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A quem agradam os festejos do 2 de Julho?

Também há quem queira transformar a festa, quem sabe, em produto turístico, sonho de tantos políticos e comerciantes

Publicado em 28 de junho de 2025 às 05:00

Os cortejos do Caboclo e da Cabocla são o ponto culminante da festa da Independência
Os cortejos do Caboclo e da Cabocla são o ponto culminante da festa da Independência Crédito: Marina Silva/CORREIO

Em diferentes cidades da Bahia, festeja-se a Independência, tendo como ponto culminante os cortejos do Caboclo e da Cabocla. Em Itaparica, acontece no 7 de Janeiro. Em Cachoeira, no 25 de Junho. Nas demais, no 2 de Julho. É uma data singular, bem diferente daquela considerada como Independência do Brasil. Na primeira, a vitória numa guerra contra o colonizador, com a participação de amplos setores da população civil, sobretudo negros, índios e mestiços. Na segunda, o grito do príncipe português, aclamado sim pela população, porém sem guerra, o que faz diferença... De diversos tipos são os sentimentos, emoções e pensamentos desencadeados pelos festejos.

No 7 de Setembro, a atração costumam ser os soldados, com os cães e cavalos, bandeiras e armamentos. No 2 de Julho, a passagem do carro triunfante com os ícones maiores de nossa proclamação étnica jovem e mestiça, os Caboclos. Em Salvador, o 2 de Julho tem também outras manifestações, como a apresentação de filarmônicas de cidades do interior e a orquestra do Maestro Fred Dantas, além do desfile dos colégios e da parada gay na Avenida Sete.

Não costumam vir turistas para ver estas festas. Um ou outro sempre aparece, mas não creio que propriamente em virtude da singularidade da ocasião.

Nos anos pares, o 2 de Julho detona o início efetivo das campanhas eleitorais. Partidos, movimentos e associações aproveitam o cortejo do Caboclo para se fazer notar pelas pequenas multidões que se dispõem ao longo do percurso. Sua presença é alegre, vigorosa, ruidosa, até o Pelourinho, quando parece se interromper a oficialidade da festa, para ser retomada no Campo Grande. Dispersam-se então e se retoma o triunfo do Caboclo na Praça Municipal. Entre o Terreiro de Jesus e o Forte de São Pedro, gente de muito diferentes qualidades, idades, interesses e expectativas aguarda a passagem dos colégios, com suas fanfarras e, principalmente, com seus balizos. Não há mais políticos, candidatos e grupos jovens de militantes... As senhorinhas que trazem os netos, os casais de namorados e os muitos outros amantes do 2 de Julho vêm para ver a Cabocla passar e rememoram cenas engraçadas, que remontam àquelas outras que a cada ano se insinuam no 2 de Julho.

Também há quem queira transformar a festa, quem sabe, em produto turístico, sonho de tantos políticos e comerciantes. O que não se consuma, pois o Caboclo não gosta dessa instrumentalização. A festa da Liberdade de um povo misturado e sensual, atrevido e amante de si mesmo, não combina com a padronização e a submissão a critérios exógenos, desses que se chamam às vezes de “padrões de qualidade”.

A ornamentação das cidades por vezes aproveita os motivos das festas juninas, com modismos que vêm se firmando, como a casa de Lampião e Maria Bonita, convertidos em estereótipos engraçados do nordestino contraventor heroicizado. O que seria, então, o 2 de Julho? Percebe-se o acento no verde e amarelo. Mas... não é uma festa da Bahia? As cores da Bahia não seriam vermelho, azul e branco? Combinam-se as cinco cores pela rua, pelo Largo do Pelourinho, nas sacadas do Santo Antônio... É a independência do Brasil na Bahia, como dizia o saudoso Luís Henrique Dias Tavares. Não fosse a peleja de 1822-23, o Brasil não integraria hoje a nossa capitania e possivelmente outras tampouco.

Como se sentiriam a Cabocla e o Caboclo lendo as propostas de “transformar em roteiro turístico” sua passagem gloriosa pela rua? Mesmo que não tivessem que preencher formulários e usar crachás de identificação, nossos amados heróis desconfiariam ante as estratégias de convertê-los em “atração”. Ali no Campo Grande, na quitanda armada junto ao monumento de bronze ao Caboclo, estão entre 2 e 5 de julho para receber preces, agradecimentos e presentes. Frutas e folhagens, mel e charuto, jerimuns... assim como terços, exemplares do Novo Testamento, objetos de uso pessoal deixados como pedidos e pleitos de gratidão... Como ficaria isso em caso de turistização? Ora, moradores grã-finos dos bairros elegantes no entorno do Campo Grande reconhecem o valor das imagens, mas consideram uma sujeira a presença de frutas e sementes, a atrair pombos e, possivelmente, animais menos graciosos. Enfim, o que fazer com o povo da Bahia no caso de uma turistização?

Nas escolas formadas pelos morros do Rio de Janeiro, muitos compositores vêm fazendo há cem anos sambas memoráveis e muitos dirigentes organizaram desfiles exaltando, boa parte das vezes, a realeza. É uma peleja permanente para se apresentar como reis e rainhas, nobres e personagens notáveis. Enfim, não é só na Bahia que se fazem festas de que toma parte o povo por ocasião de datas cívicas. A exaltação da brasilidade, passando ou não pelas referências à realeza, é um grito de autonomia e amor próprio. Em todas essas manifestações, percebe-se o amor pela iconografia da independência, sempre recriada e palpitante.

Senhoras e senhores, deixem a festa do 2 de Julho fora de suas estratégias de “requalificação”. São os Caboclos que qualificam o momento como supremo louvor da Liberdade e das misturas. Assim agrada aos nossos queridos Tupinambás ver o povo acorrer à sua festa.

Milton Moura é baiano morador de Itaparica. Professor Titular Aposentado de História da Ufba. Pesquisador do Carnaval de Salvador e das Festas de Independência em Salvador e Itaparica e das diferenças culturais.