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Flavia Azevedo
Publicado em 3 de maio de 2020 às 12:25
- Atualizado há 2 anos
Minha filha e meu filho, meus amores, obrigada. Vocês estão me entretendo demais, no isolamento. Depois de dispensarem as "empregadas" (pagando o dinheiro delas, assim espero), estão fazendo (e publicando nas redes) descobertas incríveis, sobre o trabalho doméstico. Eu, que há muitos anos os faço, fico maravilhada com as constatações e perplexidades. Como não sou uma pessoa completamente boa, várias vezes penso "toma, sacana", antes da gargalhada, diante de certos posts e comentários. Errada não estou, apenas comemoro o momento em que as humilhadas, finalmente, são exaltadas. Ainda que não diretamente. Mas é só no que penso quando vejo os mal digitados posts de quem realmente acredita que é fofo aprender na idade adulta - e por causa de uma pandemia! - como deixar a própria casa minimamente habitável. Sinto discordar. É engraçado, mas é mico. Eu acho.>
Mainha sempre disse "tem que saber fazer, nem que seja só pra orientar a funcionária". Sei fazer, orientei muitas vezes e já fui, eu mesma, a empregada. Numa experiência de (na época) jovem privilegiada, morando fora do país, precisei completar a renda. Então, fui garçonete, babá de cachorro e de gente. Foi ótimo, mas entre diversos bicos, também descobri que limpar a casa dos outros, em geral, é um trabalho nojento pacaraio. Podia ser apenas normal se os outros não passassem dos limites do que devem deixar para a quando a diarista chegar. Exemplos? Pias de banheiro com catarro grudado, vaso sanitário com a louça pintada de cocô, lixos transbordando, comida podre na geladeira, lençóis sujos de menstruação e coisas assim. Já encontrei armário vazio e todas as louças sujas, pra eu lavar. É horrivel até ler isso, né? Também acho. Mas é real.>
Sério, é feio e não tem a menor necessidade. Se na minha experiência de juventude eu podia dizer (e disse) "aqui não volto nunca mais", quantas empregadas domésticas são obrigadas a engolir em seco e aguentar as porcarias de "sinhô" e "sinhâ"? Se é o seu caso, se envergonhe mesmo e aprenda a se comportar. Reflita, enquanto lava suas sujeiras descobrindo as alergias e dores de cabeça que os produtos de limpeza trazem. Faz parte. Assim como fazem parte o cansaço, as dores nas costas, os calos nas mãos, as unhas feias, as mãos ressecadas e o fato de que trabalho doméstico, por mais que se faça, ninguém repara e, mesmo assim, nunca acaba. Passar os dias fazendo um trabalho extenuante e que não tem qualquer reconhecimento é a rotina das mulheres que sempre cuidaram sozinhas das próprias casas e de uma multidão de profissionais dessa área. Elas fazem isso todos os dias, as vezes para muitas famílias por pura necessidade.>
Que esse tempo traga uma nova ética, também no que parece ser detalhe. Na próxima vez em que agendar uma faxina, lave a sua roupa íntima (já encontrei cueca e calcinha "freada"), jogue um desinfetante no vaso sanitário, não deixe o lixo transbordar, dê uma organizada e não deixe todos os pratos sujos só porque "amanhã tem diarista, relaxe". Não custa quase nada e te coloca em outro lugar. O nome disso é lindo: civilidade. Se, "quando isso tudo passar", você voltar a ter ajuda profissional em casa, espero que olhe com respeito para quem lhe traz saúde, bem estar, tempo livre, conforto físico e emocional. As domésticas não viram influencers, em geral. Mas deveriam porque têm mais potencial de conteúdo do que a maioria dos "famosos" das lives. Elas são reais. Portanto, respeite, considere e trate melhor, quando - e se - a "sua" voltar.>