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Larissa Almeida
Publicado em 28 de junho de 2025 às 05:00
Última parada do cortejo cívico da Bahia, o Campo Grande é o lugar onde ecoa o som do levante pela independência. É lá, diante do Monumento ao 2 de Julho, que os baianos têm um reencontro com a história e celebram, anualmente, a liberdade junto a inventividade. Se pela tarde o espaço é tomado por civis que se reúnem para cantar o Hino da Independência da Bahia e o Hino Nacional, à noite esse mesmo local ganha vida pelo Encontro de Filarmônicas – uma extensão, ainda mais artística, da festa diurna. >
O entrelace com a música nesse trecho final do percurso cívico não é à toa. É que, geralmente, quem chega até ali não quer perder o pique nem o tom da diversão e, para reabastecer a energia, marcham até o Largo Dois de Julho, onde encontram o point de comes e bebes e da farra. Para quem está buscando um lugar para almoçar e participar da tradição, o Bar e Restaurante San Vicente, também conhecido como Bar da Marli, tem no cardápio feijoada, mocofato e frutas vindas diretamente do pé do caboclo – esse último item, de graça. >
“Eu faço homenagem ao caboclo e, geralmente, o pessoal que vem do cortejo para aqui para almoçar. Já é tradição. Eu coloco um altar para os caboclos, ornamento com palha de coqueiro e flores, os clientes trazem fruta e, no final do dia 2 de julho, cada um pega o que quer. É uma forma de honrar o bairro e aqueles que lutaram pela independência”, conta Marli Brito, proprietária do estabelecimento. >
A poucos metros de distância dali, há outra opção para comer, beber e celebrar com amigos: o Bar, Restaurante e Churrascaria O Líder. Com 70 anos de história, o local é referência quando se trata de malassado, sanduíche de pernil e duas iguarias que conquistam pelo inusitado: pastel de maniçoba e pastel de feijoada. >
Engana-se quem pensa, no entanto, que naquelas redondezas os locais de comemoração da independência são restritos. Para além da Praça do Campo Grande e dos bares e restaurantes do Dois de Julho, ainda resistem no tempo os espaços de memória da guerra no Centro Antigo. >
Um desses lugares é o Chafariz da Cabocla, situado no Largo dos Aflitos. Apesar de não ser tão conhecido, o chafariz serviu de inspiração para a criação do Monumento ao 2 de Julho. Ambos foram feitos na Itália e tem, no topo, uma alegoria de uma cabocla atacando uma hidra, que representa o Império Português. >
Há ainda os espaços dedicados ao legado dos heróis, heroínas e mártires da guerra, que estão distribuídos nos prédios em que funcionam instituições religiosas. Esse é o caso do Túmulo de Joana Angélica, freira que foi assassinada com um golpe de baioneta enquanto resistia à invasão pelas tropas portuguesas ao Convento da Lapa. Até hoje, o local da sua morte está preservado e integra a rota da memória e da vivência do 2 de Julho.>
Praça do Campo Grande >
Monumento ao 2 de Julho
Ponto final do Cortejo do 2 de Julho, a Praça do Campo Grande é um lugar simbólico para a Independência da Bahia, afinal de contas, é lá que está erguido o Monumento ao 2 de Julho. Esculpido em bronze, ferro fundido e mármore, o conjunto artístico foi feito na Itália e inaugurado, no Brasil, em 1895.>
É considerado tão imponente porque, além de possuir 25,8 metros de altura – um dos monumentos mais altos da América do Sul –, tem no topo a escultura de um caboclo, com 4,1 metros, armado de lança e arco e flecha, que representa a identidade do povo brasileiro que lutou pela Independência. Ele mata um dragão, seguro aos seus pés, que representa a tirania portuguesa – inspirado no Chafariz do Caboclo que, hoje, está situado no Largo dos Aflitos.>
Quando o cortejo chega até a praça, a reverência é cumprida todos os anos com honrarias. Conforme a tradição manda, as bandeiras do Brasil e da Bahia são hasteadas e as bandas da Marinha, Exército e Aeronáutica executam o Hino Nacional. Na sequência, as autoridades realizam a colocação de Coroas de Flores no Monumento ao 2 de Julho e há o acendimento da pira do Fogo Simbólico, que geralmente é feita por um atleta baiano e, por fim, a execução do Hino ao 2 de Julho. >
À noite, as celebrações têm continuidade com o Encontro das Filarmônicas, apresentação orquestrada todos os anos pelo maestro Fred Dantas, que reúne bandas de Cachoeira, Saubara, Santo Amaro da Purificação, São Francisco do Conde, Candeias, Simões Filho, dentre outras. >
Largo dos Aflitos >
Localizado entre a Rua Carlos Gomes e a Avenida Lafayete Coutinho, o bairro dos Aflitos é vizinho ao Campo Grande e, apesar de estar fora da rota oficial do cortejo cívico, abriga hoje o monumento que inspirou o grande Monumento ao 2 de Julho. Trata-se do Chafariz da Cabocla, que inicialmente foi inaugurado na Piedade, em 1856. >
Na época, um chafariz não era visto apenas como uma obra de arte ou recurso de embelezamento da cidade. Em um período ainda marcado pela falta de saneamento básico, era através dos chafarizes que muitos cidadãos tinham acesso à água. Diante de tamanha importância, o governo fez uma consulta pública para saber onde ficaria o chafariz e, como este seria diferente dos demais por ter sido esculpido com o intuito de celebrar a Independência da Bahia, houve disputa para saber onde ficaria. >
