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Thais Borges
Publicado em 28 de junho de 2025 às 05:00
Na semana anterior ao dia da Independência do Brasil na Bahia, o Largo da Lapinha estava vazio. Reinaugurado há dois anos como um monumento pelo bicentenário da data, o espaço traz os registros dos nomes dos principais participantes da revolução, incluindo as heroínas Maria Quitéria e Maria Felipa, e o busto do general Labatut. No Largo da Soledade, a poucos metros dali, a estátua da Soldado Medeiros performa sua imponência também de forma solitária. >
Para comerciantes da área, os monumentos, de fato, já estão lá. A parte material de um dos episódios mais importantes da história do Brasil está presente. Falta, agora, a ocupação. Sem isso, dificilmente a área será tão buscada por turistas quanto os vizinhos Santo Antônio Além do Carmo e Pelourinho. Sem isso, a Lapinha acaba resumida a apenas mais um bairro residencial de Salvador. "Precisa de atrações para as pessoas virem para cá. Tem que ter também uns banheiros porque, de manhã, a gente chega aqui e encontra urina em alguns locais. Aqui, só fim de semana. Durante a semana, turista chega aqui, entra no carro e vai embora. Até a igreja só funciona domingo de manhã", diz a comerciante Marizete Barbosa, 52 anos, dona de um trailer de alimentos no Largo da Lapinha e moradora do bairro, referindo se à Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Lapinha. >
Pensando nisso, o CORREIO identificou locais que poderiam fazer parte de rotas turísticas da independência - passeios que poderiam ser vendidos por agências de viagens e guias turísticos, mas também fomentados pelo poder público ou adotados por visitantes de forma individual. Há desde os pontos óbvios - os tradicionais, que precisam estar porque já fazem parte do cortejo oficial - até aqueles pontos que merecem ser descobertos ou ainda mais celebrados por turistas e radicados aqui. >
Para o historiador Rafael Dantas, há demanda por uma rota da independência. Em 2023, inclusive, através de sua empresa de consultoria, ele já promoveu uma experiência para um grupo de cerca de 40 pessoas nos principais pontos de Salvador. Aquele primeiro momento tem servido de inspiração para um projeto maior, que deve começar no próximo ano, e incluir também idas às cidades do Recôncavo Baiano. >
"A ideia do nosso roteiro não é só percorrer os bairros e fazer uma paradinha. A perspectiva é de, em cada museu, prédio e igreja histórica, ter uma palestra entre 30 minutos a uma hora, com pesquisadores falando sobre o 2 de Julho. Tudo isso acompanhado por guias de turismo e atrelado ao roteiro gastronômico do século 19", adianta. Com essa iniciativa específica, o evento seria anual, sempre no mês de julho, mas não no dia exato do feriado e do cortejo oficial.>
Na avaliação dele, atividades como essa são essenciais para garantir que mais pessoas conheçam o 2 de Julho não apenas como uma data cívica, mas de maneira atrelada ao lazer e à atividade turística. "Mas tem desafios, porque um projeto como esse tem que ser feito com muita seriedade e responsabilidade", reforça. >
Tal qual o desfile oficial, um roteiro turístico e histórico da Independência em Salvador pode começar no Largo da Lapinha. "Essa região foi o marco da chegada do exército pacificador na cidade, no 2 de julho de 1823. Foi ali que, depois de meses de uma cidade sitiada e dominada pelos portugueses, que fizeram daqui um grande quartel, eles (os combatentes da independência) adentraram a cidade. Depois das rendições, nosso exército, vindo de diversos lugares dos caminhos do Recôncavo e comandado por Lima e Silva, adentrou a Lapinha e seguiu pelo Centro Histórico, onde é feita uma grande festividade ", explica historiador Rafael Dantas. >
Em 2023, o Largo passou por uma requalificação que incluiu a troca do piso e a implantação de totens com informações sobre os principais personagens do 2 de Julho. Há, também, ilustrações de cada um desses nomes. No entorno do Largo, fica a Igreja da Nossa Senhora da Conceição da Lapinha, construída em 1771 (na época, foi a primeira igreja em estilo mourisco - ou seja, de influência árabe - no país). >
Frequentemente chamado ainda de ‘pavilhão’, o Memorial 2 de Julho deixou de ser ‘apenas isso’. O espaço, localizado no entorno do Largo da Lapinha, era conhecido por abrigar os carros do caboclo e da cabocla. No entanto, desde 2023, após o bicentenário, há um museu aberto à visitação e que aborda diversos aspectos da independência da Bahia. Com três pavimentos, um dos destaques é a possibilidade de interação com os elementos virtuais. No térreo, onde ficam as carruagens, há telefones com histórias das batalhas e um mapa digital com pontos do percurso. >
