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Eu, nós e os outros

Só haverá legítima preocupação ética com o outro, se for possível compreendê-lo como parte do nós

Publicado em 11 de junho de 2025 às 05:00

O filme Zona de Interesse chocou espectadores, mesmo os menos sensíveis, ao mostrar a rotina da vida de uma família, formada por um casal e seus cinco filhos, ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A residência bucólica, que ficava a 150 metros da chaminé do crematório do campo, era chamada pelos familiares de Paraíso.

A ética, discutida desde a Grécia Antiga, sempre é apresentada a partir de pilares e princípios. Em comum, o sentido de justiça, respeito e preocupação com a dignidade. A proximidade conceitual das diferentes perspectivas da ética, no entanto, não deve deixar que nos iludamos em relação às diferentes abrangências da sua aplicação. Se há em comum o tratar da procura de se fazer o bem, existe uma diferença profunda em relação à quem os princípios éticos se estendem.

A ética vegana e vegetariana, em um dos extremos de abrangência, estende a não maleficência e a preocupação com a dignidade, além dos serem humanos, alcançando os animais. A ex-ministra Margareth Tatcher, mãe do neoliberalismo, por sua vez, em extremo oposto, negou a existência da sociedade. Para ela, existem os indivíduos e (Vamos lá!) as famílias, o que certamente pode restringir a visão individual de preocupação com a dignidade humana, a justiça e a equidade daquele que é visto como não eu ou não parte de nós.

Em sociedade, tudo aquilo que não identificamos como eu ou como nós é identificado como outro. Desse modo, como indivíduos, reconhecemos todas as demais pessoas como outros. Como família, aqueles que não a integram são os outros. O conceito pode se estender e ser aplicado a empresas, times de futebol, unidades federativas, regiões, países, continentes, espécies e seres vivos. Existem duas distinções sociais extremamente impactantes em termos éticos relacionadas aos termos nós e outros. O primeiro diz respeito à fronteira do nós. O que definimos como nós? O segundo, em relação à extensão dos princípios éticos para além do que reconhecemos como nós. Ou seja, quais as nossas preocupações éticas com aqueles que são identificados como outros (não ricos, não brancos, não sulistas, não heterossexuais etc.)?

A resposta à primeira questão é contextual. A visão do que é o nós, para cada um, é determinada, muitas vezes, por circunstâncias. No estádio de futebol, “nós” somos os torcedores do mesmo time. Na Copa do Mundo, “nós” incluem rubro-negros, tricolores, alvinegros e qualquer outro torcedor que torça pela seleção canarinho. Nas eleições, no primeiro turno, nós podemos ser os eleitores de centro, os de direita ou os de esquerda. No segundo turno, nós nos arranjamos de forma diferente.

Já a resposta à segunda questão, se funde com a primeira. Só haverá legítima preocupação ética com o outro, se em algum contexto for possível compreendê-lo como parte do nós. A declaração universal dos direitos humanos começa com uma referência ao indivíduo, porém antecedida pelo prenome indefinido “Todo”. A junção do termo “todo” com indivíduo não é oximorônica. A mesma declaração de Direitos na primeira pessoa seria lida como Todos Nós. O não reconhecimento da coletividade e o desprezo pelo outro faz o indiferente mais indigno que o desprezado. Assim, como os algozes nazistas e as vítimas judias.

Horacio Nelson Hastenreiter Filho é professor associado e coordenador de inovação da Ufba