O Nazismo tinha razão?

A falta de empatia com o outro, com o diferente - seja em pensamento, religião, espectro político, grupo social, etc. - guia boa parte de nossa população

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  • Gil Vicente Tavares

Publicado em 4 de março de 2024 às 05:00

Olhando de um determinado ponto de vista; sim. Erradicar judeus era acabar com um povo sem a ascendência e pureza ariana. Era, para uma Alemanha que estava crescendo economicamente, ter emprego para o verdadeiro alemão. Não permitir que tal raça maldita tomasse conta de nossos bens, nossa imprensa, comércio. Mas não só. Era eliminar o problema dos doentes mentais que tanto dão trabalho e custos à sociedade. Era ter uma arte que exaltasse sua cultura, seu povo originário, que valorizasse o nacional, o social e real em vez de abstrações e distorções da realidade, de uma arte degenerada, feia, torta, de mau gosto, e muito influenciada por outras culturas e povos degenerados, inferiores. E por aí vai.

Ah, mataram milhões de judeus! Ciganos, comunistas, homossexuais! Bem, para determinado tipo de alemão, o pensamento do “não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos!” talvez caísse como uma luva. Judeus são um câncer para nossa sociedade. Ciganos são bandidos e sujos. Comunistas querem acabar com nossa propriedade, destruir um regime que está prosperando e implementar coisas assustadoras contra a família e os bons costumes. E os homossexuais? São, eles mesmos, a doença mais nociva ao que importa em termos de moral, família e comportamentos sociais. Como eles serão erradicados? Não me interessa. Toda escolha pressupõe perdas.

(Esses discursos lhe remetem a algo ou a alguém mais?)

Inclusive, a vingança é um ótimo combustível. Mataram alguns dos nossos? Que morram milhões dos deles.

Os filmes estadunidenses mostram muito bem isso. São sempre sucessos de bilheteria aqueles filmes onde um cara, porque lhe mataram o cachorro ou a esposa, sai matando centenas de pessoas em busca de vingança. As pessoas assistem àquilo entusiasmadas. Não à toa, temos gerações e gerações que querem estar armadas, sonhando com seu dia de vingador, justiceiro.

Ao assistirmos a um filme desses, não importa se entre os três caras decepados por uma espada ninja havia dois pais de crianças lindas, que sustentavam uma família dependente e com pessoas idosas doentes, e tinham sonhos. Ou se o terceiro era spalla de uma orquestra, ou o melhor e mais sensível grafiteiro do bairro e fazia trabalhos sociais para ajudar refugiados; e tinha sonhos, também, bons, lindos, sonhos do bem. Não. São apenas três vilões que merecem morrer para saciar a sede de sangue do herói injustiçado. E assim milhares explodem na tela para olhos excitados. E assim, na vida real, os vídeos de vingança, chachina, quando envolvem mortos com os quais não nos identificamos, são visualizados enormemente. E há uma aceitação silenciosa quando nos chegam notícias de mortos e mais mortes.

Nessa mesma onda, dizimar uma tribo indígena em prol do progresso é um mal necessário. Explorar mão de obra para obter recordes na lavoura é algo válido, pois o agro precisa crescer e alavancar o país.

Se uma pessoa de outra religião sofre alguma tragédia, a pessoa que crê em tal Deus prontamente fala: tá vendo? Vai cultuar o demônio, vai renegar nosso Deus, olha o que acontece. E a pessoa que pensa assim nem se dá conta que Deus algum que mereça respeito deveria ter por doutrina a vingança e a punição por não crerem nele. Além disso, muitas vezes não olha a própria família, com problemas financeiros, acidente e desastres, fazenda com dívidas, imóvel a ser penhorado, diversos problemas que, dentro da mesma lógica primária, seriam punições por algo, também. Inclusive, se for pra defender uma causa que a pessoa acredita, rapidamente um ato terrorista vira um ato patriótico, relativizado e passível de anistia.

A falta de empatia com o outro, com o diferente - seja em pensamento, religião, espectro político, grupo social, etc. - guia boa parte de nossa população.

Claro, há também boa parte da população que se incomoda com qualquer violência ou injustiça. Ainda mais quando se é contra inocentes, crianças, idosos.

“O sofrimento de uma só criança / Pra mim guarda em si a dor do mundo”, dizem os versos de um soneto meu que publiquei em minhas redes sociais. Infelizmente, para muitos, o diferente se torna um número, um alvo, um estorvo, algo que não deveria existir. Então, qualquer forma de retirar a existência deste ser é válida pelo bem… bem, pelo bem da própria pessoa e dos seus. E, caso você pense assim, sinto lhe informar (ou talvez no fundo tenha orgulho disso), você pertence a uma linhagem de humanos onde há matadores, milícias, fascistas, eugenistas e afins.

Há um egoísmo basilar que provoca uma cegueira desumana. Não importa se são dois turistas em Copacabana, cento e onze presos no Carandiru, ou uma tribo inteira de aborígenes. Se são dois judeus, três muçulmanos, quatro budistas ou cinco evengélicos. Se é um povo, uma nação, uma família ou um mendigo.

Encerro este texto com uma citação que, de forma tão bela e sentida, resume tudo isso. É de uma obra do escritor inglês John Donne, e que já inspirou muitos mundo afora, inclusive a mim:

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”