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A lista do NYT, e o cinema que não sai na fita

Numa lista infestada de filmes de Christopher Nolan e com dois filmes de Scorsese , não caberiam bicampeões da Palma de Ouro no século XXI, como Ken Loach e Ruben Östlund?

  • Foto do(a) author(a) Gil Vicente Tavares
  • Gil Vicente Tavares

Publicado em 2 de julho de 2025 às 05:00

Anos atrás, fui surpreendido por um documentário de Walter Salles sobre um cineasta chamado Jia Zhang-ke. O diretor brasileiro exaltava um diretor que eu sequer tinha ouvido falar. Fui atrás.

Pelo dia-a-dia atribulado de trabalhos e compromissos familiares, já faz um bom tempo que deixei de ser um cinéfilo que acompanhava críticos, resenhas, festivais e filmes em destaque pelo mundo, e fui me valendo da lista de amigos e conhecidos e uma notícia ou outra sobre premiados e indicados para tentar minimamente acompanhar parte da criação mundial.

Assim, acabei por chegar a cineastas que, prontamente, se tornaram os que mais me interessavam, nos últimos anos. Nuri Bilge Ceylan e Andrey Zvyagintsev se tornaram meus dois preferidos, dentre os contemporâneos, provavelmente.

Sei que hoje em dia medimos o mundo por nossa régua particular, então se não conhecemos, há grande chance de considerarmos que são diretores alternativos, que eu quero ser diferentão citando nomes poucos conhecidos, mas… Se você olhar Cannes e Veneza, os dois festivais de mais prestígio do mundo, você verá o nome dos dois em diversas indicações e prêmios. Portanto, são cineastas renomados, sem contudo surfarem em modas e estéticas que entusiasmam certa gente.

Os irmãos Dardenne fazem parte do seleto grupo que conseguiu ganhar a Palma de Ouro duas vezes. Não são cineastas da minha predileção, mas contra fatos não há argumentos. Bem, talvez existam argumentos que fujam a premiações, e que possam deixar de fora nomes como Jafar Panahi, Andrei Konchalovsky e Hirokazu Koreeda, três cineastas que fizeram alguns dos meus filmes prediletos, nos últimos anos.

Contra fatos, infelizmente, há argumentos. E há listas, como a que acabou de sair, organizada pelo jornal The New York Times.

O que todos os cineastas acima têm em comum é que não figuraram com nenhum filme na lista do 100 melhores do século XXI.

Eu sempre sou um dos primeiros a não dar muita “ozadia” a listas, prêmios e afins, portanto, não há aqui qualquer tentativa de confrontar ou atacar essa ou qualquer lista. O que me deixa curioso é pensar quais critérios as pessoas convidadas utilizaram para sugerir seus nomes, e como foi exatamente a abordagem do jornal ao perguntar.

Se Amor, de Michael Haneke, entrou lá na rabeira, na posição 75, é incoerente não constar A fita branca (que, entre todos que conheço e gostam de cinema, é unanimidade como uma obra superior a Amor). Mesmo A professora de piano e Caché são filmes muito bem filmados em todos os aspectos.

Haneke deu uma escorregada feia, considero eu, com seu Happy end, mas vinha de uma sequência, assim como Ceylan e Zvyagintsev, de emendar um filme de qualidade atrás do outro, algo que, sabemos, é raro de vermos no cinema.

A precisão da direção de Ceylan em filmes como Era uma vez na Anatólia e Sono de inverno, e de Zvyagintsev em O retorno e Sem amor são impressionantes, só para citar dois exemplos de cada. Corro os olhos sobre a lista e vejo raros filmes com a mesma qualidade técnica e artística, dentre os que conheço.

O naturalismo incrível de Koreeda e a delicadeza das lentes de Panahi contrastam com a dureza de Konchalovsky, formando um trio difícil de ser batido em suas qualidades específicas.

E se partirmos para filmes mais experimentais, mais fora do padrão, é estranho que um Peter Greenaway (seu Ronda noturna fala sobre o ato da criação, num jogo de metalinguagem que me tocou) e um Roy Andersson não sejam citados; ou até mesmo um David Cronenberg, para ficar entre os mais conhecidos.

Numa lista infestada de filmes de Christopher Nolan, e com dois filmes de Scorsese que mesmo seus fãs não gostam tanto assim, não caberiam bicampeões da Palma de Ouro no século XXI como Ken Loach e Ruben Östlund, queridos das premiações (e não necessariamente meus; não tenho tantas acordâncias assim com Cannes, muitas vezes)?

A coisa toda poderia ser um pouquinho menos pior se não tivessem esquecido, assim como Konchalovsky e Zvyagintsev, outro diretor russo (a guerra influenciou nas escolhas?), que fez uma notável tetralogia do poder, da qual três dos filmes foram feitos no século XXI. Taurus e O sol são películas das melhores, e mesmo o denso, estranho Fausto merece destaque.

Mas não tivesse Sokurov feito mais nenhum filme além de Arca russa, e ele já mereceria estar em qualquer lista que se prezasse.

É mais do que uma questão de preferências, gostos, relatividades. É contribuir com um panorama complexo e diverso que vem enriquecendo o cinema mundial.

Não considerem que aproveitei o texto para sugerir filmes, cineastas, até porque a cada um que eu citei, com certeza algum leitor cinéfilo de imediato lembrou de mais dois que eu esqueci. Eu apenas confesso que me surpreendi ao ver de fora de uma lista assim - que, bem ou mal, goza de algum prestígio e reconhecimento, e servirá de referência - filmes que, por sua representatividade, qualidade e reconhecimento em prêmios, críticas e admiração dos pares, são obras canônicas do nosso século. Não é um problema dessa lista, é um sintoma do nosso tempo que vai além de pôr em xeque essa ou aquela escolha.

É claro que entre os convidados a eleger os filmes para a lista, podemos ler nomes que, naturalmente, endossam determinadas estéticas e tendências. Contudo, foram convidados profissionais da indústria, que, imagino eu, deveriam estar atentos aos destaques mundiais e a figuras cruciais do cinema do século XXI.

Confesso que me agrada ver um filme subestimado como Sangue negro em terceiro lugar. Ver que o Brasil foi lembrado e Cidade de Deus ficou na posição de número quinze. Mas segue ainda e sempre aquela máxima de que os resultados dizem mais sobre as comissões que sobre os escolhidos. E essas listas, ah, as listas… Os prêmios, ah, os prêmios…

Acabamos por criar, por motivos diversos aos quais não me deterei aqui, uma confusão estética que por vezes deixa o público, o principal interessado (ao menos deveria ser), perdido.

Em tempos de influenciadores, celebridades fugazes, seguilovers e polemizadores de butique, a Arte vem sendo imprensada por padrões, exigências, patrulhamentos e censuras. Quem menos sabe, muitas vezes é quem mais guia. Muitas vezes, o que de melhor se faz, e poderia agradar e ter mais visibilidade, some ou fica oprimido em meio a uma guerra de mídias, modas e merdas. O pior é quando nós artistas, estando em comissões, acabamos por sucumbir a esses e outros equívocos, também, quando poderíamos balizar algum prumo estético mínimo para essa contemporaneidade doida.

E a gente vai acabando por deixar de conhecer muita coisa boa que é feita no mundo, enquanto o lado feio da vida explode nos noticiários e redes sociais.