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O Natal do ano mais louco do século

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 29 de novembro de 2020 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

É quase dezembro no ano mais louco do século. Natal no confinamento impõe alguns impasses: armar ou não a árvore de plástico que simula um desajeitado pinheiro nórdico? Pendurar ou não, na porta do apartamento, o trenó de lã puxado por renas? Iluminar ou não a varanda, em consonância com o espírito do prédio?

Pelos enfeites natalinos já aparentes na vizinhança, é possível imaginar onde há crianças, porque elas estimulam os pais a manterem o ânimo. Me refiro logicamente às que têm infância. Pelas ruas, outras tantas estarão no ritual de sempre: esperar que a bondade anual do próximo se manifeste, por mais que cada próximo pareça distante.

Solidariedade materializada em embalagens com restos da ceia em família, em peças de roupa que já não servem aos filhos e, com alguma sorte, em um brinquedo que preste, em um brinquedo na caixa. Uma bola de borracha, uma boneca tipo Barbie, uma cesta de alimentos não perecíveis, nunca se sabe.

Mas a verdade é que muitos doadores perderam seus empregos. Empresas reduziram o quadro de funcionários, quando não cerraram suas portas. Salários foram reduzidos à metade, assim como o número de horas de trabalho. Até a filantropia anda em crise. Os que restaram sobrevivem de criatividade e de esperanças.

Vejo no jornal um rapaz que, munido de pano e álcool em gel, inventou uma nova atividade. Em troca de algum dinheiro (não há um valor específico), ele higieniza os assentos e as barras de apoio dos coletivos, e até oferece o precioso líquido aos esquecidos da vida, aflitos como se estivessem com as mãos em chamas.

Um cara, por reconhecimento do esforço ou por alívio, ofereceu uma nota de cinquenta — conta o moço para a repórter. Lembro de quando fizemos um documentário com Alzira no Campo Santo, para um trabalho da faculdade. Com amoníaco e uma esponja, ela limpava os túmulos do cemitério, deixando tudo um brinco.

Me contou que possuía por ali clientes fixos, interessados na manutenção semanal da última morada dos parentes. Para ela, no entanto, a morte não repousaria em nada que fosse físico. Desejava que seu corpo fosse cremado. Em tempos como esses, penso muito em Alzira e na minha amiga do semáforo da esquina.

Sempre que passo de carro, ela acena e sorri. Posso passar mil vezes por ali e a mesma cena se repete. Certa vez, pediu um presente de aniversário, queria preparar um bolo. Não saberei descrever em palavras a surpresa que li no rosto dela quando lembrei a data e lhe entreguei algumas notas para comprar os ingredientes.

Palavras também serão insuficientes para dar conta da minha alegria ao passar por ela um dia desses e ver que estava viva. No exercício de seguir em frente, testamos as minúsculas lâmpadas de LED do ano passado. O primeiro desafio é desembaraçar os fios. Algumas luzes coloridas se acendem, outras desistiram de imitar estrelas.

Resgatamos estátuas de Papai Noel que recordam pessoas e épocas mais felizes. De vez em quando me assusto ao dar com eles. O pisca-pisca bem que pode ter outra utilidade no Ano Novo. Se estivermos saudáveis, e é essa a condicional dos últimos meses, podemos improvisar na sala uma discoteca. Fiz até a playlist.