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Editorial
Publicado em 18 de abril de 2025 às 05:00
O depoimento de uma moradora da Engomadeira, em Salvador, nesta semana, expôs com clareza e dor o que muitos se recusam a enxergar: a jovem universitária Ana Luiza Silva dos Santos de Jesus, de apenas 19 anos, pode ter sido vítima não de um tiroteio entre policiais e criminosos, como sustenta a versão oficial, mas de mais um caso de violência letal praticada por agentes do Estado. >
“Na Engomadeira, 99% do público é povo preto, negro, de baixa classe. Aí quer dizer que a minha filha não pode se deslocar até uma venda ou para a casa dos avós porque estamos submissos?”, questiona a trancista Taizi Alves, em um desabafo que resume o sentimento de abandono vivido por quem mora nas periferias da capital baiana. “Somos jovens, periféricos, e estamos sujeitos às pessoas que são seres humanos, que apenas usam farda, e estão tirando a nossa vida banalmente. Toda tese é troca de tiros”.>
A Bahia já lidera, em 2025, o ranking nacional de mortes por intervenção policial: foram 412 casos registrados apenas nos primeiros quatro meses do ano, segundo dados do Ministério da Justiça. O número é quase três vezes maior do que o de estados como Pará e Rio de Janeiro, ambos com 147 mortes no mesmo período.>
O mais estarrecedor é que esses casos poderiam ser esclarecidos se os policiais envolvidos estivessem utilizando câmeras corporais. O governo Jerônimo Rodrigues anunciou, em maio do ano passado, a implantação de 1.300 câmeras — 200 cedidas pelo governo federal e 1.100 adquiridas pelo estado. Um investimento na ordem de R$ 23 milhões. Mas, um ano depois, ainda há mais perguntas do que respostas. >
Quantas câmeras foram realmente instaladas? Quantos policiais as utilizam diariamente? Por que, em batalhões que atuam diretamente em áreas conflagradas, como a 23ª Companhia Independente da PM, os agentes simplesmente não usam o equipamento? O próprio comandante da unidade, tenente-coronel Luciano Jorge, admitiu publicamente que os policiais que enfrentam facções criminosas não utilizam as câmeras. A pergunta que se impõe é simples: por quê, já que o estado investiu milhões de reais na aquisição destes equipamentos? >
Não se trata apenas de transparência - trata-se de vidas. As câmeras podem ajudar a coibir abusos, proteger inocentes e garantir a atuação legítima dos bons policiais. Sua ausência, por outro lado, alimenta a desconfiança, fortalece a impunidade e aprofunda o abismo entre a população das periferias e as forças de segurança que deveriam protegê-la.>
O governador Jerônimo Rodrigues afirmou que o caso de Ana Luiza será apurado com responsabilidade e transparência. É o mínimo que se espera. Mas é pouco. A sociedade baiana exige não apenas apuração - exige justiça. E mais do que isso: exige ação. É hora de respostas concretas, de instalação plena dos equipamentos, de punições exemplares quando houver abusos e de uma política de segurança pública que enxergue a juventude negra da periferia como cidadãos, não como alvos.>