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Elton Serra
Publicado em 9 de julho de 2017 às 05:29
- Atualizado há 2 anos
Quando o sol nasceu no dia 5 de julho de 1982, eu tinha apenas seis meses de nascido. Por motivos óbvios, não tenho nenhuma lembrança da Copa do Mundo daquele ano, muito menos da derrota brasileira para a Itália, no jogo que ficou conhecido como “tragédia do Sarriá”, no final da tarde daquela segunda-feira. Porém, influenciado por quem viu o time de Telê Santana jogar, já assisti todos os jogos da seleção canarinho no torneio da Espanha. Diversas vezes. Todos eles. Na íntegra.É lógico que ter vivido o ambiente que tomava conta das residências do nosso país durante a Copa influencia na paixão que a seleção de 1982 nutre nos brasileiros. Após 35 anos, aquele time continua sendo notícia e, vez ou outra, referência para discussões sobre o famoso futebol moderno. Mesmo assim, olhando friamente, com a obra pronta há três décadas e meia, é fácil entender o porquê de tanta idolatria – e o motivo de a equipe de Telê ser tão atual.É bem verdade que o Brasil demorou a engrenar. Na estreia, contra a União Soviética, fez um primeiro tempo sofrível. Sentiu a falta de Cerezo, suspenso, e jogou com Falcão como primeiro volante e Dirceu como meia pelo lado direito. O time só melhorou com a entrada de Paulo Isidoro, fundamental na virada de 2x1 contra os soviéticos. Contra Escócia, Nova Zelândia e Argentina, os brasileiros atropelaram. Mesmo com nomes bastante contestados, como os do goleiro Valdir Perez, do zagueiro Luisinho e do atacante Serginho Chulapa, o Brasil trouxe elementos táticos que são copiados até hoje: Telê Santana recuou um dos pontas para o meio-campo, transformou o já consolidado 4-3-3 canarinho para o 4-4-2 e ganhou mais um meia armador, com Sócrates e Zico regendo o time.As variações eram muitas. Na fase ofensiva, o Brasil assumia um 4-2-3-1, com Sócrates centralizado e Zico deslocado para o lado direito, equilibrando as pontas com o canhoto Éder. Com dois laterais, Leandro e Júnior, de extrema vocação ofensiva, o time criava superioridade numérica no último terço do campo, sufocava seus adversários com muita imponência. Júnior, pelo lado esquerdo, “forçava” Éder a se transformar num segundo atacante e utilizava bem o corredor para chegar à linha de fundo e criar inúmeras oportunidades de gol. Cerezo e Falcão, dois volantes técnicos, qualificavam o jogo pelo corredor central.O time de Telê Santana tinha problemas defensivos, minimizados pelo intenso jogo ofensivo praticado pelos seus comandados, mas perdeu para uma Itália que era muito forte. A dor que perdura nos corações dos brasileiros maiores de 40 anos é extremamente compreensível, pois a sensação era de que o Brasil conquistaria o tetracampeonato jogando o futebol mais bonito visto na história das Copas. No entanto, é impossível desprezar uma esquadra formada por talentos como Zoff, Cabrini, Scirea, Gentile e Rossi.Hoje, certamente, a maioria dos torcedores no Brasil prefere jogar feio e ser campeão. Não importa se seu time do coração é formado por meia-dúzia de pernas-de-pau: se tiver vontade e receber em dia, a exigência é sempre o título. Se a seleção de 1982 criou uma espécie de trauma afetivo na memória dos brasileiros, deixou um legado técnico e tático que foi aproveitado por algumas décadas no mundo inteiro. A condição de se reinventar precisa fazer parte novamente do nosso futebol – os talentos, felizmente, parecem ser inesgotáveis.Elton Serra é jornalista e escreve aos domingos.>