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Osmar Marrom Martins
Publicado em 7 de julho de 2025 às 09:31
Nascido no Bairro da Liberdade/Pero Vaz, Claudemiro Trindade Santos, mais conhecido como Kal dos Santos, vive em Milão, na Itália, há 35 anos. Mas ele não atravessou o Atlântico sozinho, levou com ele, para o Velho Mundo, muito da cultura baiana e, desde então, vem difundido as manifestações culturais baianas por lá. Há 24 anos, por exemplo, realiza o Arrastão de Yemanjá em Milão. Há 15, levou também para Bari, no sul da Itália. >
O Arrastão que ele considera “um cortejo” de estrada foi a maneira que ele encontrou de não perder sua conexão com a Bahia e suas festas populares e religiosas. Em conversa com o CORREIO, Kal dos Santos revelou que os italianos abraçaram seus eventos; confessa sentir saudade de sua terra Natal, mas não vê a menor possibilidade de retorno porque já tem uma vida estabelecido no chamado País da Bota. Além disso, diz estar cumprindo uma missão de levar a cultura brasileira, em especial a baiana para outros povos. “O público italiano é muito curioso. Já recebi críticas de brasileiros que me acham maluco em fazer uma manifestação dessa em uma cidade sem mar”>
CORREIO - Há quantos anos você realiza o Arrastão pelas ruas de Milão? >
KAL DOS SANTOS - O Arrastão di Yemanjá vem as ruas de Milão há 24 anos e, em Bari, no Sul da Itália, há 15 anos.>
CORREIO- Como nasceu a ideia de fazer esse evento aqui?>
KAL DOS SANTOS - Desde que cheguei aqui, há 35 anos, sempre organizei eventos inspirados na nossa cultura: Dia do Samba, dia do Índio, dia de Zumbì dos Palmares, Forrobodó, uma homenagem às nossas festas juninas, e criei a primeira Orquestra de Percussão Afro Brasileira na Itália, o Mitoka Samba. No início, sempre contei com a colaboração de Elem dos Santos e, nos últimos anos, de Ana Estrela, sendo as duas soteropolitanas, como eu. O Arrastão pegou forma de cortejo de estrada, visto que, a cada ano, aumentava o número de curiosos e simpatizantes. Tive a ideia de levá-lo as águas do Naviglio di Milano, visto que é uma cidade sem mar.>
CORREIO - Explique para os baianos como é esse Arrastão. Quando ele acontece e quais são as atrações?>
KAL DOS SANTOS - O Arrastão acontece em dois dias: no sábado, com seminários de percussão e dança dedicado a Yemanjá e um concerto musical LE DONNE IN CANTO. No Domingo, inicia um ensaio geral e o cortejo que parte da Porta Genova até o Naviglio (canal, ex porto), onde lançamos flores acompanhado de coreografias, ritmos, roda de capoeira e de samba. Uma pena que não podemos fazer em fevereiro, pois faz muito frio. O período melhor é em maio. Em Bari fazemos em setembro.>
CORREIO - Houve estranheza por parte dos italianos quando você realizou o Arrastão pela primeira vez?>
KAL DOS SANTOS - O público italiano é muito curioso. Já recebi críticas de brasileiros que me acham maluco em fazer uma manifestação dessa em uma cidade sem mar.>
CORREIO - Desde quando você trocou Salvador por Milão e como foi a adaptação?>
KAL DOS SANTOS - Estou fora de Salvador desde 1990. Primeiro em Paris, depois Milão. A adaptação é muito relativa: muitos momentos eu me sinto lá e, em outros, bate uma saudade...>
CORREIO - Morando há tanto tempo fora da Bahia, como é a conexão atual com sua terra natal? Seus familiares continuam em Salvador?>
KAL DOS SANTOS - A minha conexão vem através dos velhos amigos, irmão, sobrinhos, cunhadas e minha filha mais velha a Guaci, que morou 15 anos aqui comigo, depois voltou para a nossa terrinha querida com duas netas: Iara, de 19 anos, e Gaia, de 16 anos. Gostaria de voltar lá com mais frequência...>
CORREIO - Antes de sair da Bahia, o que você fazia?>
KAL DOS SANTOS - Tive um grande privilegio, estudei na Escola Parque, onde desenvolvi a minha veia artística desde muito pequeno. Iniciei com a música, com o saudoso maestro Vivaldo Conceição; teatro com os maestros: Mario Tavareu, Carlos Petrovick, Alvaro Guimaraes, Zoila e Ary Barata e Jurema Penna. Depois, fiz o curso de interpretação teatral na Ufba. Criei com Godi, Lia Esposito e Ana Sacramento o Grupo Teatral Palmares Inarõn, participei de várias peças teatrais como ator: Língua de Fogo, O Cangaço, Estórias Brasileiras.>
Fiz parte do elenco Decameron como assistente de direção de Luis Marfuz no curso de formação de ator do TCA. Participei de vários vídeos clipes na TVE, com direção de Marcio Meireles e Deolindo Cecucci. Participei como ator nos filmes, Alice no País das Mil Novilhas e O Super Outro, com a direção de Edgar Navarro; como protagonista do filme A Lenda do Pai Inácio, com direção de Pola Ribeiro. Participei como percussionista no Grupo Oficina de Investigação Musical do Mestre Bira Reis, colaborando em várias trilhas sonoras e festivais. Frequentava como Ogan no Terreiro de Candomblé Ominidé de minha mãe Dona Vavà e no Bate Folha.>
CORREIO - Além de realizar o Arrastão como é sua vida em Milão?>
KAL DOS SANTOS - Em Milão organizo concertos, trabalho como educador no Projeto ArtEducação, uma espécie de filial do Projeto Axé da Bahia. Trabalho dando aulas e fazendo laboratórios de percussão pelas escolas. Trabalho também como modelo para Gucci, Dolce Gabanna e tantos outros...>
CORREIO - Encontrei com muitos baianos em Milão e a maioria não pensa em retornar a Salvador. Eles dizem estar totalmente adaptados à vida na Itália. E você?>
KAL DOS SANTOS - É difícil voltar depois de muito tempo. O trabalho, os amigos e família te ligam aqui.>