Já no piso intermediário, ficam fotos e entrevistas com pessoas envolvidas na festa, enquanto no segundo andar fica uma linha do tempo interativa. Há, ainda, um painel de patchwork com nomes como Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa. Até o dia 10 de julho, o memorial estará fechado para visitação. Após a data, contudo, as visitas retornam ao normal. O ingresso é gratuito e a ida pode ser feita entre terça-feira a domingo, das 9h às 17h. No entanto, o horário da entrada é até 16h. Não é necessário agendar antes. >
O local tem ar misterioso. Não tem placa na calçada. É preciso passar do portão do antigo casarão verde (número 15 no Largo da Lapinha) para se deparar com uma pequena porta onde tem desenhado o nome "Entre Folhas e Ervas". Uma comerciante do Largo brinca que deveria cobrar pela repetição da resposta “Fica aqui nessa casa verde” às perguntas sobre a localização do restaurante. Um dos lugares mais charmosos da cidade, surgiu a partir do costume de Ylo DelRei de Sá Carvalho de receber amigos. Ganhou fama e virou point queridinho de quem quer uma boa bebida, uma boa comida e uma boa música. Mas só atende com reserva de mesa, viu? O telefone para contato é (71) 9327-8997. >
Entre os destaques do cardápio, está o "Achado". À base de purê de aipim, provolone maçaricado e banana da terra, ele pode ser de camarão (o mais pedido), polvo, carne do sol ou fumeiro. Outra pedida é o camarão tropical, servido com provolone maçaricado no abacaxi. A variedade de drinks na faixa dos R$20 é outro ponto positivo do local. Para completar, samba, forró, reggae e outros ritmos ao vivo. >
O destaque do Largo da Soledade é a estátua de Maria Quitéria, a Soldado Medeiros, que fica no centro da praça. Batizada oficialmente de ‘monumento à Liberdade’, a estrutura foi inaugurada em 21 de agosto de 1953, de acordo com o Mapa da Cultura do governo federal. Criada por José P. Barreto, a estátua tem 6,59m de altura e é feita de bronze com pedestal em granito. "Tudo começa nesse espaço pela importância para a sociedade", avalia o historiador Rafael Dantas. >
No entanto, ele admite que faltam outros atrativos para que o largo se torne um local essencial para as visitas. De forma geral, a área perdeu aspectos arquitetônicos de maior referência ao período histórico da independência, com exceção de construções que já existiam na época, a exemplo da Igreja da Soledade, nas imediações da praça. "É uma região importantíssima, uma das mais importantes da história do Brasil. Era para ser um Centro Histórico, com casas recuperadas no modelo do século 19. Infelizmente, é um lugar extremamente deteriorado do ponto de vista dessa estética", pondera o pesquisador.
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A Igreja de Nossa Senhora da Soledade, fundada nas primeiras décadas do século 18, conta com outras duas construções importantes: o convento, inaugurado em 1739 e ligado à Ordem das Ursulinas do Sagrado Coração de Jesus, e o colégio, de 1896. Todas as instituições funcionam até hoje, sendo que a escola abriga mais de 900 alunos, no turno da manhã. A rotina dos alunos, inclusive, é uma das dificuldades para que o colégio seja aberto à visitação. >
"Se houver uma rota turística, a visitação aqui teria que ser na parte da tarde ou nos finais de semana, mas precisaria ter pessoas capacitadas para essa visita", explica a recepcionista da escola, Ednalva de Jesus. Todo dia 2 de Julho, alunos da escola fazem suas homenagens ao caboclo e à cabocla. Segundo o historiador Rafael Dantas, o complexo foi utilizado por militares portugueses. "Eles ocupavam construções estratégicas como fortes, igrejas e conventos, porque são estruturas feitas para perdurar". Atualmente, é possível ter um gostinho da visitação nas missas da igreja, aos domingos, às 6h30. >
Todo dia 2 de julho, Sérgio e Itamir já sabem. Precisam se preparar para receber a leva grande de clientes. Se for ano de eleição então, nem se fala! "Fica muito mais cheio! Quem dera fosse sempre assim!", diz Sérgio. O Solebar, mais conhecido como Bar do Ronaldinho (apelido de Itamir), fica bem no Largo da Soledade, ‘na boca do cortejo’, como se diria por aí. Ronaldinho, 60 anos, é o pai. Sérgio, com seus 37, é o filho. O bar tem 27 anos de história e boa parte dela é composta pelas celebrações da Independência do Brasil na Bahia. >
"Tem os clientes fixos, tem os clientes novos que estão no cortejo e param aqui para comer e beber e tem os antigos moradores que sempre estão aqui no dia do cortejo", conta Sérgio. Para receber todos eles, pai e filho servem feijoada, dobradinha e sarapatel. Prato pesado? Que nada! É preciso dar sustância! Quem vai andar da Lapinha até o Campo Grande ou ao menos até a Praça Municipal tem que estar bem alimentado. Para acompanhar, aquela cervejinha gelada não é nada mal. O Solebar, ou Bar do Ronaldinho, fica no número 6 do Largo da Soledade. >