viés de uma prática comprometida com o espaço de criação que revela narrativas sobre os princípios básicos escolhidos pelo artista para o feitio de sua obra. >
A obra é um conjunto de várias fases, que se mete entre passagens pela coerência e vai se desenrolando sem perder os vínculos escolhidos. Pode-se retornar ao passado, como Pablo Picasso e Henri Matisse o fizeram na década de 1940, mas guardando a mesma atmosfera e acrescentando novos elementos. Afinal, eram deles todos os elementos em questão. Por vezes, alguns artistas acham que não conheciam determinado período e voltam para cumprir o que pensam que seja necessário até esgotar o tema.>
Esgotar no sentido de que naquele momento não existem mais achados, mas não se fecha a obra, sempre haverá possibilidade de retorno e novas visitas. Como também é licito “rever” obras de outros artistas, como Picasso fez na década de 1960 com O Almoço Sobre a Relva, de Manet, e As Meninas, de Velásquez. Mas Picasso pintava Picasso e mudava Picasso. Com 87 anos realizou diversas gravuras retomando temas e monumentos de sua juventude, abordando a alegria do circo, o teatro e as tradicionais touradas.>
Mesmo morando a maior parte de sua vida na França, nunca prescindiu, nunca apartou-se da sua alma nativa. Era um pintor espanhol morando e produzindo na França.>
Nos anos 1950 e 1960, os críticos brasileiros cobravam dos artistas “coerência”. Esta era uma forma de prisão, assim, quem era pintor deveria só pintar, escultor só esculpir, desenhista só desenhar, gravador só fazer gravuras. Por medo da crítica, que nestas décadas eram poderosíssimas, com poder de destruir reputações, os artistas ficavam receosos e podavam suas possibilidades. >
Hoje, pelo contrário, grande parte dos artistas usa multimeios e isso é considerado um valor que se agrega. Mas, não esquecer da coerência. Picasso, em seu tempo, foi pintor, desenhista, gravador, escultor, ceramista, artista gráfico, cenógrafo, poeta, dramaturgo, um dos inventores da colagem ao lado de George Braque. Estes se reinventaram baseados nos artistas do passado.>