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Publicado em 23 de junho de 2025 às 05:00
A festividades juninas tem raízes profundas na alma do povo nordestino, pois evocam as raízes profundas da alma. São festas que nascem na fé, passam pela família aberta à comunidade e chegam até as entranhas da cultura. >
Nascem da inculturação que o Cristianismo Primitivo realizou ao se amalgamar à sociedade greco romana. >
Por conta de importância de João Batista para a religião nascente, ele se tornou o único santo festejado, também, na data do nascimento. E, em analogia com o Messias, segundo a lógica da narrativa bíblica da Anunciação, na qual o Anjo Gabriel afirma que a prima de Maria estava grávida de três meses quando a Virgem recebeu a notícia de que estaria grávida de Jesus, João nasceu seis meses antes de Cristo. >
Assim é que, no São João, celebramos o nascimento daquele que seria o Precursor do Messias, mostrando “o Cordeiro de Deus”. >
Festa realizada no período das colheitas nas origens mediterrâneas, se encaixou perfeitamente na realidade do inverno nordestino, trazida pelos portugueses. Festa da fartura, do milho, amendoim e laranja em quantidade suficiente para o núcleo familiar se servir e distribuir com vizinhos e amigos. >
Mais autênticas que as grandes festas de rua, as festas do encontro nas casas fazem o coração arder no abraço amigo, nas histórias contadas e lembradas, na saudade de quem partiu e na acolhida aos que chegam e vivem a celebração comunitária pela primeira vez. >
O São João é festa de tendas alargadas, casas ampliadas, famílias que se abrem. >
O São João é celebração do retorno ao essencial, da simplicidade de quem partilha o que tem com liberdade e alegria. Até parece que nesse tempo a igualdade sonhada por Jesus acontece e todas as mesas se assemelham na gostosura dos bolos, no dulçor das laranjas, na fartura do amendoim. Todo mundo tem, todo mundo come e tem e come as mesmas coisas. >
Aqui está, por excelência, o lugar onde a fé se encontra com a vida! >
Olhar para aquele homem austero, vestido de peles e comendo gafanhotos e mel silvestre deve gerar nos brincantes um desejo de se alegrar com um jeito novo de ser e viver onde o essencial esteja no ser, no encontro e no abraço. Mesas pobres e ricas partilhando da mesma comida deviam nos lembrar que o Banquete da Vida é sonho divino no qual todos têm direito de participar. >
A festa acontece de verdade quando todos podem participar de forma equânime dela. Fico triste com a importação de valores pequeno burgueses que distanciam os folguedos juninos da sua essência. O festejado apontou aquele que anunciou um mundo de irmãos e, no mês de junho, isso parece mais perto com as portas abertas, mesa posta e fartura nos lares, com simplicidade e acolhida. Fé cristã e festa tem relação profunda quando a festa não abafa a fé e não restringe a fraternidade. >
Plenamente consciente do movimento da história que constrói, descontrói e reconstrói cultura, sem arroubos saudosistas, acredito que podemos continuar sonhado com um mundo fraterno e suas metáforas festivas mas sem camarotes, cordas ou catracas, valorizando a cultura e os ritmos do nosso povo, as nossas raízes e os nossos artistas populares. >
Ao olharmos pra trás, bem pra trás, nas colinas da Judéia, vemos o São João do Carneirinho nascendo e a festa acontecendo. Ao lembrarmos um pouco vamos trazer no coração as memórias amáveis das festas populares e sua partilha singela. Que, ao olharmos pra frente não desprezemos o essencial e façamos o novo acontecer sem deixar pra trás o que é essencial.>
Pe. Manoel Filho é Vigário Episcopal para a Cultura, Educação e Comunicação da Arquidiocese de Salvador e Pároco da Ascensão do Senhor –CAB >