A estadia do chafariz na Piedade não durou muito tempo. Contam os registros históricos que, no início do século 20, após a criação da Avenida Sete de Setembro, ele foi instalado no Largo Dois de Julho, a poucos metros do local do antigo chafariz que lá existia, e deu nome à localidade. >
Por sua vez, o historiador Jaime Nascimento conta que o chafariz teve uma trajetória mais tumultuada. “Inicialmente, estava no Largo da Lapinha, rodou por alguns locais da cidade, ficou desaparecido e, ao ser encontrado novamente, foi escolhido o Largo dos Aflitos para ser instalado, sob a proteção do Quartel da Polícia Militar”, afirma. >
Apesar de percorrer tantos pontos da cidade – ou talvez por isso mesmo –, o chafariz se tornou um dos grandes símbolos do 2 de Julho. Esculpido em mármore, tem, no topo, uma alegoria de uma cabocla atacando uma hidra, que representa o Império Português, ajudando a manter aceso até hoje o orgulho dos heróis da independência. >
Convento da Lapa >
Também no Centro Antigo, outro local que guarda memórias do 2 de Julho é o Convento da Lapa. Hoje, de portas fechadas para reforma depois que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) interditou o espaço por risco de desabamento, não é possível encontrar freiras andando por lá, mas basta adentrar a única porta aberta – que dá acesso ao lugar em que funciona uma floricultura – e andar rumo à esquerda para avistar o local exato em que Joana Angélica, mártir da guerra pela independência, morreu. >
O florista Paulo Alves, que conhece o espaço como poucos, aponta que foi na varanda, que separa a área interna do convento do grande pátio que já foi uma praça pública, que Joana Angélica tentou impedir soldados portugueses de avançar e acabou sendo golpeada por uma baioneta. >
No centro de onde tudo aconteceu, hoje existem duas placas, colocadas pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e pela Universidade Católica de Salvador. Ambas as instituições reconhecem a freira guerreira como a grande mártir da guerra pela independência da Bahia. Abaixo do chão da varanda, está o túmulo de Joana Angélica. >
Igreja de Sant’Ana >
Outra grande mulher de destaque na luta pela independência, Maria Quitéria, que se tornou figura de fascínio diante dos mistérios envolvendo o seu envolvimento com a luta armada, está sepultada na Igreja de Sant’Ana, em Nazaré. Em 2021, a igreja inaugurou um memorial em homenagem a ela, que morreu em completo anonimato, em agosto de 1853. >
Segundo o padre José Abel Pinheiro, pároco da Igreja, por muito tempo houve dúvida quanto o paradeiro de Quitéria e até hoje não se sabe o local exato em que seus restos mortais estão depositados, mas os registros funerários indicam sua vinculação com a Igreja de Sant’Ana. >
“Ela foi abençoada e foi sepultada no cemitério da igreja, nós só não temos o lugar exato de onde está. Ela morava nas imediações do Campo da Pólvora e frequentava a igreja, era uma exímia católica”, conta. >
No memorial erguido para Maria Quitéria, há destaque para a grande habilidade que ela tinha no uso de armas de fogo e para a guerra que lutou como voluntária contra as províncias que não reconheciam Dom Pedro como imperador. >
Bar San Vicente >
Bar São Vicente/Bar da Marli
Também conhecido como Bar da Mari, o bar e restaurante San Vicente não faz parte do roteiro original do cortejo ao 2 de Julho, mas é o destino de boa parte das pessoas que acompanham o ato cívico. Localizado no Largo Dois de Julho, os inimigos do fim procuram o espaço para reabastecer a energia após a longa caminhada da Lapinha ao Campo Grande. >
O grande atrativo do espaço são as honrarias feitas aos heróis e heroínas da guerra. Marli Brito, proprietária do estabelecimento, há 22 anos prepara um altar para os caboclos e caboclas – que representam as tropas que lutaram pela independência – e decora tudo com palha de coqueiro e flores. Fica a cargo dos clientes o depósito de frutas no pé do altar que, posteriormente, é compartilhada com qualquer pessoa que tiver interesse, no fim da tarde do dia 2. >
As frutas são servidas como uma espécie de sobremesa por conta da casa – embora Marli não negue a ninguém a origem colaborativa de cada uma delas –, sem custo. Antes, o destaque vai para a feijoada preparada por ela, que é famosa na localidade, assim como um mocofato (também conhecido como mocotó), que aumenta eleva o movimento do local além da capacidade máxima. >
Bar e Restaurante O Líder >
Com 70 anos de tradição, o bar e restaurante O Líder é outro espaço que atrai os celebrantes da Independência da Bahia. Localizado também no Largo Dois de Julho, o local opera com o máximo de funcionários na data comemorativa para dar conta do incremento de 100% no número de clientes. >
De acordo com Juliana Costa, que trabalha no estabelecimento há quase cinco anos, conta que é um dos melhores dias para manter o negócio aberto. “Nós nos preparamos antes, porque tem muita saída do carro-chefe, que é o sanduíche de pernil”, conta. >
Além do lanche leve para quem quer apenas um aperitivo para acompanhar a bebida alcóolica, o local se destaca pelas iguarias inusitadas: pastel de feijoada e pastel de maniçoba. Ainda, conta com pratos com receitas únicas, como o filé negro, que é marinado por três dias no vinho, ganhando uma crocância por fora e suculência por dentro. Tudo isso, após percorrer quase 5 km, coroa com chave de ouro o roteiro festivo. >