Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Sobre Rouanet, Claudia Raia e a Cultura

Claudia Raia está autorizada a captar 5 milhões e pode conseguir. Qualquer artista que puser um projeto bem elaborado com adequação orçamentária, também consegue sua autorização

  • Foto do(a) author(a) Gil Vicente Tavares
  • Gil Vicente Tavares

Publicado em 27 de fevereiro de 2023 às 09:56

. Crédito: .

Há uns dez anos, incomodado com mais um edital perdido por mim, meu dentista me perguntou quanto eu precisaria, num plano ideal, para montar SADE (texto meu que eu vinha tentando recursos há um tempo). Eu lhe respondi que uns 250 mil. Ele arregalou o olho e falou: nossa, é muito, não?

Perguntei-lhe, então, quanto ele achava que tal ator do meu grupo, que ele era fã, merecia ganhar no mínimo, por mês, para ensaiar todos os dias. Ele prontamente falou: no mínimo uns 8 mil. Eu lhe retruquei: multiplique 8 por cinco atores, e depois por três meses de ensaio. Agora, ponha gastos com equipe, direção, iluminador, cenógrafo, maquiador, figurinista, aderecista, diretor musical, produção executiva, direção de produção, assessoria de imprensa… Para não falar em gastos com material de cenário, figurino, iluminação…

No mesmo instante ele me interrompeu e com olhos mais arregalados ainda me disse: nossa, 250 mil é muito pouco, você não consegue montar só com isso. Um dos atuais cavalos de batalha da extrema direita é dizer que o PT deu 5 milhões para Claudia Raia, através da lei Rouanet (que apelidaram de Roubanet), e que a mamata tinha voltado.

Bem… Primeiramente, o governo não deu 5 milhões para Claudia Raia. Ele autorizou ela a captar junto à iniciativa privada 5 milhões para dois musicais. Entrei no Salicnet, e até o momento ela captou 0 reais. E 2,5 milhões para cada musical não são muito, quando se pensa em toda equipe e gastos que elenquei acima, mais bailarinos, músicos; facilmente se chega a uma equipe de 100 pessoas. Todas elas ganhando desses 2,5 milhões. Por meses. Sem contar gastos gigantes com figurinos, cenários, equipamentos, sonorização, além de locação do teatro, espaço para ensaio, divulgação… Listar o orçamento real de um espetáculo assim, que vai do sapateiro ao bilheteiro, do contra-regra ao operador de luz, demonstra facilmente que 2,5 milhões não são muito para um musical.

Basta comparar com os cachês astronômicos que foram descobertos recentemente, pagos direto do erário para cantores sertanejos. Para que o artista e sua banda simplesmente toquem por 1 ou 2 horas, os cachês chegam a 1 milhão de reais. Sem o artista gastar com equipamentos, palco, luz, até mesmo uma água no camarim ele não compra, é tudo fornecido pela prefeitura. Vai tudo pro bolso de um cantor que, geralmente, nem paga gigantes cachês aos músicos, e deve embolsar com o produtor centenas de milhares de reais por uma apresentação. E claro que a extrema direita cala-se sobre isso, por ser cúmplice e parceira deste descalabro.

A Lei Rouanet foi criada no governo Collor, e sempre foi criticada pela esquerda. É uma lei de isenção fiscal, onde o Estado autoriza que uma empresa desconte de seu imposto de renda o valor dado como patrocínio. O Estado não paga, não dá, ele deixa de ganhar. Como vários incentivos fiscais para outras áreas. Em tese, é até uma coisa interessante. Mas por que, então, a maioria dos artistas critica a lei? Por que a esquerda não gosta da lei?

É simples. Porque é uma lei que joga na mão da iniciativa privada uma decisão que envolve verba pública, mesmo que através de isenção, e que privilegia gritantemente o eixo Rio-São Paulo e os artistas famosos que, em tese, nem precisariam de verba pública para seus trabalhos. E, além do mais, para realizarem projetos de caráter eminentemente comercial, em sua maioria.

Claudia Raia está autorizada a captar 5 milhões e pode conseguir. Qualquer artista que puser um projeto bem elaborado com adequação orçamentária, também consegue sua autorização. O governo não censura nem privilegia temas ou artistas, apenas faz análise técnica (a gestão passada, sim, quis realizar um dirigismo através da lei). Inclusive, falar em Roubanet é de uma burrice gigante, posto que há todo um controle de recibos e notas fiscais nas prestações de conta, e as empresas que patrocinam precisam estar em dia com a Receita Federal (coisa que a extrema direita e seus ídolos parecem não gostar muito de estar).

Qual o grande problema? Claudia Raia pode conseguir 5 milhões junto a empresas, com seu nome e visibilidade, e trabalhando no eixo onde se concentram as grandes decisões e empresas do país. Gil Vicente Tavares pode ter um projeto de 500 mil, 50 mil ou 5 reais, e empresa alguma vai se interessar em bancar um espetáculo meu. A centralização de recursos na mão dos que já possuem recursos e visibilidade, e o patrocínio de empresas que estampam suas marcas como grandes incentivadoras sem, na realidade, botar 1 centavo do próprio bolso (pois retorna tudo em isenção fiscal) geram uma anomalia, de uma lei que responde pela maioria dos recurso públicos destinados às artes.

Penso que poderia haver gradações. A isenção poderia ser regressiva. Até 500 mil, 100% de isenção. de 501 mil a dois milhões, 80%, com a empresa entrando com 20% de recursos próprios e por aí vai. Poderia haver uma proporção tipo: a cada projeto de famosos do eixão patrocinado, a empresa entrar com 20% do valor total com recursos para projeto(s) de outras regiões. Ou fracionar proporcionalmente a porcentagem permitida de isenção por regiões do país. Com certeza, há gente mais capacitada, e propostas melhores que as minhas já estruturadas, pensadas e discutidas Brasil afora.

Já falou-se em se criar um fundo, a partir da isenção, onde o Estado pudesse distribuir esses recursos de forma mais democrática, plural e consciente; mas minha confiança no caráter e competência das comissões formadas por órgãos públicos é bastante frágil. Acabaria, talvez, por apenas deslocar o erro e os tipos de equívocos, sem resolver as questões centrais do problema.

Resumindo. Claudia Raia, como qualquer artista que faça um projeto adequado, foi autorizada por uma lei criada na época de Collor, a captar 5 milhões para dois musicais. O orçamento não é absurdo. Não há superfaturamento e nem dinheiro público no bolso de ninguém. O que se pode questionar é a lei. A concentração de renda. Se é correto isentar 5 milhões para dois musicais de gente famosa do eixão, que poderia buscar patrocínios privados e arrecadar com bilheterias astronômicas, enquanto grupos e coletivos do Norte e Nordeste, de qualidade reconhecida nacional e até mundialmente estão se acabando, estão sem trabalho, sem recursos; por exemplo.

Curiosamente, toda vez que a esquerda resolve mexer nesse vespeiro, os famosos e as empresas, beneficiados pela lei, com a projeção que têm, vão aos órgãos de imprensa detonar a esquerda, dizendo que vão destruir com a cultura, que não se liga para os artistas, e a opinião pública cai nessa. E a própria extrema direita se aproveita da onda pra bater na esquerda, também.

A lei da época de Collor precisa ser mudada? Penso que sim. Em termos de concentração de renda, em termos regionais, de relevância dos projetos, e dos resultados, valores de ingressos, impactos na sociedade.

Você até pode ter compulsão por mentiras e fake news, pode até lhe dar prazer difamar e ofender irresponsavelmente gente honesta, trabalhadora, competente e responsável. Até entendo seu ódio aos artistas; o fascismos me ensinou bastante sobre isso. Mas não seja mais um candidato a idiota a sair por aí dizendo que o PT deu 5 milhões pra Claudia Raia, como tal prefeito deu 1 milhão para tal cantor sertanejo.

Quer criticar a Lei Rouanet? Procure saber, se informar. Podemos até estar do mesmo lado, neste quesito.