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Flavia Azevedo
Publicado em 17 de junho de 2017 às 15:45
- Atualizado há 2 anos
Eu não sei se a gente deveria queimar mais uns sutiãs, tirar a roupa da frente do fórum ou começar a postar fotos indecentes nas redes sociais. Tô confusa. Não sei se me irrito mais com o juiz que assumiu concordar que algumas mulheres merecem ser agredidas ou com a mulher que se defende da acusação de ter uma "reputação elástica" (o que quer que isso signifique) dizendo que é casada há 24 anos e tem quatro filhos. Fato é que, nesse episódio que envolveu a atriz e escritora Fernanda Young e o Juiz Christopher Alexander Roisin (11ª Vara Cível de São Paulo) tem merda pra todo lado (entenda o caso).>
Ao definir o valor da indenização que o agressor deveria pagar à vítima de ataques no Instagram, o juiz explicou que, pelo fato de a moça já ter posado nua, a penalidade seria mais leve. Porque, né, sabe como é... mulher que se expōe assim não merece tanto respeito. Que nem aquelas que andam de shortinhos por aí e depois reclamam porque foram estupradas. O cara que estupra está só erradinho, mas não super e monstruosamente errado. Tem mulher que abusa, que provoca, que procura por isso. Essas, de "reputação mais elástica", tipo Fernanda que posou nua na revista, com tatuagens, com tudo. >
Um babaca, o juiz. Um misógino, moralista, machista com poder. Mas a mulher em questão também tem voz e, imediatamente, o que fez? Chamou o marido. Meus sais, pelamordadeusa. Ela disse que é casada (pronto, chegou o cavalheiro pra defender a mocinha). Há 24 anos (pronto, não é como esse monte de vagabundas que trocam de macho toda hora). E tem quatro filhos (pronto, cumpriu o destino/obrigação de toda mulher). Por isso, deve ser respeitada. Que ano é hoje, eu me pergunto, enquanto tento entender (só por curiosidade, fique claro) o quanto eu valeria segundo a opinião desse dois.>
Nunca posei nua, mas sempre fiz muito topless e até apareci de peitos (lindos!) de fora numa matéria da revista Marie Claire. Troquei de homem várias vezes (continuo trocando) e o meu casamento mais longo durou sete anos. Ah, e só tenho um filho. Sendo que desisti do segundo exatamente porque dá trabalho demais. Ou seja? Sou preguiçosa e não cumpro meu destino de reprodutora plenamente. Rá! Reputação super elástica, zero vergonha na cara, pouco merecedora de respeito. Esse, que a gente continua precisando ir buscar. Que nunca veio de graça nem para as santas nem para as putas. >
Quando uma mulher pública, toda tatuada, que posa nua, que escreve textos legais, que parece tão dona do próprio nariz, "chama o marido" pra se fazer respeitar, da pra ter a exata dimensão da nossa miséria. Quando, quem parece questionar o padrão, implora por caber nele, é confuso, é triste, é desolador. Ę só não é o fim porque há o feminismo, esse imprescindível mimimi".>
Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo>